sábado, 3 de novembro de 2012

Promotores do aborto indignados com
derrota dos «direitos das mulheres»
na Rio+20


Timothy Herrmann e Stefano Gennarini

Admitindo que sofreram uma derrota dolorosa, líderes políticos juntaram-se aos promotores do aborto e do controle populacional para expressar indignação com a omissão do termo «direitos reprodutivos» do documento final produzido na conferência Rio+20 da ONU sobre desenvolvimento sustentável.
Hillary Clinton, secretária de Estado dos EUA, dirigiu-se aos líderes políticos no último dia da conferência referindo-se ao facto. «Embora eu esteja muito contente que o documento final deste ano apoie a saúde sexual e reprodutiva e o acesso universal ao planeamento familiar», declarou ela, «para alcançar as nossas metas no desenvolvimento sustentável temos também de garantir os direitos reprodutivos das mulheres».
Embora a saúde reprodutiva seja mencionada seis vezes e em três parágrafos diferentes, muitos lamentaram que na sua opinião sem uma menção de direitos reprodutivos, um termo que os defensores do aborto usam como sinónimo de aborto, não daria para considerar o documento como uma vitória para os direitos das mulheres ou para a sustentabilidade.
A organização de mulheres que representa mais de 200 grupos diferentes na ONU chegou ao ponto de afirmar que a ausência de direitos reprodutivos significava que «dois anos de negociações culminaram num resultado de Rio+20 que não fez progresso nenhum para os direitos das mulheres e para os direitos das gerações futuras no desenvolvimento sustentável».
Durante a conferência de duas semanas, a Federação Internacional de Planeamento Familiar e outras organizações patrocinaram eventos que ligam explicitamente os direitos reprodutivos e o controle populacional, principalmente nos países em desenvolvimento.
Gro Harlem Brundtland, ex-primeira-minista da Noruega, foi um dos criadores da noção do desenvolvimento sustentável há vinte e cinco anos e vem de forma despudorada a fazer a conexão, avisando que «a única maneira de responder ao crescente número de seres humanos e falta de recursos é por meio da concessão de mais direitos às mulheres».
Ela também disse: «A omissão de direitos reprodutivos é lamentável; é um retrocesso de acordos anteriores». E concluiu dizendo que «a declaração da Rio+20 não faz o suficiente para ajustar a humanidade num caminho sustentável».
Muitas delegações, com a Santa Sé, repercutiram o alarme sobre a ligação desses termos e com êxito excluíram-nos do documento final. Bruntland disse com frustração que «não podemos dar-nos ao luxo de permitir essa ultrajante omissão, impulsionada por tradições antiquadas, discriminação e pura ignorância», em referência directa à intervenção da Santa Sé.
Quem também criticou a exclusão dos termos foi Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda e presidente do Conselho de Líderes Globais para a Saúde Reprodutiva do Instituto Aspen. Ela declarou: «Não pudemos integrar amplamente a questão do planeamento familiar nesta conferência no Rio de Janeiro. Isso é um engano. O crescimento populacional em países pobres tornou-se um problema global, com implicações de longo prazo para a saúde económica, ambiental e política do mundo inteiro».
A saúde materna é mencionada apenas indirectamente no documento, e só num parágrafo. Evidentemente a pressão para promover direitos reprodutivos na conferência não foi tanto sobre a saúde das mulheres quanto foi sobre colocar o aborto e o controle populacional no documento Rio+20 sob o pretexto de desenvolvimento sustentável.
Considerando que a Santa Sé chamou a atenção para essa agenda e várias nações puderam construir o consenso necessário para manter o termo polémico fora do documento, não é de pasmar que os defensores do aborto estejam irados e continuem a ridicularizar o Vaticano como se estivesse a travar uma guerra contra os direitos das mulheres. O lamento real deles é o desmascaramento da sua agenda para promover com pressão o aborto e o controle populacional e terem sido confrontados em flagrante.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O Acordo Ortográfico e a tradução para português


Paula Blank

O meu trabalho consiste, em suma, na revisão de traduções do Inglês para o Português de manuais de instruções e interfaces do utilizador de equipamento médico. Vai desde a simples maca de exames utilizada nos consultórios médicos ao ventilador de cuidados intensivos ou desfibrilador cardíaco, de cujo correcto funcionamento e utilização dependem as vidas de tantos doentes por este país fora. Dependendo de o fabricante ser europeu ou americano, as traduções são produzidas – em geral – para Português de Portugal ou do Brasil, respectivamente. Por conseguinte, quando importamos da Europa, geralmente, repito, não há problema de maior; contudo, ao comprar equipamento nos EUA e com a globalização, consequentes fusões de companhias e migração de quadros pelo mundo inteiro, a situação complicou-se.
O que me chega às mãos está 90% das vezes muito longe do nível de qualidade que seria de esperar para qualquer tradução, quanto mais para traduções nesta área. Os exemplos são infindáveis, mas escolhi um que servirá para demonstrar aquilo de que falo. Na tradução do manual de um ventilador, feita por um tradutor brasileiro, lê-se:
«Usar o ventilador de maneira diferente como foi instruída pode causar danos ao digitalizar de RM.»
Uma tradução correcta do original em Inglês poderia ser assim:
«A utilização do ventilador de maneira diferente da que foi indicada nas instruções, pode causar danos ao aparelho de RM (ressonância magnética).»
Em praticamente todos os manuais traduzidos para Português do Brasil, e também no deste exemplo, chama-se «vazamento» a fuga, «cabo de força» a cabo de alimentação, «tela» a ecrã, «plugue» a ficha (um «plugue» que se «pluga», do verbo «plugar»), «jack» a tomada, «leiaute» a disposição, «acurácia» a precisão, diz-se que a impressora «está aquecendo», que «você tem de acessar isso» (aceder) ou «você deve apertar aquilo» (pressionar), os verbos reflexivos são conjugados ao contrário («isso se faz assim» em vez de «isso faz-se assim»), etc.
O manual de um dispositivo de suporte de vida chega a ter 300-400 páginas e o deste exemplo era uma tradução que estava autorizada, em utilização em Portugal, e que só foi corrigida (1) quando o fabricante passou a fazer parte da gama de comercialização de certa empresa e (2) porque, depois de muita argumentação, o fabricante acabou por concordar em produzir uma versão em Português de Portugal.
Peço-vos que voltem a ler os exemplos apresentados. Não verão uma só instância de diferença ortográfica, o que prova a futilidade do esforço (inútil porque não o consegue) de uniformização ortográfica. A maioria dos manuais traduzidos no Brasil que eu revi estão escritos assim e, provavelmente, no Brasil até são textos perfeitamente aceitáveis, não sei, nem discuto. Mas em Portugal não. As traduções utilizadas em Portugal têm forçosamente que ser feitas por tradutores portugueses, em Português de Portugal, para que se possam cumprir os critérios exigíveis. E isso não basta, é preciso que o tradutor preencha outros critérios técnicos específicos, cuja discussão ficará para outra altura.
Contudo, há uma batalha contínua para que os dispositivos comercializados sejam acompanhados de instruções adequadas. A realidade é que os fabricantes pressionam os distribuidores portugueses a utilizar as traduções brasileiras em Portugal. Os argumentos são sempre os mesmos: (1) só se produz uma versão em Português e, dado que o Brasil é um mercado maior, a versão a produzir será em Pt-Br ou (2) temos que reduzir custos, por isso há que anular uma das versões em Português; o Brasil é um mercado maior, portanto eliminamos a versão Pt-Pt. Ponto final. Contra-argumentar dizendo que a sintaxe e a terminologia não são aceitáveis para textos que se destinam a profissionais clínicos, que os erros podem provocar acidentes de proporções mais ou menos sérias, é por regra inútil. Algumas vezes, felizmente, o esforço de argumentação é recompensado, e os médicos e enfermeiros em Portugal podem usufruir do privilégio de ler as instruções do dispositivo médico, que adquiriram em Portugal, num Português de fácil e natural compreensão. Sim, aquilo que devia ser um direito, que está previsto numa directiva europeia, que, por sua vez, foi transferida para a lei portuguesa, é no fundo, um privilégio. Quase um favor.
É, portanto, com profunda consternação que vemos o Governo português, que devia defender os nossos interesses, assinar um Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que (defendem alguns) visa unificar a ortografia e resolver todas as diferenças entre ambos os registos do Português.
O Acordo Ortográfico, ao criar esta falsa noção de uniformidade, extremamente nefasta para o Português-padrão, tem um resultado terrível para a tradução, porque enche o mercado português de instruções que quanto mais técnicas, mais incompreensíveis são.
Mas ainda podemos inverter este erro colossal, assinando a Iniciativa Legislativa de Cidadãos. Para saber como assinar e ficar a saber mais pormenores, por favor, visite o portal http://ilcao.cedilha.net/.