Heduíno Gomes
Foi tão giro ouvir o Júdice, com as suas prudentes palavras, a defender um governo de salvação nacional (TVI 24, 11.4.2013)!
Ele, dantes, era um tão puro sacarneirista, que não queria alianças com o PS (mesmo mais puro do que o próprio Sá Carneiro, que pretendeu filiar-se na Internacional Socialista), e afinal conspurcou-se agora a este ponto!
Para quem não sabe ou não se lembra, a história foi assim.
Em 1983, com o despesismo eleitoralista da AD (Sá Carneiro e depois Balsemão), Portugal ficou de tanga. Houve eleições, que não deram nenhuma maioria absoluta a qualquer dos partidos. O PS (Mário Soares) ficou em primeiro lugar e o PSD (Carlos Mota Pinto) em segundo.
Aí, o FMI, para abrir os cordões à bolsa, punha uma condição: haver um governo estável, com ampla maioria parlamentar. Isto é, pelo menos o PS e o PSD deveriam coligar-se.
E assim foi. O PS e o PSD formaram governo, a que se chamou o «bloco central», cobrindo 63,65% dos votos e 70,4% dos lugares da Assembleia. Com Mário Soares em Primeiro-Ministro e Carlos Mota Pinto em Vice-Primeiro-Ministro.
Não esquecer, Portugal estava de tanga e precisava de pão para a boca, e quem lho daria seria o FMI.
Ora bem! Por essa altura, havia no PSD um bando oficialmente denominado «Nova Esperança», conhecido por «grupo de Lisboa». Júdice, na altura Presidente da Distrital de Lisboa, era um dos chefes desse bando (como também o impagável Santana).
A essência do grupo é fácil de explicar.
Oportunistas nos princípios: a sua doutrina política era suficientemente elástica, superficial e palavrosa para dar para tudo; as alianças eram válidas se lhes dessem poder, a eles, bem entendido.
Demagogos na luta política interna: se alguém preconizasse alguma aliança com o PS (ponto de clivagem com a direcção e mobilizador de adeptos), seria traidor à sacra referência Sá Carneiro.
Sequiosos de poder: tratava-se de um simples projecto de poder, como as carreiras deles, um a um, posteriormente bem o demonstraram. Integraram-se no cavaquismo, em comunhão com a esquerda que este apadrinhava.
E assim, para o bando, Carlos Mota Pinto seria um traidor à chamada «social-democracia», essa coisa exclusiva do pensamento de Sá Carneiro, de quem eles eram os herdeiros! Ah! Já me esquecia! No bando estava Conceição Monteiro, que tinha sido secretária de Sá Carneiro por ter vagar (deste modo explicou o seu ingresso na função), pessoa muito dotada intelectual e politicamente, encontrando-se assim em condições de transmitir ao bando o ceptro mágico da pureza da «social-democracia» de Sá Carneiro. Transmitir ao bando, mas especialmente ao afilhado Pedrocas.
Enfim. Este bando fez uma guerra suja a Carlos Mota Pinto, acusado de participar no pecaminoso «bloco central». Não esqueçamos, aliança imposta pelo FMI nas circunstâncias políticas de então.
E não é que agora o grande estratega Júdice vem defender precisamente o pecado que atacou em 1983?! E com a agravante de o PSD não precisar de uma aliança com o PS, pelo menos numericamente!
Mas que grande traidor se deve sentir na sua pele!O que estará por detrás desta sua evolução de «princípios»? Mais algumas torres à beira-Tejo (mas tudo graciosamente!)?