Alberto
Gonçalves,
Diário de Notícias, 27 de Setembro de 2015
Currículos
Dos submarinos à «roubalheira» do BPN, passando
pelo «buraco gigantesco» do Novo Banco que o programa do PS «acomodará» sem
dramas, as notícias das sondagens levaram o Dr. Costa a investir na
sofisticação dos argumentos. Mas nenhum vence o de acusar Passos Coelho de
passar por empresas «de objecto social obscuro». É justo, dado que o Dr. Costa
passou a vida inteira numa empresa cujo «objecto social» é claríssimo: o PS,
especializado em estrafegar as contas públicas e deixar-nos a factura. Também
por isso é ridículo sugerir que o desespero das «saídas» profissionais orienta
a campanha do homem. Desde que os amigos de Sócrates e os amigos de Seguro
sofram de amnésia, o Dr. Costa tem o futuro garantido. E ainda há a Quadratura
do Círculo.
Economia
Mais engraçado do que o esforço de certos media
para esconder os sinais de (alguma, sosseguem) recuperação económica só o
desgosto da oposição ao recebê-los. Antes, o aumento do desemprego, a subida da
dívida, as quedas no rating e o tombo das exportações provavam o advento do
Apocalipse. Agora, as tendências inversas ou não existem ou não contam ou não
são credíveis. Típico: nada ofende tanto um «activista» contra a pobreza quanto
um novo-rico. Ou um ex-pobre.
Empates
Por obra e graça da licenciatura que em
embaraçosos tempos adquiri (com nota 19 a Estatística, lindo menino), sei o que
é uma margem de erro e um intervalo de confiança. Até o teste do chi-quadrado
me é familiar. Mas não é preciso um curso para estranhar que os comentários às
sondagens insistam tanto na questão do «empate técnico». Claro que,
tecnicamente, o tal empate é plausível: tão plausível quanto, em certos casos,
a maioria absoluta da coligação, cuja possibilidade ninguém refere. É o velho
tique de confundir a análise com o desejo. E o velhíssimo problema do
enviesamento na amostra dos analistas, a que o jargão do ramo também chama
excentricidade. É uma palavra adequada.
Governo
Por hábito e preguiça, todos se queixam do que
se discute na campanha. Ninguém se preocupa com o que a campanha discute. Um governo?
Não parece. À «direita», a coligação só se aguentaria com uma maioria
parlamentar que hoje se mostra improvável. À esquerda, o PS só alcançará a
maioria mediante posteriores acordos, alianças ou fusões com os dois partidos
comunistas. Entre a balbúrdia e a demência, nada do que sair do 4 de Outubro
promete ir muito além dos seis meses da lei. Por isso, é preciso calma: no
fundo, as «eleições mais importantes da história da democracia» contam pouco.
Em Abril ou Maio, se o que aí vem não for de fugir entretanto, cá estaremos.
Metáforas
Apesar de a CNE considerar tratar-se de uma
metáfora, o PCTP removeu os cartazes que berravam «Morte aos traidores!». É
pena, e mais um passo na legitimação da hipocrisia reinante. Afinal, o PCTP era
o único partido comunista com a sinceridade suficiente para confessar, ainda
que metaforicamente, o desejo de tantos: matar os «traidores», leia-se os
lacaios do capital, a burguesia, nós todos. Serve de consolo o facto de a
retirada dos cartazes não significar o fim da ambição que move aquele bando de
potenciais assassinos (metáfora). Nem da carreira do respectivo chefe, um
sujeito com ar de quem não toma banho desde 1973 (metáfora) que, em países
exóticos, passa por advogado (metáfora).
Revelações
Numa almoçarada do Bloco, Catarina Martins
afirmou, com alarme, que a escola pública nunca começou tão tarde quanto agora.
Jura? Antes da adesão à CEE, e da mania de que a modernidade consiste em
encarcerar fedelhos, o ano lectivo começava sem excepções em Outubro. À força
de repetir mentiras assim desastradas, a Dra. Catarina subiu a «revelação da
campanha». A política caseira beneficia de imensas «revelações». Por acaso, são
quase sempre do Bloco de Esquerda (há meses, a revelação era a filha de Camilo
Mortágua), e raramente produzem uma afirmação que sobreviva ao escrutínio da
realidade. Os jornalistas e comentadores que atribuem a distinção saberão
explicar o primeiro facto, embora não convenha questioná-los sobre o segundo.
Rua
É na «rua», no «contacto directo com o
eleitorado», que os líderes políticos «sentem» que a sua «mensagem» está «a
chegar às pessoas». Não importa se as pessoas são cinco transeuntes incomodados
pela interpelação dos senhores do Livre ou uma excursão de tristes, com
autocarro e merenda, paga pela junta de freguesia vizinha para abrilhantar as
recepções ao Dr. Costa ou ao Dr. Passos. Os líderes ouvem gritar o seu nome e,
naturalmente, fingem concluir que o povo os venera com zelo. Alguns, os
chamados casos perdidos, começam a acreditar de facto.
Sócrates
Todos garantiam que, sobretudo depois de ser
transladado para casa, José Sócrates influenciaria decisivamente a campanha.
Até ver, surgiu sob a forma de exemplo a evitar no primeiro debate entre Passos
e Costa, e, em fotografia anónima, num pastiche da Última Ceia. Não é
impressionante: é o possível de alguém que, sob o aplauso de oportunistas,
julgou ter a importância que nunca teve. E é, se não me engano, o estertor de
um morto político. Claro que Sócrates ainda vai a tempo de aparecer, com
auréola e pizza, à janela da Rua Abade de Faria ou em desabafos na imprensa. Mas já será o recurso cenográfico de um zombie.