Nuno Serras Pereira, 31. 10. 2014
Cardeal Francis George
Isto vai por tópicos, por causa das dificuldades que tenho em escrever.
1 – A convocação de um sínodo intermédio sobre a família, conjugada com
entrevistas de Francisco e o concistório, denotavam uma estratégia precisa. Pelo menos, foi isso que me disse um amigo que andou
pela extrema esquerda e depois pelo comunismo e que se confessa ateu. Chamou-me
tapadinho e à restante Igreja de ceguinhos ingénuos que não estavam a topar
nada do que se preparava. E adiantou-me que aquilo que vinha de Roma não
passava, sempre segundo ele, de uma estratégia bem delineada com um objectivo
bem claro. Evidentemente, refutei tais asserções assegurando-lhe que na Igreja
importava muito considerar atentamente o elemento sobrenatural, coisa que para
ele e os seus era inteiramente desconhecida. Sorriu desdenhosamente e
acrescentou que eles sempre tinham obtido os resultados que queriam – questões
fracturantes – daquela maneira.
2 – Quando telefonei, neste mês de Outubro, a um dos meus irmãos, que vive,
segundo a terminologia actual, em situação irregular (casou pela Igreja e teve
dois filhos, divorciou-se e «recasou» pelo civil e teve mais dois filhos;
tornou a divorciar-se e tem um filho), para felicitá-lo pelo seu aniversário,
nem me chegou a agradecer os parabéns antes logo me interpelou: «Mas o que é
que se passa em Roma? Os Bispos estão loucos? (sic). Quem que os anda a
subornar? (sic).» Subornar?!?! Exclamei eu chocado, adiantando que não era
disso que se tratava. Mas logo ele replicou desfiando-me casos de suborno a Bispos,
Cardeais e Papas em várias
fases da história da Igreja – este meu irmão sabe mais de quase tudo do que
eu... Mas o que mais me espantou foi a indignação dele pelo que se passava
(nota bene: frequentou durante sete anos um colégio de jesuítas. Tempos houve
em que todos os jesuítas eram Católicos) – tinha a perfeita consciência de que
vivia em estado de adultério, que era impensável receber a Sagrada Comunhão e
que eram escândalosas as propostas doidivanas de passar a admitir à mesma
«divorciados recasados». Foi esta conversa que me decidiu a rabiscar o que
agora redijo. Não por causa dos supostos, hipotéticos, subornos, mas sim pela
exasperação manifestada.
3 – Linguagem – Importa muito atender à linguagem que é usada não só pela
novidade das expressões que, de um modo geral,
tendem a transmitir outros conteúdos,
mas também às expressões tradicionais que, em
determinado contexto, veiculam uma substância diferente. Pode também acontecer, não poucas vezes, que se recorra a citações do magistério de outros Pontífices, usando-as para
concluir coisas contrapostas a esse mesmo magistério. E, ainda, tanto dizer uma
coisa como o seu contrário de modo a deixar as pessoas desconcertadas e
confusas. Alguns exemplos:
a) Na relação final deste sínodo (em italiano e inglês), n.º 52, a propósito do acesso aos sacramentos da Confissão e da Comunhão
Eucarística de «divorciados recasados» fala-se da «disciplina actual» (itálico
meu) que o impede. Disciplina? Assim, sem mais? Então por que é que as mais
altas instâncias eclesiásticas nos andaram a falar de «doutrina» e de «desenvolvimento doutrinal»? Será que porque se
tratava patentemente de uma inversão da Doutrina Apostólica e, portanto,
fazendo parte do Depósito da Fé sobre a qual a Igreja não tem poder, é que
agora se recorre a este termo para dar a entender que pode ser mudada?
E se é disciplina, não será necessário esclarecer se é de
âmbito eclesiástico ou, pelo contrário, de Direito Divino e, por isso,
imutável? O Cardeal De Paolis, a par de outras eminências,
afirma que é de Direito Divino. O que de resto, se interpreto bem, sempre,
durante dois mil anos, foi crido pela Igreja, e que no ano 2000 foi confirmado
por uma Declaração
do Conselho Pontifício para os Textos Legislativos, de acordo com a Congregação para a Doutrina da Fé e com a Congregação
para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. De facto no ponto n.º 1
afirma: «A proibição feita no citado canon
(915), por sua natureza, deriva da lei divina e transcende o
âmbito das leis eclesiásticas positivas: estas não podem introduzir
modificações legislativas que se oponham à doutrina da Igreja.» (negrito meu); e no n.º 2: «Qualquer interpretação do cân. 915 que se
oponha ao conteúdo substancial, declarado ininterruptamente pelo
Magistério e pela disciplina da Igreja ao longo dos séculos, é
claramente fonte de desvios.» (negrito meu); finalmente no n.º 4
acrescenta-se: «Considerando a natureza da já
mencionada norma (cfr. n. 1), nenhuma autoridade eclesiástica pode dispensar em caso
algum desta obrigação do ministro da sagrada Comunhão, nem
emanar directrizes que a contradigam.»
(negrito meu). Se nenhuma autoridade ecclesiastica o pode
fazer, isso significa que nem Bispos, em sínodos ou concílios, nem a Suma
Autoridade Papal o poderá.
b) Num tempo em que tudo
quanto é informação, imprensa, cinema, séries televisivas,
espectáculos, música, educação infantil e juvenil, etc., propagandeia a ideologia «gay», os
Bispos Sínodais mostram-se preocupados:
i) com o acolhimento que lhes é dado nas
paróquias, porque «algumas famílias experimentam ter em si pessoas com orientação homossexual»
(negritos meus)? Mas quanto muito maior número de famílias têm problemas muito
graves a que os Bispos nem acenam!!? A que vem esta preocupação súbita sobre
uma questão que de há muito não se põe. A Igreja sempre acolheu, perdoou e
acompanhou qualquer pecador. E então nos dias de hoje se há coisa de que
ninguém (enfim, poderá haver raríssimas excepções) se possa queixar é de que
essas pessoas não gozem de atenção pastoral. Verdadeiramente problemático é
hoje um certo tipo de «acolhimento» que em vez de chamar ao arrependimento e à
conversão, pelo contrário, confirma e alimenta o comportamento «homossexual». Aliás, é notório que um dos mais graves
problemas na Igreja de hoje é o da existência de uma «mafia gay» dentro dela,
mesmo entre sacerdotes, bispos e cardeais;
ii) O facto de
se usar o termo «orientação» homossexual é, infelizmente, muito significativo, pois
denota claramente que aquela tentativa, por parte do Arcebispo
Forte (que tem uma
filosofia e teologia débeis e a puxar para o historicismo) e do jesuíta
António Spadaro de
introduzir a ideologia «gay» no relatório intermédio, consegue, de algum modo,
o seu objectivo, embora de um modo camuflado, para
quem não estuda estas coisas. De facto, o termo «orientação» sexual, ou
homossexual, introduz malignamente uma distinção/divisão dos seres humanos
entre heterossexuais e homossexuais. Ora, como o afirmou um socialista ateu,
Lionel Jospin (ex-primeiro-ministro francês), a humanidade não se divide entre
homossexuais e heterossexuais, mas sim entre homens e mulheres. Só existem duas
identidades, a saber, a masculina e a feminina. Aceitar
o termo «orientação homossexual» significa objectivamente, quer, subjectivamente, se
queira ou não, admitir que a «homossexualidade» é uma identidade que define a pessoa. Não é por acaso que o Cardeal Marx referindo-se
à diferença entre os relatórios, o intermédio e o final, afirmou que se «deram
dois passos em frente e um atrás». A maioria dos fiéis, ignorante e ingénua no
respeitante à Tradição e ao Magistério constante e universal da Igreja
regozijou-se de contentamento porque julgou ter obtido uma vitória por ocasião
da refutação e correcção do relatório intermédio (também no que dizia respeito
à Comunhão dos «divorciados recasados»). Não nego que alguma coisa se tenha
conseguido, mas na sua ingenuidade, portanto em boa-fé, deixaram passar,
praticamente, o mesmo. Não é por acaso, de facto, que os dissidentes,
manifestaram uma enorme alegria; para o verificar basta ler as declarações
jubilosas dos mesmos que as agências informativas noticiaram. Estará a hierarquia
da Igreja, no seu geral, consciente das implicações gravíssimas que essa
aceitação ideológica acarreterá, subvertendo-a, para a recepção distorcida da
Revelação transmitida pela Sagrada Escritura e pela Tradição? Não o parece. A
esse ponto da, impropriamente, chamada «homossexualidade» voltarei mais
adiante.
4 – O Cardeal G. Pell, um prelado muito inteligente, culto e informado, tendo
plena consciência do que disse e conhecendo muito bem quem está por detrás da
proposta para conceder a Sagrada Comunhão a «divorciados recasados», «dentro de
condições bem precisas» (ao que chega a dissimulação e a hipocrisia… ), afirmou
categoricamente que essa tentativa não passa de um «cavalo de tróia» para abrir
a Comunhão a toda a gente: conviventes, uniões de facto, «uniões homossexuais»,
adúlteros, etc.
Claro que uma proposição de escancarar a Comunhão a toda
e qualquer pessoa que objectivamente – e até publicamente – viva em pecado
mortal repugnaria de pronto à maioria do episcopado Católico. Por
isso, se recorre a casos limites, extremos, sentimentalões, como o fez o P.
Spadaro, S.J. repetindo o exemplo que Francisco dera
na sua entrevista às revistas jesuítas. O que depois se alarga, diria que
indiscriminadamente, ao afirmar-se na relação final, n.º 52, citando o
Catecismo, que se deve aprofundar a questão da imputabilidade e responsabilidade
atenuada ou anulada por motivos psíquicos ou sociais – fala-se também de
situações «irreversíveis» e de «obrigações morais para com os filhos que viriam
a padecer sofrimentos injustos». Mas a verdade é que se levarmos isto a sério
então as implicações serão devastadoras, por variadíssimas razões. Sempre por
tópicos apresento algumas:
a) Um famoso filósofo francês colocou-se numa
situação considerada irreversível, uma vez que durou vinte anos, acabando por regressar e
se reconciliar com a sua esposa. Terá sido pecado deixar a/s concubina/s para
voltar para a sua mulher?
b) Um casal tem três filhos, um abortado,
outro de 3 anos e o outro de 1 ano. Como geralmente 80% dos casais onde há um
aborto provocado acabam por divorciar-se, assim aconteceu com este. Ela
deixou-o, «casou» pelo civil com outro; têm 3 filhos um de 2 anos outro de três
e outro de 7 anos. Está arrependida do aborto, sente-se em paz. Mas 3 anos depois
cai em si, reconcilia-se com o marido, que tinha deixado uma outra mulher com
quem vivia. Se já era admitida à confissão e à Eucaristia será que voltar para
o verdadeiro marido é pecado? Mas as obrigações morais para com os filhos do
casamento civil e o sofrimento injusto? E então os filhos do primeiro casamento
não padecerão também injustamente? Ou será melhor, de acordo com os dois pais,
viver em bigamia de modo a estar presente em ambos os lares?
c) Será pecado um homem ou uma mulher
renunciarem ao segundo «marido» ou «esposa» e aos filhos para, não por puro
desinteresse pelos mesmos, pegarem na sua cruz e seguirem Jesus? Será que a
exigência de Jesus Cristo, segundo os critérios da mentalidade actual, é um
pecado nefando? Não será pelo contrário que somente admitir essa hipótese é
blasfemo e sacrílego?
d) Não será uma grave iniquidade dar péssimo
exemplo escandalizando os filhos por viver em adultério?
e) Um mafioso, bem conhecido do povo que tinha
medo de o denunciar, antes de casar, obrigou a amásia a fazer um aborto de um
filho de ambos. Está agora casado, com cinco filhos, está arrependido do aborto
e da corrupção bem como dos homicídios que praticou, mas encontra-se numa
situação «irreversível», pois sabe que se se recusar à corrupção e aos
assassínios decididos por seus chefes será liquidado, deixando a mulher viúva e
os filhos órfãos, o que lhes acarreterá um «sofrimento injusto». Por que é que
não poderá aceder aos sacramentos da Confissão e da Comunhão Eucarística?
f) O considerar a «irreversabilidade» e a
nulidade ou atenuação da imputabilidade por questões psíquicas ou sociais, no
contexto em que é feito, não corresponderá a uma negação daquela Verdade perene
e insofismável de que a Graça de Deus pode vencer qualquer situação de pecado?
g) Quando se generalizam as atenuações e
anulações da imputabilidade e da responsabilidade, que ultimamente só Deus
conhece, não se estará a negar a liberdade humana e a Omnipotência do Amor
Redentor de Deus, isto é da Sua Misericórdia Infinita? É que se assim for
então nunca se poderá negar a Sagrada Comunhão a ninguém, como
o afirmou há dias um sacerdote, doutorado em teologia moral, numa entrevista
radiofónica, aqui em Portugal.
Adolfo Hitler (um católico!) não terás tu sido
injustiçado por algum sacerdote
católico-fariseu-fundamentalista-arrogante-legalista que te tenha dito que não
podias comungar ou que até te tenha negado a Sagrada Comunhão? Vinde Obama,
Nancy Pelosi, J. Biden, Boko Harem e membros da Isis (ou lá como é que se
chama) alegremente à mesa da Sagrada Eucaristia porque provavelmente a vossa
imputabilidade e responsabilidade está atenuada ou anulada.
h) Já pressinto que me argúem de comparar
estupidamente os pecados sexuais com outros de maior gravidade. Defendo-me com
um jesuíta, o P. António Vieira, que num dos 9 sermões sobre Santo António,
percorrendo a Sagrada Escritura mostra como os pecados de si mais graves têm
como raiz a concupiscência sexual ou a cobiça. É, aliás, evidente que um Obama
e compinchas «católicos» são mais gravemente responsáveis por um número de
assassínios de inocentes e destruição de famílias, pela promoção do aborto
provocado, do infanticídio e da agenda lgbtqi, muito
mais elevado do que os outros terroristas; só que as suas consequências não
aparecem nas televisões nem na imprensa, e talvez por isso não parecem
preocupar os membros sinodais.
i) De caso limite em caso
limite se chegará inevitavelmente à Comunhão generalizada de
todo e qualquer católico independentemente da situação em que se encontre.
Teremos assim que um adúltero se aproximará do Sacramento da Reconciliação ou
Penitência não porque arrependido desse pecado continuado e habitual mas
somente para confessar que respondeu mal aos seus subordinados ou que se
irritou com as más notas de algum dos seus filhos e, em seguida, ir de
«consciência tranquila» receber a Sagrada Comunhão; ou um par de sodomitas que
vão à Confissão não porque arrependidos da sua convivência promíscua mas, sei
lá, porque um se recusou em determinado momento em satisfazer o desejo de
penetração do companheiro, submetendo-o assim à «inevitabilidade» de ir
procurar na noite um estranho que o satisfizesse na sua volúpia venérea. Cuidam
que exagero? Pois eu vos digo que isso já acontece.
5 – No
número 41 da mesma relação de que tratamos fala-se dos aspectos ou elementos
positivos das convivências sexuais e casamentos civis, subentende-se, entre
baptizados. Bravo!! Muito bem!! Mas por que não referir os elementos positivos
de satanás?, de facto é um anjo que, embora decaído, não perdeu a sua natureza
angélica. E por que não reconhecer os aspectos positivos de Hitler que aumentou
a natalidade entre os alemães, pôs a indústria e a economia em situação
próspera, e com as experiências do dr. Mengel nos prisioneiros nos campos de
concentração alcançou conhecimentos que nos trouxeram benefícios?
6 – Por que é que afirmo que a introdução da «homossexualidade» (a propósito,
já disse e escrevi, ou não, que nem a homossexualidade nem a heterossexualidade
existem?) no documento, juntamente com a palavra «orientação» indicam uma
aceitação eclesial e, consequentemente, uma permissividade de acesso aos
sacramentos da Confissão e da Comunhão para quem assim habitualmente vive, sem
qualquer propósito de emenda. A resposta é muito simples, é que isso é já o que se passa num número
considerável de paróquias, universidades e outras comunidades eclesiais, muitas
delas dirigidas, entre outros, por padres jesuítas. Só falta vencer as resistências ainda
existentes e estender a «desbunda» a toda a Igreja.
Já sei que me apontarão o número 56 da mesma relação na
qual se fala da inaceitabilidade das pressões de organismos internacionais que
condicionam a ajuda financeira aos países mais pobres à introdução de leis que
reconheçam o «casamento» entre pessoas do mesmo sexo. É verdade, mas reparem
bem que se fala de pressões que impõem condições mas não se recusa, ou melhor
não consta a rejeição, em absoluto do «casamento» entre pessoas do mesmo sexo,
mas somente que isso seja imposto por pressões económico financeiras. Mas
mesmo que tivessem repugnado categórica e peremptoriamente esse pseudocasamento
entre pessoas do mesmo sexo, é muito para reparar que nada se diz sobre a
chamadas «uniões civis» entre essas mesmo. Estas ditas uniões sodomitas são praticamente em tudo
equiparadas ao casamento, excepto no nome.
7 – O ex-Cardeal de Buenos Aires, Jorge Bergoglio, não é, enquanto Cardeal, o Papa
Francisco, mas como é sobejamente conhecido propôs,
então, ao episcopado da Argentina a «solução» das «uniões civis» entre pessoas
do mesmo sexo para obviar ao «casamento». Esse mesmo Cardeal, como tem sido
noticiado por vaticanistas, mandava que o clero da sua Diocese desse a Sagrada
Comunhão não só aos «divorciados recasados», mas também aos conviventes more
uxore não casados, enfim, à balda, como diz a gente nova.