sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O Dia da Infantaria e o discurso que não houve

João José Brandão Ferreira
Comemorou-se mais uma vez – e resta saber até quando se irá comemorar – o 14 de Agosto, dia da Infantaria e aniversário da Batalha de Aljubarrota, onde se evoca o patrono da Arma, o Condestável D. Nuno Álvares Pereira, em boa hora santificado por S. Santidade o Papa Bento XVI.
Quase ninguém deu pela data (nem sequer a população de Mafra, onde se realizou a cerimónia) e os poucos que deram, foi porque o Ministro da Defesa (MDN) foi lá e alguns jornalistas foram no seu encalço.
Cerimónia militar digna, certinha e austera, com um bom discurso do Director Honorário da Arma, Tenente General Vaz Antunes e a ausência das “patrulhas Nun’Àlvares” (uma competição desportivo/militar entre representantes de todas as unidades de Infantaria), por … já não haver verba.
O Ministro esteve presente e a sua presença e palavras merecem alguns comentários.
Em primeiro lugar por ter assumido, desde logo, as medidas que foram tomadas na mesma semana – a proibição do início do ensino básico no Colégio Militar; o congelamento das promoções e a suspensão/revisão dos últimos acertos remuneratórios - e a afirmação de que dará a cara pelo que se vier a passar - é um acto de coragem e de carácter que abona a figura do Ministro. Quer se concorde ou não com as medidas.
De facto as medidas anunciadas e o modo como foram feitas são infelizes e intoleráveis. Fica já retribuída a frontalidade.
Só relativamente ao CM, há qualquer coisa que ainda me escapa… Ressalta, por seu lado, mais uma vez, a “ingenuidade” com que os militares lidam com os políticos tomando-os, maioritariamente, por pessoas de bem…
Voltando ao discurso do Sr. Ministro: mandou o governo anterior pedir desculpa aos militares, mas não especificou exactamente em quê? (bom, a lista é enorme…). Veremos como estará este governo, no fim do seu ciclo. As recordações dos governos PSD/AD, relativamente à Defesa Nacional, não são nada boas conseguindo, em muitas áreas, ser ainda piores do que os socialistas!
E as recentes tomadas de posição de uns e outros, vão no sentido de passar para a opinião pública que as FAs se comportam como um “Estado dentro do Estado”, jogando em atitudes de “facto consumado” e a quererem eximir-se aos sacrifícios que estão a ser exigidos ao país na actual situação de crise financeira e económica.
Ora os militares cumprem a lei – ao contrário de anteriores governos - estão fartinhos de dar para este peditório, vai para uns 25 anos – enquanto a maioria da população e sobretudo toda a classe política e empresarial do Estado, folgava sem baias, critério ou senso.
Por isso, senhor ministro, vão ter que pedalar muito até que possam ter moral para se exibirem como réstia de exemplo. E, já agora, não fica bem alegar a “troika” como desculpa para as medidas tomadas ou a tomar. A troika não devia dar ordens no nosso país, e o âmbito da soberania devia ser para eles, estritamente “off limits”.
Neste particular todos os militares deveriam fazer o máximo de oposição.
O inteligente D. Quixote
O seu discurso, Dr. Aguiar Branco, até estava a ser enxuto, mas terminou mal. Lembro-me de ter ouvido dizer algo como isto: “Estou plenamente convencido de que as FAs e os militares cumprirão todas as suas missões, quaisquer que sejam os meios de que disponham”.
Eu não sei se o MDN teve tempo para reler o que escreveu e só posso concluir pela negativa, pois ninguém no seu estado normal, diria uma barbaridade daquelas. É que mesmo em tempo de guerra, as cartas de comando estipulam, normalmente, que o combate decorrerá “até ao esgotamento dos víveres e munições”…
É certo que o posicionamento e discurso público, das chefias militares dos últimos – seguramente – 20 anos, tem ajudado a esta “festa”. Porquê? Porque aceitaram sempre os cortes efectuados, sem oposição que se visse (lembro-me apenas do Alm. V. Matias); bateram sempre na tecla do fazer mais com menos; mais e melhor; poupar, racionalizar, encaixar danos.
Nunca pararam nada; nunca afirmaram publicamente constrangimentos, receios ou perigos; nunca traçaram uma fronteira. Com medos e receios vários, recusaram sempre assumir que não há “dinheiro a menos, mas missão a mais”, quando não fizerem pior, que foi desentenderem-se uns com os outros, em vez de se darem as mãos.
Ora estas atitudes só têm dado razão e encorajado os políticos a cada vez mais estrangularem o aparelho militar da Nação. Isto tem sido assim e desafio seja quem for a desmentir-me.
Por tudo isto o discurso, que faltou, reza assim:
“Oficiais, sargentos, praças e civis aqui presentes, caros camaradas, três palavras apenas.
O nosso país, Portugal, está colocado numa das mais perigosas esquinas da sua vetusta História. Quer isto dizer, inclusive, que a nossa sobrevivência como entidade, individualizada no concerto dos povos e respectiva identidade, está em perigo real.
Segundo, as FAs, à parte do facto de terem dado origem ao actual regime, em 25/4/74, por acção ou omissão, não têm quanto à situação presente qualquer responsabilidade.
Terceiro, as FAs, como instituição nacional por excelência, têm sido reduzidas, desvirtuadas, diminuídas e atacadas, sem descanso, nos últimos 30 anos. Têm aguentado com estoicismo e no cumprimento da lei e do dever militar, todos os constrangimentos financeiros, administrativos e em pessoal, determinados pelo poder político, bem como, as tentativas de subversão soezes, nos seus fundamentos e na sua dignidade, por numerosos políticos, meios de informação e pessoas individuais e colectivas.
Porém, a sua postura que se pretende ética – sem embargo dos desentendimentos corporativos que nos têm prejudicado e dividido – colocaram a Instituição Militar no limiar da sobrevivência. Ora tal não é de todo aceitável nem admissível, pois põe em causa a perenidade da Pátria.
Por último, os militares e as FAs conscientes dos perigos da situação actual, não declinarão as suas responsabilidades últimas na defesa da independência da Nação quer a ameaça venha de fora ou se desenvolva no seu seio, e em serem o último garante da unidade do Estado.
E assim o devemos afirmar e defender como manda o lema da Escola Prática de Infantaria: “AD UNUM”, até ao último”.
Este discurso não foi feito e nenhum chefe militar, certamente, alguma vez o fará – embora fique aqui já feito.
Mas vai, mais tarde ou mais cedo, ter que ser intuído e assumido.