sexta-feira, 18 de março de 2011

O 15 de Março de 1961 a 50 anos de distância

João José Brandão Ferreira
A data de 15 de Março de 1961 representa para os portugueses, o início do terrorismo em larga escala, que se abateu sobre a então província de Angola, território português onde Diogo Cão pela primeira vez colocou um padrão, em 1483. Este ataque configurou um verdadeiro genocídio, que em nada fica atrás à gravidade do que ocorreu no atentado às torres gémeas em Nova Iorque.
Os responsáveis por (alguns) genocídios passaram a ser julgados em tribunais internacionais e esses crimes não prescrevem…
Vítimas do massacre de 15 de Março de 1961
Este ataque traiçoeiro, engendrado fora de portas e com apoios vários, deu origem a uma luta de guerrilha e de contra guerrilha que durou 14 anos, estendendo-se à Guiné (1963) e Moçambique (1964). Foi, sem dúvida, pela sua grandiosidade e consequências, a ocorrência mais marcante de todo o século XX da nação lusa.
À Liga dos Combatentes, a que se associou o governo, através do Ministro da Defesa, e a Presidência da República, pela figura do mais alto magistrado político, coube organizar os eventos de modo a não deixar passar os 50 anos da efeméride, no olvido.

Chamou-se às cerimónias uma “Evocação do Esforço da Nação Portuguesa e das suas Forças Armadas na guerra do Ultramar (sublinhados nossos), o que parece uma designação feliz. Dividiram-se os eventos entre uma missa nos Jerónimos; uma cerimónia junto ao monumento dos Combatentes, em Pedrouços e uma sessão solene na Sociedade de Geografia de Lisboa que, em boa hora, se associou ao acto.

À parte o escasso público e deficiente cobertura mediática tudo correu bem.

Tudo, com uma excepção: a homilia, deslocada, incongruente, acre e historicamente falsa, do Bispo D. Januário, que presidiu à Eucaristia.

O Sr. Bispo é bem conhecido, pelo que pensa, diz e faz, logo a responsabilidade do insucesso deve ser partilhada por quem o convidou.

Sua Eminência foi convidado para invocar o esforço da Nação e das Forças Armadas (estas fazem parte daquela), se não concordava com tal não devia ter aceite o encargo.

O impagável Januário que envergonha os católicos combatentes
(e também os não combatentes)
Ao invés disso, resolveu agredir a Nação e as FAs, ao condenar subliminarmente o seu esforço; ao fazer um julgamento político do Estado e lançando sobre todos o anátema da guerra injusta.

A ele bem se pode aplicar a célebre frase de Jesus no Gólgota: “Pai, perdoa-lhes que eles não sabem o que fazem”.

Não podemos no espaço de umas linhas, analisar toda a penosa homilia que à excepção, talvez, do ministro Santos Silva, já libertou os presentes das penitências da Quaresma. Mas vamos tentar embaciar o brilho de alguns das mais nacaradas pérolas com que S. Ex.ª nos brindou.

Primeiro e simples ponto: a nação portuguesa, melhor ou pior representada politicamente pelo seu estado, foi atacada interna e externamente por meios políticos, diplomáticos, militares e através de violências várias. Todos os indivíduos e povos têm direito à legítima defesa e foi isso que nós todos fizemos: defendemo-nos. A Igreja, aliás, é a primeira a reconhecer esse direito. E o Concílio Vaticano II sempre tão evocado por S. Ex.ª, é bem claro em defender as forças militares, que disso bem se desempenhem (Gaudium et Spes, 79). E quem está do nosso lado é dos nossos; quem está do lado contrário é inimigo; e quem é da nossa família e se passa para o inimigo é traidor. Isto é linear e não oferece qualquer dúvida.
Por isso não se entendem os trocadilhos que o Sr. Bispo fez sobre esta questão, a não ser pela confusão que lhe habita a mente. E esta confusão não é a única: afirmou, por exemplo, que “foi nas matas de África que o governo de Lisboa caiu”, não foi nada, foi por via da subversão, de origem marxista, que se instalou na Metrópole e que o governo de Marcelo Caetano não soube e, ou, quis combater.
Querendo insinuar que a maioria da população ou dos que serviram nas fileiras, estavam na guerra a contragosto, sempre foi dizendo que uns cumpriram por convicção e outros com rebeldia, uns a gosto e outros menos… Bom, Sr. Bispo, desde D. Afonso Henriques que existe o dever militar e nem sempre ele é cumprido com a melhor mente e ninguém são de espírito gosta de ir para a guerra. Mas, às vezes, sabe Sr. Bispo, é preciso. Aliás, o senhor deve perceber estas coisas bem, como tem o dever de obediência canónica, certamente já fez ou disse muitas coisas com que não concordava. Atrevo-me a dizer isto pois já o vi criticar, em público, Sua Santidade, o Papa.

E nem se entende, à face do que disse, como é que se ofereceu para acompanhar as tropas, como capelão, em 1961…

Por outro lado, D. Januário apelou muito à Paz. Está certo, nós devemos apelar á Paz. Mas lembro ao Sr. Bispo que a paz sem justiça não é paz, é iniquidade; que a paz dos cemitérios só interessa aos mortos e que a cobardia ou a recusa à defesa nos leva para a “paz” dos escravos. O “céu”, Excelência, só existe no céu, não na terra. Se a terra é o inferno ou não, deixo aos teólogos decidir…

Por isso exigir a Paz vale tanto como afirmar na Constituição da República que todos nós temos direito à saúde, ao trabalho, à habitação, etc., olhe temos direito a tudo… mas, de facto, temos muito pouco e temos que lutar por isso.

Não se compreende até, que o senhor, como Bispo das FAs e de Segurança, não exige o imediato regresso dos militares que temos espalhados por esse mundo fora a correrem, como Mouzinho dizia, “perigos, fomes e sedes…”

E queira fazer o favor de notar que nenhum deles está a defender as suas fronteiras físicas ou a segurança da população a que pertence. Como, “de facto”, e “de jure”, estiveram as centenas de milhares de jovens portugueses que lutaram na refrega que ora invocamos – como, aliás, muitos mais o tinham feito nos últimos cinco séculos.

Finalmente o senhor bispo veio invocar os exemplos da Igreja, durante o citado conflito. Foi mais uma vez infeliz e amargo.
Começou por louvar a acção dos Bispos de Nampula, Beira e Luanda na sua oposição ao regime. Concedamos-lhe a graça da boa intenção, isto é, de terem pautado a sua actuação pelo melhor que sentiam para o seu rebanho. Só lhe faltou elogiar os padres da Lixa, Felicidade Alves e Fanhais que, de tão bons católicos que eram, rapidamente deixaram o ministério. Saudou ainda os religiosos que ajudavam as populações gentílicas e ignorou, convenientemente todos aqueles que estando em nossa casa, ajudaram a, e à subversão.
Mas o Sr. Bispo sabe tão bem como eu, que a esmagadora maioria da hierarquia, dos padres e religiosos e ainda os capelães (já agora, foi a I República que acabou com a assistência religiosa às tropas…), se mantiveram firmes na defesa da causa nacional portuguesa. Porque é que nem sequer lhes fez referência?
E, Sr. D. Januário, convenhamos que a Santa Sé, sobretudo durante o ministério de Paulo VI, não se portou bem para com Portugal. Afinal, nós é que somos a “Nação Fidelíssima”, não eram os movimentos marxistas que lutavam contra nós…
A Santa Sé, indo nos mitos dos ventos da História, deixando de acreditar que o governo de Lisboa perseverasse, passou a balancear e a fazer jogo duplo para tentar manter a influência em todos os tabuleiros. Foi pragmático mas não foi bonito nem cristão. Aliás, nada disto era novo para nós: durante muitas décadas, por via da Propaganda Fidei e outras, tentaram retirar-nos o Padroado do Oriente, cujo magistério exercemos, diligentemente, durante séculos.
Por tudo isto, Sr. Bispo D. Januário, tanto nós como o Altíssimo temos muito que lhe perdoar. E estamos dispostos a fazê-lo: Ele porque a sua misericórdia é infinita, e nós por dever de cristandade. O problema é que V.Exª se tem mostrado relapso ao arrependimento.
Parafraseando uma frase assassina com que o Prof. Salazar brindou D. António, Bispo da Invicta e vosso alter ego, “possui demasiada cultura para a inteligência que tem”, também se poderá dizer que V. Ex.ª tem demasiados conceitos na cabeça e demasiado errados, para aquilo que consegue processar.
Respeitosamente,
Seu
João José Brandão Ferreira
TCor/Pilav (Ref.)