João Louro
O executivo liderado pelo Dr. Passos Coelho resolveu propor a extinção de 4 feriados, dois ditos civis e dois ditos religiosos, supostamente com o objectivo de aumentar a produtividade. Não vou neste texto abordar a questão económica e as supostas vantagens da supressão dos feriados mas sim a escolha efectuada pelo nosso ilustre executivo.
Quanto aos feriados ditos religiosos, a Igreja já deu o seu parecer e como leigo não tenho muito a acrescentar para além do reconhecimento de que nenhum dos feriados suprimidos é dos que considero mais importantes.
Quanto aos feriados ditos civis, ou, se preferirem, políticos, já a questão é diferente. Independentemente de alguma táctica negocial adoptada pelo executivo no sentido de obter concessões dos sindicatos noutras áreas, a simples proposta de supressão, a escolha efectuada e até a combinação de feriados escolhida é passível de leitura política e reveladora de que temos mais um executivo que nunca chegará a ser Governo.
O feriado do 1.º de Dezembro celebra a reconquista da Independência Nacional, o triunfo do crer e do querer contra probabilidades esmagadoras, o recuperar da confiança no nosso futuro enquanto nação, o reencontro da confiança nas nossas capacidades e na nossa liderança, o reafirmar da nossa identidade (até no que diz respeito ao uso da língua, já que as trevas felipinas se encarregaram de promover o castelhano). Esta data surge nos antípodas daqueles malfadados dias de 1580 em que ruinosos delírios de alguns, falsas promessas de outros, apatia ou cumplicidade de elites alienadas ou mesmo corruptas, promoveram a noção de que estrangeiros poderiam resolver ou ajudar-nos a resolver os nossos problemas, como se houvesse uma total comunhão de valores, objectivos, missões e interesses. Se tal acontecesse, Portugal teria desaparecido há muito, esgotada que estaria a sua «utilidade» para os portugueses. Acontece que as nossas fronteiras são reais, estão marcadas a sangue, suor e lágrimas, e não são um problema mas sim o reflexo de pelo menos um problema: o imperialismo castelhano. Não definem limites às capacidades dos portugueses mas sim limites às capacidades dos inimigos da nossa liberdade.
A catástrofe de 1580 teve um preço: 60 anos de escravatura na nossa própria terra e 28 anos de guerra (o dobro do tempo daquela guerra que igualmente nos foi imposta mais recentemente e do «prolongamento» da qual o MFA se queixou… ). A celebração do 1.º de Dezembro tem também esse propósito de lembrar os erros de 1580 e não admira que cause tanto incómodo à nossa alienada classe política, que sintomaticamente prima pela ausência nas cerimónias na Praça dos Restauradores, empenhada que está em novos delírios, golpadas e mesmo traições a Portugal.
A simples proposta de supressão do feriado do 1º de Dezembro, ainda por cima na situação actual de enxovalho para a qual a III República arrastou o País pela terceira vez, revela quão falsas são as bandeiras na lapela, as menções a independência nacional e soberania portuguesa nos discursos dos membros deste executivo e respectivos partidos. Tenho dificuldades em determinar um feriado mais importante e no entanto foi logo este que o executivo escolheu.
O feriado do 5 de Outubro, que oficialmente celebra o golpe republicano da Carbonária e monarquicamente comemora o Tratado de Zamora, não tem a mesma importância. Não encontro nada a comemorar no golpe levado a cabo pela escória bombista e regicida, até porque, como se veio a revelar, o problema da Monarquia Constitucional não era a chefia do Estado, antes pelo contrário: removido o «travão» real ao devorismo partidário, este último floresceu para benefício de alguns e prejuízo de uma imensa maioria.
Quanto ao tratado de Zamora, sabemos quão volúvel é o reconhecimento vindo do outro lado da fronteira e o realmente importante é a nossa Independência não o reconhecimento tácito alheio, pelo que a data é 25 de Julho de 1139 e não 5 de Outubro de 1143. Por si só, a supressão do 5 de Outubro não implicaria nenhuma leitura política negativa da minha parte, aliás até seria um dos feriados que sugeriria para supressão em caso de necessidade.
O problema surge desta combinação de feriados e do pendor claramente não-nacional -- e assim dando o flanco ao iberismo -- que este executivo exibe, revelando mais uma continuidade em relação aos executivos do PS do que uma necessária ruptura. Da lista de feriados que mais obstáculos levantam à castelhanização de Portugal, também conhecida por «integração ibérica», os dois propostos estão de certeza no topo da lista. Escapou (por enquanto) o 10 de Junho (Dia de Portugal) e mais remotamente o 8 de Dezembro (Nossa Senha da Conceição, Padroeira de Portugal desde 1646).
O motivo da antipatia castelhana pelo 1.º de Dezembro tem a ver com fundamentos e creio que dispensa grandes explicações. Já o 5 de Outubro tem a ver com questões operacionais. Aparentemente, a república seria o regime que mais facilitaria a anexação e em Portugal este regime, na sua primeira e na actual iteração, tem de facto promovido iberistas e cripto-iberistas a postos de responsabilidade, além da propaganda internacionalista que promove ou deixa promover nas linhas da «fraternidade» maçónica ou da «solidariedade» marxista. O «problema» reside no risco para a viabilidade do Estado vizinho e a capacidade de sobreviver à almejada anexação de Portugal. O império castelhano, vulgo Espanha, nunca sobreviverá a uma república, como demonstraram os acontecimentos dos anos 30 do século XX, pelo menos não a uma república sem pendor ditatorial ou tão descentralizada que Madrid perderia poder em vez de o aumentar. Mesmo estas variantes seriam no entanto insustentáveis para além do curto prazo já que a Geografia e a natureza dos povos não perdoa.
A única «solução» passa então por manter a monarquia do outro lado da fronteira e ir promovendo uma mudança do actual regime de forma a facilitar a absorção ( por exemplo, reforçando a vertente parlamentar e esvaziando a Presidência ou então até promover a Monarquia desde que previamente acautelados certos casamentos que a sabedoria popular desaconselha).
De notar que esta supressão de feriados não é ponto de partida nem será ponto de chegada dessa «integração ibérica». A influência de Madrid no processo de decisão política em Portugal é já grande, como o demonstram os problemas em cancelar aquele desastre que é a linha férrea para Madrid, os crescentemente desfavoráveis acordos sobre os rios transfronteiriços, o silêncio dos responsáveis portugueses sobre a questão de Olivença, entre outros sinais preocupantes. O actual regime continua alegremente «empenhado na construção/integração europeia», sem aparentemente notar que a única integração que está a conseguir é a «ibérica» (notar por exemplo a convergência de taxas de desemprego), e a defender as «parcerias» luso-castelhanas em que nós ficamos com promessas vagas (como a tal linha por Vilar Formoso directa aos Pirenéus, a única que nos interessa) e eles ficam com vantagens concretas já no presente (Madrid no centro de uma topologia em estrela potenciadora do centralismo castelhano).
Se suprimir feriados é parte da solução, poder-se-ia começar por esse fatídico 25 de Abril que celebra o trágico fim do Portugal pluricontinental, senhor de uma posição geopolítica confortável, e que colocou o nosso país (e teima em mantê-lo) num plano inclinado que o vem reduzindo ao estatuto de mera província castelhana tal como oportunamente havia avisado o embaixador Franco Nogueira («As crises e os Homens», 1971).