Publicado em 16 de Junho de 2013, no Jornal de
Notícias, por Marinho Pinto. Quando eles se zangam… (O texto está corrigido em
termos de ortografia, pois apresentava alguns erros, ditos do «Acordo
Ortográfico» de Santana Lopes-Cavaco-Sócrates)
Luís Noronha Nascimento deixou este mês (dia 12)
a presidência do Supremo Tribunal de Justiça e jubilou-se, ou seja, deixa de
trabalhar, mas continua com todas as regalias
dos juízes no activo, incluindo as remuneratórias. O trajecto que o
levou a presidente do STJ começou no início dos anos noventa. Primeiro conquistou o sindicato dos juízes, depois o
Conselho Superior da Magistratura e, finalmente, o STJ.
Noronha Nascimento é daquelas pessoas que não
olha a meios para atingir os fins. Os seus princípios estão orientados para os
seus fins. Ideologicamente, é um estalinista puro, ou seja um indivíduo que é
capaz de fazer alianças com o próprio diabo, se isso for útil ao que pretende.
O seu granítico corporativismo judicial é como que uma síntese entre Béria e
Torquemada. Os direitos dos cidadãos pouco interessam perante os privilégios
dos juízes.
De uma ambição sem limites, instrumentalizou o sindicato dos juízes e o próprio CSM.
Muitos acusam-no de, a partir do CSM, ter controlado o acesso ao STJ e, assim,
ter formado, com amigos seus, o colégio eleitoral que haveria de o eleger
presidente desse tribunal. O caso chegou a ser denunciado, mas sem quaisquer
consequências. Todos se calaram, ou melhor todos comentavam em privado, mas
publicamente agiam como se nada estivesse a acontecer, mostrando, assim, o que
é, desde há muitos anos, o principal (des)«valor» da nossa República
democrática: a cobardia.
A sua ilimitada vaidade
levou-o a contratar, mal chegou a presidente do STJ, uma agência de comunicação
e a alterar o site do tribunal para aparecer, logo na abertura, em lugar de
destaque, a sua fotografia em pose provinciana de estadista. Enquanto todos os
outros tribunais mostravam aquilo que se procura no site de um tribunal, o do
STJ exibia a figura mefistofélica do seu presidente ladeado de bandeiras.
Em encontros promovidos por titulares de outros
poderes de Estado, Noronha Nascimento dava sempre nas vistas pelo seu
protagonismo de circunstância, normalmente exibindo aos anfitriões uma cultura
geral do tipo Reader's Digest. Essa vaidade pessoal levou-o a degradar a
própria dignidade de juiz, pois aceitou incumbências incompatíveis com o seu
estatuto funcional, designadamente a de representar, em actos políticos no
estrangeiro, titulares do Poder Político que ele poderia vir a ter de julgar.
Mas foi a decisão de mandar destruir as escutas
de José Sócrates no processo «Face Oculta» que levantou dúvidas sobre a sua
imparcialidade como juiz, já que o suspeito era nem mais nem menos o
Primeiro-Ministro e líder da maioria política que aprovara, contra toda a nossa
tradição judicial, algumas medidas tão queridas pelos conselheiros do STJ,
nomeadamente a célebre «dupla conforme», ou seja, a impossibilidade de se
recorrer para o STJ da decisão do Tribunal da Relação que confirme a decisão de
primeira instância.
Portugal é dos países que tem mais conselheiros,
porque, no final dos anos oitenta, o actual código de processo penal previa um
recurso directo da primeira instância para o STJ. Isso
foi aproveitado pelos juízes para aumentar o número de conselheiros de cerca de
vinte para mais de setenta. Esse tipo de recursos acabou há muito, mas os
conselheiros mantiveram-se (como se mantém o subsídio de habitação do tempo em
que os juízes não podiam permanecer mais de seis anos no mesmo tribunal).
É certo que, devido à crise económica e financeira, Noronha Nascimento só
realizou parcialmente o binómio sindicalista de «menos trabalho e mais
dinheiro». Os juízes do STJ têm hoje muito menos trabalho do que tinham quando
ele foi eleito presidente e mantêm os seus principais privilégios.
Por outro lado, o
filho de Noronha Nascimento conseguiu, durante o tempo em que o pai foi
presidente do STJ, arranjar um emprego num organismo do Estado que dependia
directamente de José Sócrates. Pode ser apenas coincidência, pode tudo ter
corrido dentro da mais estrita legalidade e normalidade, mas, até por isso,
Noronha Nascimento deveria ter-se recusado a apreciar o caso das escutas de
José Sócrates e, sobretudo, não deveria andar a fazer insistentes declarações
públicas sobre a irrelevância criminal de conversas telefónicas cujo conteúdo
as pessoas ignoram. É que a um juiz não basta ser honesto, é preciso parecê-lo
!!!