Heduíno Gomes
1 — Historicamente, a
expressão social-democracia tem
origem em França, em Fevereiro de 1849. Depois de derrotados na Revolução de
1848, os grupos revolucionários agrupam-se no Partido Democrata-Socialista ou Social-Democrata,
sendo esta forma abreviada (social=socialista) a mais comum.
Mais tarde, nos anos
60 do século XIX, na Alemanha, surge a revista Der Sozialdemokrat, que contribuiu também para baptizar assim e
organizar o movimento socialista.
Nem Marx nem Engels
gostavam da expressão, que toleravam mas qualificavam de «elástica». Contudo, dada a sua popularidade, acabaram por aceitá-la
na I Internacional. E, dada a influência de Marx e Engels no movimento
socialista, nos anos 80 social-democrata
já era sinónimo de marxista.
Lenin utilizou
igualmente a designação desde o início da sua actividade política nos anos 90 e
só a abandonou em Abril de 1917, rebaptizando o seu partido, o Partido Operário
Social-Democrata da Rússia,
entretanto adjectivado de bolchevique,
em Partido Comunista da Rússia,
adjectivado do mesmo modo. A sinonímia entre social-democracia e comunismo
haveria de acabar definitivamente apenas com a fundação da III Internacional,
ou Internacional Comunista, ou Komintern, em 1920.
Depois disto, os
partidos não comunistas que vinham da II Internacional (1889) não se livraram
inteiramente do marxismo, permanecendo neles conceitos marxistas sobre a
sociedade, excepto a via revolucionária para atingir os objectivos.
Quando da fundação da
Internacional Socialista, em 1951, as referências ao marxismo e toda a confusão
ideológica com o marxismo ainda não haviam sido eliminadas. Apenas em 1959
essas referências ao marxismo haveriam de desaparecer.
Contudo, com
referências ou sem referências ao marxismo, a verdade é que os macacos
continuaram no sótão dos socialistas. A visão da maioria dos problemas da
sociedade por socialistas — chamem-se eles sociais-democratas ou trabalhistas —,
continuou inquinada pela ideologia marxista e variantes submarxistas,
estatistas e colectivistas.
Por mais voltas que
lhe sejam dadas, isto é que é realmente o socialismo
democrático ou social-democracia.
Não há disfarce possível.
2 — O partido que,
entre nós, se chamava «Partido Popular Democrático» passou a chamar-se, em
1977, «Partido Social Democrata», aparecendo umas vezes grafado com hífen,
outras vezes sem ele, o que são coisas bem diferentes. Mas a verdade é que os
autores que assim escrevem, na maioria dos casos, nem se apercebem da
diferença.
3 — A designação do
partido com hífen, como vimos, significa socialista.
Sem hífen, significa que o partido é social
e também democrata, não
necessariamente social-democrata.
Portanto, a designação sem hífen presta-se ao equívoco. Esta nuance é demasiada areia para a
camioneta dos aprendizes de ideólogos que pontuaram no PPD e PSD.
Alguns deles tentam
forçar as palavras a seu jeito, adocicando-as (para se dizerem não socialistas)
ou carregando-as (para se dizerem não liberais).
Pura manipulação das
palavras, eventualmente com uma forte dose de ignorância.
4 — O mais grave
dentro do PSD não é o equívoco linguístico. O mais grave é mesmo algumas
pessoas terem conceitos marxistas, adocicados ou não, quer no estilo
revisionista Bernstein, quer no estilo Marx original (o tecnocrata Cavaco diz
que é bernsteiniano). Estes camaradas
não são os 99,9% das pessoas do partido nem do seu eleitorado.
Se querem ignorar o
significado das palavras, que ignorem. Se querem ser os continuadores da
manipulação da linguagem, que continuem. Mas não esperem qualquer contemplação
no esclarecimento ideológico e no confronto político.
5 — Segundo rezam as crónicas,
o Partido Popular Democrático foi assim designado em 1974 porque, nos primeiros
dias de Maio desse ano, um outro partido designado social-democrata,o efémero Partido Cristão Social Democrata, se
antecipou de 48 horas na sua apresentação pública.
Como diz o ditado, há
males que vêm por bem.
6 — O Programa de
1974 do Partido Popular Democrático é um inacreditável tratado de esquerdismo
socialista. Na linguagem, com socialismo
por todo o lado, alternado com social-democracia
(o objectivo era o socialismo e a via
para lá chegar seria então a social-democracia!?...), na referência ao
marxismo, nos conceitos, nas políticas socializantes (economia, educação,
cultura, etc.), o Programa, comparado ao «moderno» socialismo de 1959 da
Internacional Socialista, é um dinossauro.
7 — Em Sá Carneiro,
mesmo considerando as suas limitações de cultura política, social-democracia não era apenas um equívoco: ele era realmente
socialista nos conceitos e políticas.
Mais ainda, Sá
Carneiro pretendeu que o PPD se integrasse na Internacional Socialista. Só não
o conseguiu porque Mário Soares já era da casa e tinha naturalmente
preferência.
Mais uma vez, há
males que vêm por bem.
8 — No PPD, os
complexos de direita eram tais que foi colocado no Programa um ponto gravíssimo
no que respeita à defesa de Portugal e do Ocidente: em plena guerra-fria, com o
imperialismo soviético em expansão (Vietnam, Laos, Cambodja, África — aqui
graças ao MFA) e o PCP de garras afiadas, era preconizada a saída de Portugal
da NATO...
Mas que grande consciência
geoestratégica!
9 — Tendo sido
convidado a integrar o Partido Socialista, Sá Carneiro não aceitou, apesar do
seu Programa, na essência, pouco ou nada diferir do Programa do PS — excepto na
linguagem deste, mais carregada de marxismo, e, em contrapartida, na saída de
Portugal da NATO por parte do PPD. Contudo, Sá Carneiro queria que o Partido
integrasse a Internacional Socialista.
Fica ao cuidado dos
psicólogos a tarefa de descortinar os porquês da não adesão de Sá Carneiro ao
PS e, entretanto, pretender que o Partido aderisse à Internacional Socialista.
10 — Na realidade, as
pessoas que aderiam ao PPD, e depois ao PSD, faziam-no fugindo ao socialismo do
PS. Hoje, o fenómeno permanece. E isto acontece porque ignoram a doutrina
oficial (ou oficiosa, nem se sabe) do PSD. A estas pessoas nada há a apontar. A
quem há que apontar o dedo é aos mentores desta ideologia analfabeta e aos que
pretendem prolongar a fraude da social-democracia.
Existe, pois, uma
grande diferença entre a base do PSD e os profissionais, ou candidatos a sê-lo,
dessa social-democracia ou socialismo.
11 — Ao longo dos
anos, dentro do PPD e PSD, o sector com mais complexos de direita, snob ou sindicalista, alimentou a ideia
de que o Partido teria de ser –– ou dizer-se… –– social-democrata. Aqueles que, no seu interior, não fossem –– ou
não se dissessem… –– sociais-democratas não seriam bondosos nem amigos dos
pobrezinhos.
12 — Neste labirinto
ideológico laranja, também a puxar pela social-democracia, surgem os chamados «católicos
progressistas», influenciados pela confusa ideologia personalista de Mounier e
por alguns textos irrealistas provenientes de certos sectores «avançados» da
Igreja nos anos 60.
13 — Um dos aspectos
da manipulação operada pelos camaradas
sociais-democratas é oporem o liberalismo à social-democracia — isto é, ao
socialismo —, como se não houvesse alternativa, como se não existisse outra
concepção do Estado e das políticas, na economia, na educação, na saúde, na
assistência, na justiça, etc. Ou és social-democrata, ou és liberal — o que é
uma estrondosa mentira!
A verdade é que a
defesa da Civilização e do bem comum no mundo nada devem nem à
social-democracia nem ao liberalismo. Antes pelo contrário!
14 — Curiosamente, os
«herdeiros» de Sá Carneiro, dos quais Santana Lopes sempre foi o campeão,
levantam a bandeira do ícone para defender supostas posições de direita (?!) — o
que demonstra mais uma vez que a ideologia política no PPD e PSD sempre foi uma
mentira, um monte de slogans,
superficialidades e incongruências a serem utilizadas segundo as conveniências
de cada barão em cada momento de luta pelo poleiro.
15 — Conclusão: dado
que a designação do partido com hífen significa socialista e sem hífen se presta, no mínimo, ao equívoco, o partido
deve regressar à sua primitiva designação PPD,
limpar da sua linguagem a expressão social-democracia,
com ou sem hífen, e repudiar tal conceito como socialista, quer de ontem, quer
de hoje.
16 — Outra conclusão:
o antídoto para toda esta manipulação e confusão é a formação política séria dentro
do Partido. A isso todos os «grandes líderes» têm fugido. Porque será?... Sim,
porque será que tantos professores universitários têm mantido o seu partido ao
nível da primária?
Uma honrosa excepção:
Carlos da Mota Pinto. Ele tinha um programa de reformulação do Partido
contemplando a formação dos seus membros. Morreu e com ele o projecto.
Seguiram-se o Cavaco
e os outros, e com eles se manteve a confusão, o obscurantismo e os poleiros.
Hoje, finalmente, os
«grandes líderes» vão nus. É a boa ocasião para reactivar o projecto Mota
Pinto.