sábado, 23 de fevereiro de 2013
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013
La Repubblica associa resignação papal
a «relatório demolidor»
Pedro Duarte no Diário Económico, 21.02.2013
O diário
italiano «La Repubblica» noticia hoje que na base da renúncia de Bento XVI
estará um relatório sobre a corrupção na Igreja.
No passado dia 17 de Dezembro, Bento XVI terá recebido um «relatório demolidor» de 300 páginas, elaborado por três dos mais experientes cardeais do Vaticano, relativamente à investigação sobre os documentos roubados da residência do Sumo Pontífice, adianta a edição de hoje do «La Repubblica».
Segundo o jornal, o documento diria que poderão ser revelados muitos escândalos sobre as lutas de poder dentro da Cúria romana, desvios de dinheiro e a verdadeira força do poder do «lobby gay» na Igreja, informações que seriam tão «demolidoras» que convenceram o Papa a decidir que o melhor caminho a seguir seria o de deixar o cargo, de modo a permitir que um Pontífice mais novo e enérgico tome o poder no Vaticano e leve a cabo uma «limpeza profunda» da Igreja.
«Tudo gira em torno da observação do sexto e sétimo mandamentos: não cometerás actos impuros e não roubarás», disse ao periódico uma fonte «muito próxima» dos autores do relatório.
O «La Repubblica» recorda um escândalo que estalou em 2010, quando foi descoberto que um membro do coro da Capela Musical da Basílica Papal de São Pedro no Vaticano, o nigeriano Chinedu Eheim, oferecia serviços sexuais com menores, incluindo seminaristas, e que estes tinham lugar tanto em Roma como dentro das paredes do próprio Vaticano.
«Existe uma rede transversal unida pela orientação sexual. Pela primeira vez, a palavra ‘homossexualidade' foi pronunciada e lida em voz alta a partir de um texto no apartamento de Ratzinger. E pela primeira vez foi falado, embora em Latim, sobre a palavra ‘chantagem'(‘Influentiam')», lê-se no texto do jornal, que cita as revelações que os cardeais teriam feito ao Papa durante a apresentação secreta das suas conclusões finais.
Como consequência, prossegue o «La Repubblica», Bento XVI decidiu demitir-se, afirmando que «este relatório deve ser entregue ao próximo Papa, que deverá ser bastante forte, jovem e santo para poder enfrentar o trabalho que o espera».
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No passado dia 17 de Dezembro, Bento XVI terá recebido um «relatório demolidor» de 300 páginas, elaborado por três dos mais experientes cardeais do Vaticano, relativamente à investigação sobre os documentos roubados da residência do Sumo Pontífice, adianta a edição de hoje do «La Repubblica».
Segundo o jornal, o documento diria que poderão ser revelados muitos escândalos sobre as lutas de poder dentro da Cúria romana, desvios de dinheiro e a verdadeira força do poder do «lobby gay» na Igreja, informações que seriam tão «demolidoras» que convenceram o Papa a decidir que o melhor caminho a seguir seria o de deixar o cargo, de modo a permitir que um Pontífice mais novo e enérgico tome o poder no Vaticano e leve a cabo uma «limpeza profunda» da Igreja.
«Tudo gira em torno da observação do sexto e sétimo mandamentos: não cometerás actos impuros e não roubarás», disse ao periódico uma fonte «muito próxima» dos autores do relatório.
O «La Repubblica» recorda um escândalo que estalou em 2010, quando foi descoberto que um membro do coro da Capela Musical da Basílica Papal de São Pedro no Vaticano, o nigeriano Chinedu Eheim, oferecia serviços sexuais com menores, incluindo seminaristas, e que estes tinham lugar tanto em Roma como dentro das paredes do próprio Vaticano.
«Existe uma rede transversal unida pela orientação sexual. Pela primeira vez, a palavra ‘homossexualidade' foi pronunciada e lida em voz alta a partir de um texto no apartamento de Ratzinger. E pela primeira vez foi falado, embora em Latim, sobre a palavra ‘chantagem'(‘Influentiam')», lê-se no texto do jornal, que cita as revelações que os cardeais teriam feito ao Papa durante a apresentação secreta das suas conclusões finais.
Como consequência, prossegue o «La Repubblica», Bento XVI decidiu demitir-se, afirmando que «este relatório deve ser entregue ao próximo Papa, que deverá ser bastante forte, jovem e santo para poder enfrentar o trabalho que o espera».
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Socialistas catalães querem a resignação
do rei Juan Carlos
O responsável do Partido
Socialista Catalão (PSC), Pere Navarro, defende que o rei Juan Carlos abdique e
que o seu filho, o Príncipe das Astúrias, o substitua liderando o que denominou
de «segunda transição».
«Seria uma transição tranquila e que responderia às necessidades do nosso tempo», afirmou Navarro, para quem Felipe de Borbón poderia encabeçar as «profundas mudanças e modernização» que, considerou, Espanha precisa.
«Caso contrário, muitos cidadãos poderiam achar que a alternativa seria mudar o próprio sistema monárquico, e penso que não lhes faltaria razão se não houver uma reacção a tempo», afirmou, perante uma centena de empresários na Câmara de Comércio de Barcelona.
De recordar que Iñaki Urdangarin, marido da infanta Cristina, é acusado de usar a sua influência na família real para negócios particulares. Uma troca de «mails», entretanto divulgada pela comunicação social espanhola, parece deixar claro que o próprio rei estaria ao corrente dos negócios do genro.
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«Seria uma transição tranquila e que responderia às necessidades do nosso tempo», afirmou Navarro, para quem Felipe de Borbón poderia encabeçar as «profundas mudanças e modernização» que, considerou, Espanha precisa.
«Caso contrário, muitos cidadãos poderiam achar que a alternativa seria mudar o próprio sistema monárquico, e penso que não lhes faltaria razão se não houver uma reacção a tempo», afirmou, perante uma centena de empresários na Câmara de Comércio de Barcelona.
De recordar que Iñaki Urdangarin, marido da infanta Cristina, é acusado de usar a sua influência na família real para negócios particulares. Uma troca de «mails», entretanto divulgada pela comunicação social espanhola, parece deixar claro que o próprio rei estaria ao corrente dos negócios do genro.
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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013
A Turquia está deixando o Ocidente?
Daniel Pipes
As recentes medidas tomadas
pelo governo turco indicam a sua disposição em livrar-se do clube das
democracias da OTAN em favor do gangue dos estados autoritários russo e chinês.
Eis porque:
Começando em 2007, Ancara solicitou três vezes, sem sucesso, participar como Membro Visitante da Organização para a Cooperação de Xangai (ou SCO, informalmente conhecida como Xangai Cinco). Fundada em 1996 pelos governos russo e chinês, juntamente com três países da Ásia Central Soviética (com a afiliação de mais um em 2001), a SCO recebeu pouquíssima atenção no Ocidente, embora tenha espectaculares ambições sobre segurança entre outras, incluindo a possível criação de um cartel de gás. Além disso, oferece uma alternativa ao modelo Ocidental, desde a OTAN, passando pela democracia, indo até à substituição do dólar americano como moeda de reserva. Após as três rejeições, Ancara solicitou o status de «Parceiro de Diálogo» em 2011. Em Junho de 2012, obteve a aprovação.
Passado um mês, o primeiro ministro turco Recep Tayyip Erdoğan referiu-se a respeito da sua conversa com o Presidente da Russia Vladimir Putin da seguinte maneira, «Vamos, aceite-nos no Xangai Cinco [como membro pleno] e nós iremos reconsiderar a União Europeia.» Erdoğan reiterou a intenção em 25 de Janeiro, realçando o impasse nos esforços turcos em se filiar à União Europeia (UE): «na qualidade de primeiro ministro de 75 milhões de pessoas», explicou, «começa-se a procurar alternativas. Por esta razão eu disse ao Sr. Putin um dia destes, «Aceite-nos no Xangai Cinco, vamos lá, e diremos adeus à UE». Porque protelar»? Adiante acrescentou que a SCO «é muito melhor, muito mais poderosa [que a UE] e compartilhamos os mesmos valores dos demais membros».
Em 31 de Janeiro, o ministério das relações exteriores anunciou planos para a promoção para «Estado Observador» na SCO. Em 3 de Fevereiro Erdoğan reiterou a sua afirmação anterior, dizendo «iremos procurar alternativas», tecendo elogios ao «processo de democratização» do grupo de Xangai, ao mesmo tempo menosprezando a «islamofobia» europeia. Em 4 de Fevereiro, o Presidente Abdullah Gül contra-atacou, declarando que «a SCO não é uma alternativa à UE. ... A Turquia deseja adoptar e implementar os critérios da UE».
Como interpretar tudo isto?
O faz de conta da SCO enfrenta obstáculos significativos: Se por um lado Ancara lidera os esforços para derrubar Bashar al-Assad, a SCO apoia com firmeza o líder sitiado da Síria. As tropas da OTAN acabaram de chegar à Turquia afim de operarem as baterias de mísseis Patriot com o objectivo de proteger o país dos mísseis sírios fabricados na Rússia. Mais importante ainda, todos os seis membros da SCO opõem-se veementemente ao islamismo abraçado por Erdoğan. Quem sabe, por isso mesmo, Erdoğan tenha mencionado a filiação à SCO somente com o intuito de pressionar a UE ou para mostrar uma retórica simbólica aos seus partidários.
Ambas as possibilidades são válidas. Mas eu considero os seis meses de namorico com seriedade por três razões. Primeira, Erdoğan já comprovou que é directo, levando o respeitado colunista, Sedat Ergin, a chamar à sua declaração de 25 de Janeiro a «mais importante» proclamação de política externa até hoje.
Segundo, conforme destaca o colunista turco Kadri Gürsel, «Os critérios da UE exigem democracia, direitos humanos, direitos sindicais, direitos das minorias, igualdade entre os sexos, distribuição equitativa de renda, participação e pluralismo na Turquia. A SCO como uma união de países governados por ditadores e autocratas não poderá exigir nenhum dos critérios acima para a filiação». Diferentemente da União Europeia, os membros da Xangai não irão pressionar Erdoğan a liberalizar o seu País e sim incentivar as suas tendências ditatoriais que já amedrontam tantos turcos.
Terceiro, a SCO encaixa-se no impulso islamista de desafiar o Ocidente e sonhar com uma alternativa. A SCO, tendo como idiomas oficiais o russo e o chinês, abriga o DNA anti-ocidental e nas suas reuniões transbordam sentimentos anti-ocidentais. Por exemplo, quando o presidente do Irão Mahmoud Ahmedinejad proferiu um discurso ao grupo em 2011, ninguém repeliu a sua teoria conspiratória em relação ao 11 de Setembro ter sido uma trama interna do governo dos EUA usada «como justificativa para invadir o Afeganistão e o Iraque ferindo mais de um milhão de pessoas». Vários defensores repercutem o analista egípcio Galal Nassar na esperança que em última instância a SCO «terá a oportunidade de resolver a disputa internacional a seu favor». Por outro lado, conforme observou uma autoridade japonesa, «A SCO está a tornar-se um bloco rival da aliança dos EUA. Ela não compartilha os nossos valores».
As medidas turcas a favor da filiação no grupo de Xangai, realça a já ambivalente filiação de Ancara à Organização do Tratado do Atlântico Norte, incisivamente simbolizada pelas inéditas manobras conjuntas turco-chinesas de 2010. Dada esta realidade, a Turquia de Erdoğan não é mais um parceiro confiável do Ocidente mas sim informante no seu refúgio sagrado. Se não for expulso, deveria ao menos ser suspenso da OTAN.
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Eis porque:
Começando em 2007, Ancara solicitou três vezes, sem sucesso, participar como Membro Visitante da Organização para a Cooperação de Xangai (ou SCO, informalmente conhecida como Xangai Cinco). Fundada em 1996 pelos governos russo e chinês, juntamente com três países da Ásia Central Soviética (com a afiliação de mais um em 2001), a SCO recebeu pouquíssima atenção no Ocidente, embora tenha espectaculares ambições sobre segurança entre outras, incluindo a possível criação de um cartel de gás. Além disso, oferece uma alternativa ao modelo Ocidental, desde a OTAN, passando pela democracia, indo até à substituição do dólar americano como moeda de reserva. Após as três rejeições, Ancara solicitou o status de «Parceiro de Diálogo» em 2011. Em Junho de 2012, obteve a aprovação.
Passado um mês, o primeiro ministro turco Recep Tayyip Erdoğan referiu-se a respeito da sua conversa com o Presidente da Russia Vladimir Putin da seguinte maneira, «Vamos, aceite-nos no Xangai Cinco [como membro pleno] e nós iremos reconsiderar a União Europeia.» Erdoğan reiterou a intenção em 25 de Janeiro, realçando o impasse nos esforços turcos em se filiar à União Europeia (UE): «na qualidade de primeiro ministro de 75 milhões de pessoas», explicou, «começa-se a procurar alternativas. Por esta razão eu disse ao Sr. Putin um dia destes, «Aceite-nos no Xangai Cinco, vamos lá, e diremos adeus à UE». Porque protelar»? Adiante acrescentou que a SCO «é muito melhor, muito mais poderosa [que a UE] e compartilhamos os mesmos valores dos demais membros».
Em 31 de Janeiro, o ministério das relações exteriores anunciou planos para a promoção para «Estado Observador» na SCO. Em 3 de Fevereiro Erdoğan reiterou a sua afirmação anterior, dizendo «iremos procurar alternativas», tecendo elogios ao «processo de democratização» do grupo de Xangai, ao mesmo tempo menosprezando a «islamofobia» europeia. Em 4 de Fevereiro, o Presidente Abdullah Gül contra-atacou, declarando que «a SCO não é uma alternativa à UE. ... A Turquia deseja adoptar e implementar os critérios da UE».
Como interpretar tudo isto?
O faz de conta da SCO enfrenta obstáculos significativos: Se por um lado Ancara lidera os esforços para derrubar Bashar al-Assad, a SCO apoia com firmeza o líder sitiado da Síria. As tropas da OTAN acabaram de chegar à Turquia afim de operarem as baterias de mísseis Patriot com o objectivo de proteger o país dos mísseis sírios fabricados na Rússia. Mais importante ainda, todos os seis membros da SCO opõem-se veementemente ao islamismo abraçado por Erdoğan. Quem sabe, por isso mesmo, Erdoğan tenha mencionado a filiação à SCO somente com o intuito de pressionar a UE ou para mostrar uma retórica simbólica aos seus partidários.
Ambas as possibilidades são válidas. Mas eu considero os seis meses de namorico com seriedade por três razões. Primeira, Erdoğan já comprovou que é directo, levando o respeitado colunista, Sedat Ergin, a chamar à sua declaração de 25 de Janeiro a «mais importante» proclamação de política externa até hoje.
Segundo, conforme destaca o colunista turco Kadri Gürsel, «Os critérios da UE exigem democracia, direitos humanos, direitos sindicais, direitos das minorias, igualdade entre os sexos, distribuição equitativa de renda, participação e pluralismo na Turquia. A SCO como uma união de países governados por ditadores e autocratas não poderá exigir nenhum dos critérios acima para a filiação». Diferentemente da União Europeia, os membros da Xangai não irão pressionar Erdoğan a liberalizar o seu País e sim incentivar as suas tendências ditatoriais que já amedrontam tantos turcos.
Terceiro, a SCO encaixa-se no impulso islamista de desafiar o Ocidente e sonhar com uma alternativa. A SCO, tendo como idiomas oficiais o russo e o chinês, abriga o DNA anti-ocidental e nas suas reuniões transbordam sentimentos anti-ocidentais. Por exemplo, quando o presidente do Irão Mahmoud Ahmedinejad proferiu um discurso ao grupo em 2011, ninguém repeliu a sua teoria conspiratória em relação ao 11 de Setembro ter sido uma trama interna do governo dos EUA usada «como justificativa para invadir o Afeganistão e o Iraque ferindo mais de um milhão de pessoas». Vários defensores repercutem o analista egípcio Galal Nassar na esperança que em última instância a SCO «terá a oportunidade de resolver a disputa internacional a seu favor». Por outro lado, conforme observou uma autoridade japonesa, «A SCO está a tornar-se um bloco rival da aliança dos EUA. Ela não compartilha os nossos valores».
As medidas turcas a favor da filiação no grupo de Xangai, realça a já ambivalente filiação de Ancara à Organização do Tratado do Atlântico Norte, incisivamente simbolizada pelas inéditas manobras conjuntas turco-chinesas de 2010. Dada esta realidade, a Turquia de Erdoğan não é mais um parceiro confiável do Ocidente mas sim informante no seu refúgio sagrado. Se não for expulso, deveria ao menos ser suspenso da OTAN.
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domingo, 17 de fevereiro de 2013
Fraco consolo: O buraco da agulha
Pedro Mexia
Vem em todos os sinópticos, mas escolho o de
Mateus, cobrador de impostos: «E eis que se aproximou dele um jovem, e lhe
disse: Mestre, que bem farei para conseguir a vida eterna? Respondeu-lhe ele:
(...) guarda os mandamentos. (...) Disse-lhe o jovem: Tudo isso tenho guardado;
que me falta ainda? Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o
que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, segue-me. Mas o
jovem, ouvindo essa palavra, retirou-se triste; porque possuía muitos bens. Disse
então Jesus aos seus discípulos: Em verdade vos digo que um rico dificilmente
entrará no reino dos céus. E outra vez vos digo que é mais fácil um camelo
passar pelo fundo duma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus».
Tive uma educação católica, e nunca me esqueci desta passagem. Nos últimos tempos, penso nela com frequência. Porque temos visto o dinheiro, que é uma coisa, tornar-se um deus. É cómodo acusar «o capitalismo» desse endeusamento, mas escritores de todas as épocas e de todas as sociedades, incluindo as pré-capitalistas e as anticapitalistas, contam que o dinheiro é um obstáculo à vida recta. Não me refiro ao dinheiro enquanto fonte de sustento, conforto, gozo, o dinheiro que todos queremos ter, porque precisamos dele; estou a pensar no dinheiro das fortunas, aquele que mantém uma relação umbilical com a cupidez e a avareza.
Quando o jovem rico pergunta a Jesus como fazer para ganhar o Céu, Jesus diz-lhe que siga os mandamentos, e acrescenta um último mandamento, que completa os outros. Os discípulos, escreve Mateus, «ficaram grandemente maravilhados» com esta resposta. Pedro pergunta: e quem seguiu Jesus e deixou tudo para trás, será recompensado? Jesus garante: «(...) todo o que tiver deixado casas, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou terras, por amor do meu nome, receberá cem vezes tanto e herdará a vida eterna. Entretanto, muitos que são primeiros serão últimos; e muitos que são últimos serão primeiros». É uma recompensa material, multiplicadora, e uma recompensa espiritual, eterna. Mas o mais importante não é isso, são as últimas palavras, que têm perturbado tantos crentes e não-crentes: «muitos que são primeiros serão últimos; e muitos que são últimos serão primeiros».
O dinheiro é o combustível de uma mentalidade mal crismada como darwinismo (porque não é de todo devida ao naturalista britânico). Uma mundividência estritamente competitiva que decreta que apenas os primeiros são primeiros, estando por isso dispensados de empatia face aos segundos e aos últimos. Crimes recentes cometidos por «ricos» (gestores, banqueiros, oligarcas), mostram-nos que eles não pertencem a uma espécie diferente, mas que foram tomados por aquele frenesim de quem vive apenas da compra e venda, de acções e obrigações, dividendos e mais-valias. Não é preciso subscrever os ideais marxistas para verificar como são lúcidas as páginas dos «Manuscritos Económico-Filosóficos» em que Marx estuda o dinheiro enquanto «fetiche» que corrói as relações humanas, na medida em que lhes atribui um valor, ou antes, um preço. E isso aconteceu inclusive em sociedades socialistas, porque o dinheiro, o dinheiro-fortuna, dificulta a noção de comunidade e a compreensão de uma igual dignidade humana.
É por isso que a Bíblia está cheia de advertências quanto ao dinheiro: o sermão que declara os pobres bem-aventurados, o episódio da redenção de Zaqueu, e, claro, os paradoxos de uma divindade nascida de um carpinteiro. Em vinte séculos, essa suspeita face ao dinheiro não resistiu a grandes incoerências, mas também deu azo a propostas ousadas como o monaquismo, o franciscanismo, a condenação da usura. Há pouco mais de cem anos, surgiu mesmo um elaborado pensamento de justiça social que religa o dinheiro, enquanto bem individual, a um bem-comum. Esse corpo de doutrinas, confesso, soou-me diversas vezes demasiado pio e ingénuo; mas sinto falta dele agora, de tal forma se perdeu a vergonha face à desigualdade.
Toda a questão é, aliás, bastante teológica. A famosa divisa «greed is good» transforma-se facilmente em «greed is god». Porque o dinheiro, explicou Georg Simmel na sua «Filosofia do Dinheiro» é fungível, e portanto vale mais do que todos os bens que pode adquirir. O dinheiro desmaterializa-se, como se fosse um espírito, e reina sobre tudo. Dos galeões que se afundavam no regresso das Américas com excesso de metais preciosos aos credit default swaps, as pessoas fizeram e fazem o possível por adorar um deus muito além das suas necessidades. Porém, o actual ódio aos ricos é tanto uma forma de ressentimento como de optimismo moral: os cidadãos revoltam-se contra uns terem muito e outros pouco, e atribuem aos ricos fraquezas que são na verdade forças do dinheiro. O dinheiro, que nem sempre é uma queda, é sempre uma vertigem. Vários homens ricos perderam essa batalha com a sua consciência, mas quem garante que a ganhava?
Para o bem e para o mal, a minha educação católica tem-me ajudado a manter viva uma desconfiança face ao dinheiro, ao dinheiro-fortuna, o dinheiro que se torna um «espírito» e que faz das pessoas coisas. É impossível que Jesus usasse por acaso uma imagem tão desapiedada e brutal: um animal que tenta em vão passar pelo buraco da agulha.
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Tive uma educação católica, e nunca me esqueci desta passagem. Nos últimos tempos, penso nela com frequência. Porque temos visto o dinheiro, que é uma coisa, tornar-se um deus. É cómodo acusar «o capitalismo» desse endeusamento, mas escritores de todas as épocas e de todas as sociedades, incluindo as pré-capitalistas e as anticapitalistas, contam que o dinheiro é um obstáculo à vida recta. Não me refiro ao dinheiro enquanto fonte de sustento, conforto, gozo, o dinheiro que todos queremos ter, porque precisamos dele; estou a pensar no dinheiro das fortunas, aquele que mantém uma relação umbilical com a cupidez e a avareza.
Quando o jovem rico pergunta a Jesus como fazer para ganhar o Céu, Jesus diz-lhe que siga os mandamentos, e acrescenta um último mandamento, que completa os outros. Os discípulos, escreve Mateus, «ficaram grandemente maravilhados» com esta resposta. Pedro pergunta: e quem seguiu Jesus e deixou tudo para trás, será recompensado? Jesus garante: «(...) todo o que tiver deixado casas, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou terras, por amor do meu nome, receberá cem vezes tanto e herdará a vida eterna. Entretanto, muitos que são primeiros serão últimos; e muitos que são últimos serão primeiros». É uma recompensa material, multiplicadora, e uma recompensa espiritual, eterna. Mas o mais importante não é isso, são as últimas palavras, que têm perturbado tantos crentes e não-crentes: «muitos que são primeiros serão últimos; e muitos que são últimos serão primeiros».
O dinheiro é o combustível de uma mentalidade mal crismada como darwinismo (porque não é de todo devida ao naturalista britânico). Uma mundividência estritamente competitiva que decreta que apenas os primeiros são primeiros, estando por isso dispensados de empatia face aos segundos e aos últimos. Crimes recentes cometidos por «ricos» (gestores, banqueiros, oligarcas), mostram-nos que eles não pertencem a uma espécie diferente, mas que foram tomados por aquele frenesim de quem vive apenas da compra e venda, de acções e obrigações, dividendos e mais-valias. Não é preciso subscrever os ideais marxistas para verificar como são lúcidas as páginas dos «Manuscritos Económico-Filosóficos» em que Marx estuda o dinheiro enquanto «fetiche» que corrói as relações humanas, na medida em que lhes atribui um valor, ou antes, um preço. E isso aconteceu inclusive em sociedades socialistas, porque o dinheiro, o dinheiro-fortuna, dificulta a noção de comunidade e a compreensão de uma igual dignidade humana.
É por isso que a Bíblia está cheia de advertências quanto ao dinheiro: o sermão que declara os pobres bem-aventurados, o episódio da redenção de Zaqueu, e, claro, os paradoxos de uma divindade nascida de um carpinteiro. Em vinte séculos, essa suspeita face ao dinheiro não resistiu a grandes incoerências, mas também deu azo a propostas ousadas como o monaquismo, o franciscanismo, a condenação da usura. Há pouco mais de cem anos, surgiu mesmo um elaborado pensamento de justiça social que religa o dinheiro, enquanto bem individual, a um bem-comum. Esse corpo de doutrinas, confesso, soou-me diversas vezes demasiado pio e ingénuo; mas sinto falta dele agora, de tal forma se perdeu a vergonha face à desigualdade.
Toda a questão é, aliás, bastante teológica. A famosa divisa «greed is good» transforma-se facilmente em «greed is god». Porque o dinheiro, explicou Georg Simmel na sua «Filosofia do Dinheiro» é fungível, e portanto vale mais do que todos os bens que pode adquirir. O dinheiro desmaterializa-se, como se fosse um espírito, e reina sobre tudo. Dos galeões que se afundavam no regresso das Américas com excesso de metais preciosos aos credit default swaps, as pessoas fizeram e fazem o possível por adorar um deus muito além das suas necessidades. Porém, o actual ódio aos ricos é tanto uma forma de ressentimento como de optimismo moral: os cidadãos revoltam-se contra uns terem muito e outros pouco, e atribuem aos ricos fraquezas que são na verdade forças do dinheiro. O dinheiro, que nem sempre é uma queda, é sempre uma vertigem. Vários homens ricos perderam essa batalha com a sua consciência, mas quem garante que a ganhava?
Para o bem e para o mal, a minha educação católica tem-me ajudado a manter viva uma desconfiança face ao dinheiro, ao dinheiro-fortuna, o dinheiro que se torna um «espírito» e que faz das pessoas coisas. É impossível que Jesus usasse por acaso uma imagem tão desapiedada e brutal: um animal que tenta em vão passar pelo buraco da agulha.
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Leitor deixou um novo comentário na mensagem
«As tretas dos nossos intelectuais: Lobo Antunes»
O lobinho Antunes foi do meu batalhão. Era médico e fez um aborto: o livro
dele. Nem merece mais respostas pois nunca houve pontos ou assassinato de
inimigos. Quantas vezes dei da minha ração de combate aos miúdos que nos
seguiam sempre? Fico triste por ver que alguém para vender livros tenha de
enxovalhar o nome do País. A propósito, quem era o 2300 e qual a tua relação
com ele? O 2300 veio para a metrópole evacuado por ser invertido.
«As tretas dos nossos intelectuais: Lobo Antunes»
«As tretas dos nossos intelectuais: Lobo Antunes»
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