João José Brandão Ferreira
«Se não ganhássemos o de além, poderíamos perder o de aquém”.
Gomes Eanes de Zurara (Crónica da Conquista da Guiné)
À semelhança de muitas outras atitudes, discussões e comportamentos, também passou a ser “normalmente” aceite ou, se quiserem, politicamente correcto e tranquilizador do espírito, afirmar que a solução da guerra contra subversiva, que travávamos em África (1961-1974), era «política» e não «militar», e que as Forças Armadas (FAs), pela sua acção, garantiram o tempo suficiente para que essa solução fosse encontrada.
A frase foi primeiramente proferida em Lisboa, durante a leitura do primeiro comunicado ao país da Junta de Salvação Nacional, em 26 de Abril de 1974. A partir daqui, a confusão de conceitos e de ideias instalou-se, porém, nada de substantivo veio a público. A questão já tinha sido abordada no livro "Portugal e o Futuro", escrito pelo então General Spínola (ou por quem o ajudou nesse intento), mas sem especificar o que queria dizer exactamente com isso.
Todavia, não deixa de ser curioso (apesar de se ter revelado dramático), que o então famoso general se tenha esquecido do antigo princípio clausewitiano de que a «guerra é a continuação da política por outros meios», querendo passar a fazer da política a continuação da guerra. Ignoramos se alguém que o rodeava lhe terá chamado alguma vez a atenção para isto.
Além de mito a frase, como tem sido usada, é uma falácia. Vejamos porquê. A decisão para acabar com uma guerra - mesmo em caso de desaire militar - é política, assim como também a decisão de a travar é, acima de tudo, política. Se dúvidas houver, lembra-se que as decisões políticas devem reflectir os interesses nacionais, neste caso dos portugueses, e não dos seus inimigos. Ora, tendo o governo português e os portugueses, reagido em legítima defesa contra agressões violentas, vindas do exterior e apoiadas por potências estrangeiras, a territórios e populações que eram legitimamente nossas, por direito e por devoção, e como essa defesa obrigava a desencadear e manter operações militares, caberia naturalmente às FAs ocuparem-se dessa missão. É essa a razão da sua existência.
Iniciadas as hostilidades, estudado o inimigo e apreciadas as ameaças, ficou estabelecido como objectivo político, a defesa intransigente da soberania portuguesa em todos os seus territórios, a defesa do território e a protecção das suas populações, bem como a salvaguarda do património cultural e espiritual da nação. Além disso, instituiu-se um conceito estratégico que nas palavras do Ministro da Marinha, o Almirante Pereira Crespo, se pode enunciar da seguinte maneira:
-- Mostrar uma vontade firme de resistir e de vencer (o inimigo teria de acreditar que a luta em que estávamos empenhados era para nós vital e de que nunca desistiríamos, fosse por fadiga, fosse por traição);
-- Acelerar o desenvolvimento económico e social dos territórios ultramarinos, aumentando a participação dos portugueses de raça negra na administração dos negócios públicos. (O inimigo teria de optar entre os sacrifícios de uma luta de guerrilha e a sua integração numa sociedade em pleno desenvolvimento, na qual poderia participar);
-- Receber, como irmãos e sem qualquer preconceito, aqueles que, tendo lutado contra nós, desistissem de tal luta.
Esta estratégia obrigava a uma guerra de desgaste, cuja duração dependia, essencialmente, da resistência do inimigo. Parece-nos evidente que a estratégia dos inimigos, neste ponto, era idêntica à nossa, embora de sinal contrário, isto é, pretendia impor-nos uma guerra de longa duração, que se arrastaria o tempo que fosse necessário, até nos levar ao cansaço e ao desgaste, o que por sua vez criaria tensões internas que enfraqueceriam a nossa vontade de lutar e obrigariam eventualmente o governo português a mudar de política.
Todavia, ao contrário de Portugal (que ainda assim tentou substituir a liderança política na Guiné - Conacri por uma que lhe fosse favorável, através da operação «Mar Verde»), os movimentos subversivos dispunham do apoio de vários países e de «quintas colunas» portuguesas, para, por meio de um golpe de Estado, substituir o governo de Lisboa por outro ideologicamente mais próximo das teses independentistas (ou por compromissos assumidos) e negociar, assim, a capitulação.
Os defensores da «solução política» versus «solução militar» costumam cair ainda noutro paradoxo: esquecem-se que uma solução política, num contexto complexo de relações internacionais e de guerra total, apoia-se não só na força militar, mas também no âmbito estratégico, económico, financeiro, social, diplomático e psicológico. Em todos eles estavam a ser desenvolvidos vários esforços e era necessário, para tal, de mais tempo. E assim sendo, as Forças Armadas não seriam as únicas a determinar as condições que deveriam estar na base das decisões políticas, nem o "timing" em que estas deveriam acontecer. Quando se diz que a guerra durava há demasiado tempo, o que é que isso quer dizer concretamente? Alguém se pode atrever a definir um prazo para o tempo que uma guerra deve durar?
No plano das contendas internacionais, é possível isolar quatro grandes formas de coação: políticas, económicas, diplomáticas e militares.
O conflito que estamos a analisar, não fugiu à regra. Em termos militares, costuma-se ouvir dizer que uma guerra de guerrilha é impossível de vencer militarmente. Não é verdade, como o provam as vitórias inglesas na guerra da Malásia (1946-1957), e no Quénia (1952-1960), bem como as várias tentativas de subversão falhadas que os cubamos, após a vitória de Fidel Castro, tentaram fazer em vários países da América do Sul (por exemplo, na Venezuela, na Guatemala, no Peru, na Colômbia e na Bolívia).
No entanto, uma vitória militar como essas, aparentemente, não era aplicável ao nosso caso, mesmo quando se sabia que em 1973, o inimigo tinha praticamente desistido de lutar em Angola. As tácticas utilizadas pela guerrilha permitiam atacar em pequenos grupos e escolher a altura e o local para o fazer, já que podiam atravessar as fronteiras quando lhes aprouvesse (relembre-se que nas ilhas africanas que pertenciam ao território português nunca se verificou qualquer tipo de subversão). Podiam, portanto, prolongar a luta indefinidamente.
Para os aniquilarmos teríamos de os perseguir sistematicamente nos territórios onde se refugiavam, porém, uma decisão dessas conduziria, quase de certeza, a uma guerra clássica ou, então, criaria problemas militares e diplomáticos de muito difícil previsão.
Por outro lado, a guerrilha não tinha qualquer hipótese de bater as Forças Armadas Portuguesas, que estavam muito bem estruturadas, eram numerosas (em termos relativos) e actuavam no seu próprio território. O inimigo teria de subir a parada e constituir forças de exército regular que conseguissem suplantar o nosso potencial, como aconteceu, por exemplo, na Indochina contra os franceses e americanos. Ora, na altura não se conseguia vislumbrar qualquer hipótese do inimigo, mesmo contando com o apoio dos exércitos regulares de alguns países limítrofes, conseguir atingir esse objectivo.
Além disso, tanto a Rússia como a China mostravam muita relutância em fornecer tanto meios militares mais sofisticados como pessoal para realizar operações desse género. Assim, tudo indicava que a solução para a guerra não passava pelo campo militar.
No âmbito diplomático, o impasse era idêntico, não havendo perspectivas de que fosse possível encontrar uma solução para qualquer dos lados. Os sucessivos ataques desferidos pelos inimigos de Portugal, na ONU, OUA, etc., nunca tiveram quaisquer resultados práticos e a sua repetição e ineficácia acabou por cair numa indiferença generalizada. Por outras palavras, tornaram-se irrelevantes.
Do nosso lado, era inviável «obrigar» a URSS e seus satélites ou aliados a mudar a sua política de apoio à guerrilha, afinal, estavam a defender os seus interesses. De igual modo, estava fora de questão conseguir convencer os dirigentes dos países que tinham fronteiras com as nossas províncias ultramarinas a desistir de conceder apoio ao inimigo. Mesmo que o quisessem (e alguns, como o Senegal e o Malawi, até queriam), não o poderiam dizer publicamente, tendo em conta a política seguida por praticamente todos os países de maioria negra e árabe do continente africano.
No âmbito económico, era igualmente impossível obter uma solução para o conflito. Uma acção da nossa parte teria de ser feita, não contra o PAIGC, a Frelimo, a FNLA ou o MPLA, mas sim contra as potências que os apoiavam, pois eram estas que forneciam toda a logística que permitia à guerrilha sobreviver. Ora, tal estava completamente fora das nossas possibilidades. A pressão que eventualmente poderíamos exercer sobre o Zaire e a Zâmbia, no que tocava à importação e exportação de mercadorias através dos nossos portos e caminhos-de-ferro, estava reservada para situações críticas, sendo preferível, por enquanto, mostrar boa vontade e garantir uma boa vizinhança.
O inimigo também não tinha força para prejudicar a economia de Angola e Moçambique e só muito dificilmente o fazia na Guiné o que, no contexto geral, era irrelevante. E se no campo internacional era possível que nos conseguissem causar sérios problemas económicos ou até impedir de realizar trocas comerciais no nosso espaço ultramarino, através da interdição das linhas de comunicação marítima, por exemplo, isso iria levantar problemas geopolíticos delicados no equilíbrio mundial, pelo que nunca foram tentados.
A única solução para ambos os lados da contenda era, pois, obter a vitória pela via política. Ora o objectivo do inimigo passava por fazer com que Portugal entregasse os territórios ultramarinos. De que forma? Esse “pormenor”parecia irrelevante. Para as potências comunistas, nomeadamente a URSS, o mais importante era conseguir que o poder fosse entregue a movimentos marxistas e não a outros, que teriam de ser excluídos ou eliminados. O resultado final da estratégia era a substituição de soberanias, não a autodeterminação dos povos.
Após a independência, os movimentos, reféns da ajuda recebida, teriam o apoio dos países que a forneceram e poderiam quebrar quaisquer compromissos que tivessem feito. A potência «colonizadora», neste caso Portugal, ficaria de pés e mãos atados e a mais pequena objecção seria imediatamente qualificada de «tentativa de ingerência» ou tique neocolonialista.
Já vimos que a estratégia para se alcançar esse objectivo político implicava o desgaste do nosso exército através de operações de guerrilha ou então precipitar a substituição do governo de Lisboa por outro favorável à retirada portuguesa dos territórios africanos. Note-se que a primeira via ajudava e conduzia à segunda. E se as actividades de guerrilha podiam ser deixadas aos movimentos que lutavam contra nós, já para subverter a Metrópole era preciso contar com o apoio tanto de algumas grandes potências, como de alguns portugueses pouco dignos desse nome e que se prestassem à infâmia. E foi isso precisamente que aconteceu.
A subversão foi dirigida preferencialmente aos meios estudantis, donde sairiam os oficiais e os sargentos milicianos que iriam dirigir as tropas portuguesas, ao mesmo tempo que procurava explorar todos os sinais de descontentamento que pudessem existir entre os militares do quadro permanente.
A primeira movimentação deu-se logo em princípios de 1969, quando os sargentos fizeram saber do seu descontentamento (e com razão) relativamente a uma actualização geral de vencimentos, que vinha piorar a sua já difícil situação económica. O problema foi corrigido, não se tendo verificado uma politização desse movimento, como chegou a ser tentado. Em simultâneo, algumas organizações clandestinas levaram a cabo actos de sabotagem na Metrópole.
No entanto, o inimigo insistiu principalmente na solução política, não descurando, porém, a acção militar e diplomática. Foi para fazer face a esta estratégia do inimigo que também o governo português se viu obrigado a definir uma solução política, nomeadamente através de acções de contra-guerrilha, durante o tempo que fosse necessário, de modo a causar desgaste no inimigo que, inevitavelmente, dariam origem a divisões internas e criariam um ambiente de desmoralização generalizada, ao ponto de fazer com que deixassem de acreditar na vitória e perdessem assim a vontade de lutar. No fundo, pretendia-se que os guerrilheiros chegassem à conclusão que era mais vantajoso permanecerem portugueses, ou seja, plenamente integrados no todo nacional. Para tal, era importante não descurar nenhum âmbito de actuação.
Por isso é que não cabia aos militares dar tempo aos políticos para eles encontrarem uma solução política; cabia sim aos políticos dar aos militares (e aos diplomatas, empresários, investidores, etc.), as condições necessárias para que eles pudessem cumprir a sua parte no esforço comum, a fim de que fossem atingidos os objectivos políticos definidos! O que, à excepção do caso da Índia, não se pode dizer que não tivesse sido feito.
Resta agora especular sobre outras possíveis soluções políticas que Portugal poderia ter aplicado. A primeira, defendida por alguns, mesmo dentro do regime, era mudar a estrutura política nacional, quer através de outras alternativas de autonomia ultramarina, confederação ou federação (tese defendida pelo general Spínola no livro Portugal e o Futuro), quer transformando o regime numa democracia do tipo ocidental, como pretendia a oposição «democrática» e «liberal». Do nosso ponto de vista, esta discussão não fazia qualquer sentido tendo em conta o problema que se tinha entre mãos, já que as forças inimigas não iriam mudar a sua política ou as suas exigências, qualquer que fosse o tipo de regime ou de organização político/administrativa que os portugueses decidissem adoptar.
Por outro lado, a forma como nós estávamos a conduzir a guerra não tinha de ser alterada, fosse qual fosse a natureza das instituições a estabelecer. Além disso, a organização política do Estado Português era um assunto interno nacional e o que se viesse a decidir em Lisboa não poderia ir à revelia do sentimento dominante em cada um dos territórios, sobretudo em Angola e Moçambique, pois eram aqueles que maior peso relativo viriam a deter.
Outra hipótese que chegou a ser equacionada passava por fazer um referendo ou um plebiscito, perguntando às populações ultramarinas qual o destino que pretendiam para as suas terras. A vivência, os testemunhos e a informação existentes na altura, não admitem qualquer dúvida: os resultados seriam esmagadoramente favoráveis à manutenção de uma pátria portuguesa pluricontinental e multirracial. Dito de outro modo, se tivesse sido essa a solução escolhida, os interesses portugueses não seriam afectados.
Ainda assim, e deixando de parte a discussão sobre a legitimidade de se referendar a soberania, seria uma ingenuidade acreditar que o inimigo aceitaria um resultado que lhe fosse desfavorável; ou que quisesse até sujeitar-se a esta prova, dadas as suas conhecidas debilidades e faltas de apoio interno. Além disso, e na hipótese de concordar com essa solução, faltava saber se ele estaria disposto a colaborar honestamente na sua realização e a acatar as decisões maioritárias. De outro modo, os resultados jamais seriam aceites pela comunidade internacional.
Mesmo que um ou outro grupo de guerrilha aceitasse participar, provavelmente com o objectivo de colher alguns dividendos, era pouco provável que desmantelassem as suas organizações clandestinas ou que depusessem incondicionalmente as armas, para assim poderem reiniciar a luta quando lhes aprouvesse. Acreditar que os países comunistas, que apoiavam a subversão à distância e ansiavam por se instalar nos nossos territórios, iriam desistir dos seus intentos por causa de um referendo, usando métodos tidos como democráticos, seria uma ingenuidade ainda maior.
Políticos e simples cidadãos, nacionais e estrangeiros, e até diferentes comentadores e "adivinhos", tanto na década de 60 do século XX, como já no período pós revolucionário, relativamente às desgraças ocorridas na fase das independências (a que, por decoro, não chamamos pelo nome de descolonização), defenderam que se deveria já ter concedido a independência aos territórios de além-mar, nomeadamente a Angola e Moçambique , de modo a que se pudessem criar "novos Brasis" e constituir, dessa forma, uma comunidade de países de expressão lusíada, ou seja, com uma matriz portuguesa a uni-los. Todavia, esta solução seria outra ingenuidade, impossível de realizar, que além disso traria graves consequências.
Com efeito, dificilmente essa solução seria realizável enquanto esses movimentos inimigos não fossem vencidos. Mas se isso acontecesse, os grupos armados da guerrilha não teriam qualquer hipótese de vir a participar no poder, já que não possuíam apoio nem estrutura para tal. Depois, uma comunidade de países de inspiração portuguesa iria impossibilitar que esses países caíssem na órbita comunista. Além disso, a permanência de uma larga comunidade branca seria igualmente um entrave a esses desígnios e, por isso, seria duramente combatida.
Ficar ligado a Portugal significava continuar na área de influência ocidental, exactamente o contrário daquilo que o bloco marxista pretendia. É importante não esquecer que estávamos no «último pico» da Guerra Fria. Ou seja, caso Angola e Moçambique se tornassem independentes em circunstâncias que fossem favoráveis tanto para os portugueses como para esses novos países, o mais certo era que a guerra de guerrilha continuasse, apoiada nas organizações já existentes, que não seriam desmanteladas. Ora, sem a presença dos meios metropolitanos, Angola e Moçambique não teriam qualquer capacidade para se defender, além de que a vulnerabilidade das suas fronteiras (incluindo a aérea e marítima) aumentaria desmesuradamente. E, nessa altura, Portugal não poderia ajudar militarmente os novos Estados. Infelizmente, muitos dos pseudo - eruditos que viviam naqueles territórios não foram capazes de perceber estas evidências.
Finalmente - a não ser que alguém consiga apontar mais alguma - restava como solução política a tão apregoada via das negociações com o inimigo. Deve começar por dizer-se que as negociações em tempo de guerra não são um fim, mas um meio. Um meio para um dos contendores alcançar a vitória ou então tentar evitar a derrota. Ora, como Portugal não estava a perder a guerra, não fazia qualquer sentido entabular negociações com o objectivo de evitar uma catástrofe maior. E, no primeiro caso, só fazia sentido negociar partindo de uma posição de força e com objectivos claros que pudessem fazer balancear decisivamente a contenda em favor dos nossos interesses.
Em casos mais raros, um dos contendores, pelas posições que conseguiu conquistar, pode julgar-se vencedor à partida e, como tal, tentar impor uma solução ao inimigo, fazendo com que este capitule sem mais luta - caso, por exemplo, de Hitler em relação à Inglaterra, após ter conquistado a França. De qualquer forma, uma negociação faz-se sempre Estado a Estado, o que não era, manifestamente, o caso.
No contexto do conflito que travávamos, seria muito difícil, diríamos mesmo impossível, negociar qualquer solução de compromisso, pois tal implicava que não houvesse um vencedor declarado; além disso, era preciso ter em conta que não estaríamos a negociar apenas com os grupos guerrilheiros, mas também com as potências, sobretudo as comunistas, que os apoiavam (a UNITA ilustra bem o que acabámos de afirmar, já que foi possível chegar a um entendimento com esse movimento - não marxista - que não só o neutralizou face aos nossos interesses como ainda por cima começou a combater os movimentos rivais). De facto, tanto o MPLA em Angola, como a Frelimo em Moçambique, nunca aceitaram negociar coisa alguma a não ser a independência, quaisquer que fossem as circunstâncias em que esta viesse a ser obtida. Perante isso, o governo português ia negociar o quê?
A excepção a estes casos foi a Guiné e teve como intermediário o Presidente Senghor, do Senegal, a quem repugnava a influência que a Guiné - Conacri poderia vir a ter sobre a Guiné portuguesa. Os contactos começaram em 1971, através dos bons ofícios de um terceiro governo. Senghor defendia que a Guiné deveria ser independente no âmbito de uma comunidade luso- afro- brasileira extensiva, naturalmente, às restantes províncias e estava disposto a discutir essa questão com o governo português . Lisboa reagiu bem a esta iniciativa e enviou um alto representante a Dacar propor diligências preparatórias . Por razões que só o então presidente senegalês saberia explicar, esta iniciativa não teve continuação. Em meados de 1972, Senghor fez saber ao Governador da Guiné, que gostaria de falar com ele. Autorizado pelo governo, Spínola encontrou-se com Senghor em Cap Skiring, na fronteira norte da Guiné, mas em território senegalês. Dessa conversa resultou uma proposta de encontro entre Spínola e Amílcar Cabral, onde seria negociado um cessar-fogo, após o que se acordaria que o PAIGC seria integrado nas estruturas portuguesas e passaria a colaborar no governo do território. Daí se evoluiria para uma consulta às populações sobre o seu destino futuro.
As propostas foram analisadas em Lisboa com profundidade, tanto a nível do governo, como a nível do Conselho Superior de Defesa Nacional, e ainda por diversas personalidades. Ficou decidido - e bem - não prosseguir as negociações. Em primeiro lugar, porque ao sentar Spínola e Amílcar Cabral à mesma mesa, o governo de Lisboa estava a reconhecer, implicitamente, que o PAIGC era uma força beligerante respeitável, algo que seria aproveitado, como é lógico, pelos outros movimentos. Tal facto teria amplas repercussões (como tudo o resto) na imprensa internacional. O PAIGC não se limitaria, naturalmente a fazer reivindicações apenas sobre a Guiné, procuraria englobar Cabo Verde, onde nunca se tinha disparado um tiro; a partir do momento em que aceitássemos um cessar-fogo, ficaríamos com as mãos amarradas para fazer fosse o que fosse, ao passo que o PAIGC conservaria toda a liberdade para fazer o que bem entendesse. E havia a hipótese de nos serem preparadas várias armadilhas.
As propostas foram analisadas em Lisboa com profundidade, tanto a nível do governo, como a nível do Conselho Superior de Defesa Nacional, e ainda por diversas personalidades. Ficou decidido - e bem - não prosseguir as negociações. Em primeiro lugar, porque ao sentar Spínola e Amílcar Cabral à mesma mesa, o governo de Lisboa estava a reconhecer, implicitamente, que o PAIGC era uma força beligerante respeitável, algo que seria aproveitado, como é lógico, pelos outros movimentos. Tal facto teria amplas repercussões (como tudo o resto) na imprensa internacional. O PAIGC não se limitaria, naturalmente a fazer reivindicações apenas sobre a Guiné, procuraria englobar Cabo Verde, onde nunca se tinha disparado um tiro; a partir do momento em que aceitássemos um cessar-fogo, ficaríamos com as mãos amarradas para fazer fosse o que fosse, ao passo que o PAIGC conservaria toda a liberdade para fazer o que bem entendesse. E havia a hipótese de nos serem preparadas várias armadilhas.
De resto, não se percebia ainda muito bem como seriam as relações entre a tropa portuguesa e os guerrilheiros. Independentemente do que acontecesse, o início das negociações seria sempre visto como uma vitória para o inimigo e teria uma acção moralizadora nas suas hostes. Mesmo na suposição de que tudo corresse bem, seria impensável que Sekou Touré e a URSS aceitassem tal acordo. Amílcar Cabral seria facilmente denunciado como revisionista, ou como traidor e a luta prosseguiria apoiada em grupos ainda mais pequenos. Ora o efeito de tudo isto sobre o moral das tropas portuguesas poderia ser catastrófico, a confusão ficaria rapidamente instalada e sobreviria depois uma desmobilização psicológica, pois a mensagem que se estaria a transmitir era que a guerra tinha chegado ao fim e que, portanto, o regresso a casa estava próximo. Para além de tudo isso, nenhuma decisão deveria ser tomada em relação à Guiné que não tivesse em conta o seu impacto nas restantes parcelas de Portugal, nomeadamente Angola e Moçambique.
Spínola foi informado de que as soluções tinham de ser pensadas tendo em conta o contexto global do conflito, ou seja, não podiam ser vistas apenas pela fresta de Bissau. Nesse sentido, o general foi convidado a ir conhecer a realidade dos outros teatros de operações o que aceitou. Foi nesta entrevista com o chefe do governo que este último proferiu a célebre frase que apontava para a possibilidade de uma derrota militar na Guiné, o que muito escandalizou o general, que pelos vistos nunca aceitou nem digeriu a argumentação apresentada, tendo regressado a Bissau visivelmente transtornado. A partir de então, espalhou-se a ideia de que a solução era «política» e não militar; que os militares deram tempo e até encontraram soluções para a guerra, que os políticos em Lisboa é que não queriam, ainda por cima não se importando com uma derrota militar (o que trouxe ao de cima o espectro da Índia). Daí para a frente, as coisas só pioraram. O «acto» seguinte foi a elaboração do livro "Portugal e o Futuro".
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Eis pois o que entendemos equacionar sobre a tão propalada "teoria" de que a solução para as últimas campanhas ultramarinas - apelidadas em certos meios como "guerra colonial" -era política e não militar. Expressão que tem sido proferida por respeitáveis figuras do mundo civil e militar, com ar sério e cândido, porém sem lhes acrescentar qualquer substância ou enquadramento especifico.
Politica e socialmente tem sido correcto q.b.
Na realidade, porém, não passa de uma frase oca que apenas serve para tranquilizar (más) consciências – ou pior ainda, servia objectivamente, os intentos do inimigo.
Em qualquer caso longe de um nexo politico/estratégico que fosse ao encontro da matriz dos interesses portugueses e do futuro dos territórios em causa.
Parece que, passados 37 anos, só não vê quem não quer.
1 comentário:
Bom artigo. Sobre a frase «Amílcar Cabral seria facilmente denunciado como revisionista, ou como traidor»: bastou o facto de admitir a hipótese de negociação para ser assassinado pelos do seu próprio campo.
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