Saulo de Tarso Manriquez
No artigo anterior afirmei que a Rio+20 é um evento inserido na agenda da Nova
Ordem Mundial, a qual propõe uma espiritualidade anticristã, o abortismo, a
supressão gradual das liberdades civis e da soberania dos Estados. No presente
artigo procurarei apresentar mais factos e informações relativamente a isto.
1. Construindo uma nova espiritualidade
Os construtores da
Nova Ordem Mundial sabem que não podem abolir as religiões da face da Terra. O
apelo à transcendência está presente em todas as sociedades humanas. Para
contornar essa impossibilidade, os planificadores globais promovem a nova
religião, a chamada Nova Era.
A Nova Era não é
propriamente uma religião, mas somente um simulacro de religião, que se
apropria indevidamente de elementos de diversas tradições religiosas e os mistura
com um discurso pretensamente «científico» e com técnicas psíquicas, mantras,
programação neorolinguística e autoajuda. Trata-se de uma «religião» biónica e
universal criada em laboratório com vistas a suprir a procura religiosa durante
a construção da Nova Ordem Mundial. Em tempo hábil, a Nova Era será descartada,
mas enquanto isso não acontece, ela servirá como um pano de fundo religioso
legitimador da governança global. A Nova Era precede o pesadelo
tecnocrático e científico de Aldous Huxley em o Admirável Mundo Novo.
A Nova Era não é uma «religião» institucionalizada, como um corpo coeso de
doutrinas e ritos, ela é um movimento e, enquanto tal, já possui – por
força dos inúmeros grupos, seitas e submovimentos que para ela concorrem –
certa autonomia, ou seja, já se apresenta como um simulacro suficiente de
religião nesses tempos de materialismo foleiro e conta com número significativo
de adeptos.
Contudo, a Nova Era ainda precisa de viver à custa das grandes tradições
religiosas, ou para corroê-las por dentro ou para deitar a unha a novos adeptos
para a nova espiritualidade global.
Engana-se quem pensa que a Nova Era se limita a viver à custa das filosofias, das
religiões orientais e das crenças animistas. Na actual etapa, a Nova Era é
usada para forjar a unificação das religiões e para isso infiltra-se também nas
religiões do ramo semítico, principalmente no Cristianismo[1].
A construção de uma «religião» global passa pela promoção de um ecumenismo
indecente entre as tradições religiosas e pelo resgate de mitos antigos como o
mito de Gaia.
Por meio da Hipótese de Gaia James Lovelock, um dos founding fathers
do aquecimentismo antropogénico[2], não apresentou só uma hipótese científica pela qual se
considera a Terra um ser vivo em busca de seu auto-equilíbrio, mas também
resgatou o mito de Gaia, a Terra, ou Mãe Terra, mito esse que veio a ser
usado no âmago da nova espiritualidade da Nova Era.
Na Teogoniade Hesíodo, Gaia é uma divindade, uma potestade ou divindade
originária[3].
Pode-se dizer que o culto a Gaia serve a uma concepção panteísta de Deus. No
entanto, nesse culto a própria ideia de Deus acaba sendo deixada de lado, pois
o que se venera não é um suposto deus na natureza, imanente, mas a natureza
em si: diviniza-se a natureza.
O culto a Gaia presta-se
a dois fins imediatos: além de romper com a noção de transcendência, acaba por completar
a procura feminista por um sagrado feminino.
A noção de
transcendência que se perde é a noção de que existe um Deus criador, que embora
também seja imanente, está para além do tempo, além do mundo e de sua criação.
Ao perder essa noção, o homem deixa de sentir-se uma criatura que tem a sua
própria relação com o transcendente. Na linguagem new ager ou somos
todos deuses ou somos uma massa celular compactada regida quase que
exclusivamente por reacções bioquímicas ou por «energias» [4]. O próprio Deus – quando permitem falar Dele – é
reduzido a uma mera energia.
Entretanto, essa
perda deixa um vácuo que precisa de ser preenchido por uma transcendência
artificializada. É por essa razão que os movimentos new agers valem-se
de correntes místicas e esotéricas ou pseudo-esotéricas das mais diversas com o
fito de promover uma suposta «iluminação».
A Nova Era é considerada
como a era do «novo tempo», a Era de Aquários, a Era pós-cristã.
E qual é a relação
da Rio+20 com essa história?
Só com uma olhada
rápida e descuidada é difícil identificar com clareza a relação da Rio+20 com a
Nova Era. No entanto, quando se vai um pouco mais a fundo a relação começa a tornar-se evidente.
Diversos grupos e
diversas ONGs que participaram na Rio+20 estão imbuídos na mentalidade da Nova
Era e, de forma clara, aderiram à espiritualidade e à educação gaiana. A
educação gaiana, a Gaia
Education, é um projecto global que
tem por desígnio capacitar pessoas para a «sustentabilidade». No Brasil, a
educação gaiana é promovida pela ONG Terra UNA. A Gaia
Educatione seus representantes brasileiros estão na Rio+20.
Mas o que mais
evidenciou a relação da Rio+20 com a Nova Era foi a Cúpula dos Povos na
Rio+20 por Justiça Social e Ambiental, que foi «um evento organizado
pela sociedade civil global que aconteceu entre os dias 15 e 23 de junho
no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro – paralelamente à Conferência das
Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (UNCSD), a Rio+20»[5].
Na Cúpula dos Povos foi montada uma tenda chamada Gaia Home, na qual foram
realizados rituais que mostraram bem a nova espiritualidade que orienta a
Rio+20.
Dança da Paz na
Rio+20
Não se pode
dissociar essas iniciativas notoriamente religiosas, ou melhor,
pseudo-religiosas, com as actividades da URI (United Religions Initiative), que é hoje um tentáculo da ONU. No entanto, acções às
quais dá suporte são observadas desde o século XIX, visando, em nome da
tolerância e pluralidade religiosa, neutralizar a influência das grandes
religiões; o principal alvo é o cristianismo, como fortalecer ideias com o
controle populacional, uma «ética global» colectivista, e reduzir as religiões
à mera militância em prol «de um mundo melhor», ao simples activismo social.
O livro de Lee Penn, False Dawn, traz praticamente tudo o que é necessário relativamente
à URI, e logo se percebe porque eventos como a Rio+20 são como são.
A nova
espiritualidade global é uma espiritualidade sem Deus; é uma espiritualidade
onde não há pecado, nem pecadores, mas tão somente semi-deuses «iluminados» e «libertos»,
partícipes da «nova consciência universal» definida de antemão pelos novos Concílios
Ecuménicos, formados pela ONU e pelas ONGs (cujos líderes são como
patriarcas que representam a massa dos fiéis da sociedade civil global).
2. Aborto para a
sustentabilidade
A legalização do
aborto por todos os cantos do mundo é um dos objectivos mais caros da agenda da
Nova Ordem Mundial.
O aborto em escala
global é defendido e patrocinado por diversos actores da Nova Ordem Mundial
(ONU[6], OMS[7], Fundação Ford[8], etc.).
A Rio+20 – conforme
foi destacado no artigo anterior – faz parte da agenda da Nova Ordem Mundial.
Por essa razão, as ONGs, as representantes da «sociedade civil global» na
Rio+20, defenderam a legalização do aborto
como uma medida necessária para a promoção do desenvolvimento sustentável[9].
A defesa do aborto
por ONGs visa dar a impressão de que é a sociedade que almeja a prática
«sustentável» do aborto.
Essa postura das
ONGs na Rio+20 não deve causar estranheza. As ONGs globalistas, muito bem
financiadas por fundações bilionárias, estão fazendo para o que foram pagas para
fazer; estão atendendo, pavlovianamente, ao chamado de seus senhores.
Doravante, já se
pode falar em «aborto verde», «aborto sustentável» ou, quiçá, «bioaborto».
3. «Governo Mundial»
A soberania dos
Estados é um obstáculo para a construção de uma Nova Ordem Mundial e de um
Governo Mundial. Os globalistas não se cansam de criar estratégias para superar
o conceito «retrógrado» de soberania. Em novilíngua, é preciso «avançar»...
O globalismo de raíz
ocidental é sofisticado, sedutor, e forjado com muita paciência. Esse
globalismo não é propriamente uma novidade [10], no entanto, a sua efectiva articulação é mais recente.
Da década de 1950
para cá é possível constatar-se o fortalecimento e a aceitação do discurso
globalista. Contudo, a propositura de um Governo Mundial propriamente dito só
surge na década de 1990 [11].
Para tornar agradável
a ideia de um Governo Mundial os globalistas inventaram a expressão eufemística
«Governança Global».
Como tentáculos da
Nova Ordem Mundial, as melancias totalitárias reunidas na Rio+20 promovem abertamente a dita «governança
global».
Os mentores do
governo mundial viram na questão ambiental um meio eficaz para legitimar a
criação de um poder global centralizado. Para tanto, exploram-se até a exaustão
problemas transfronteiriços (p. ex.: chuva ácida, questão dos refugiados
ambientais, etc.) e ou regionais com vistas a transformá-los em problemas
globais que procuram soluções globais. Assim, foram elaborados uma série de
documentos enfatizando a «necessidade» de uma Governança Global para se
proteger o meio ambiente e se promover o desenvolvimento sustentável.
Porém, antes de
defenderem enfaticamente um Governo Mundial os planejadores globais destacaram
a importância de haver uma Organização Mundial para o desenvolvimento
sustentável. Assim, em 2002, o relatório International Sustainable Development
Governance.The Question of Reform: Key Issues and Proposals da Universidade
das Nações Unidas já defendia a centralização política da questão ambiental na
World Environment Organisation (WEO).
Na direcção desse
relatório foram elaborados outros relatórios: em 2008, o International
Institute for Sustainable Development (IISD) publicou um texto chamado Governança
Ambiental Global: Quatro Passos para Coerência segmentada: Uma Abordagem
Modular e em 2010, o Instituto Fritjof Nansen publicou o relatório International
Environmental Governance; também 2010 o Stakeholder Forum elaborou, já
visando a Rio+20, o Artigo de Discussão 1: Governo Internacional para o
Desenvolvimento Sustentável e Perspectiva Iniciais para Rio +20.
Superada a fase preparatória, os globalistas já se permitem falar em Governança
Global sem, contudo, com os usuais e limitantes subtítulos. Nesse sentido,
merecem destaque as Propostas
Para uma Nova Governança Mundial, as quais foram
elaboradas tendo em vista a Conferência Rio+20 [12]. Dentre as propostas vale destacar a instituição de um Tribunal
Internacional do Meio Ambiente e a constituição de uma força armada mundial
independente dos Estados.
Por fim, merece destaque o texto Caminhos e
Descaminhos para a Biocivilização disponibilizado pelo Portal Rio+20. O texto
propõe uma transformação no paradigma civilizador no sentido de se criar uma Biocivilização.
O texto fala em «desprivatização da família», critica o uso de carros,
manifesta indignação com os sistemas de segurança e vigilância dos prédios e
condomínios (vistos como meios de exclusão social), traz a propriedade privada
intelectual como um elemento «negador de humanidade», defende que o «princípio
da propriedade individual da terra» deve ser posto radicalmente em questão e,
por fim, defende «o diálogo intra e inter movimentos que permita sínteses novas
combinando tudo o que significa o bem viver dos povos indígenas, com o
cuidado das feministas (???), o conhecimento compartilhado das plataformas
de software livre e do copyleft, da agro-ecologia e economia solidária, sem
contar o que vem da ecologia profunda e a ética ecológica». O diálogo entre os
diversos «sujeitos colectivos» é tido como «um novo modo de fazer política»; um
«mosaico dinâmico e de múltiplas possibilidades da nascente cidadania
planetária».
4. Declaração final da Rio+20 – «The future we want»
A declaração final
da Rio+20, The future we
want, por ser uma declaração oficial,
adopta, ardilosamente, um tom tolerante. A Declaração, de forma estratégica e
sedutora aponta a necessidade de se erradicar a pobreza, coloca o ser humano no
centro do desenvolvimento sustentável e reafirma a importância da liberdade, da
segurança, do estado de direito e dos direitos humanos, dando assim, a
impressão de que se trata de um evento voltado somente para a resolução de
problemas e para a valorização da vida humana. Isso é só estratégia discursiva.
A Declaração Final
da Rio +20 reafirma os princípios da Rio 92 e os planos de acção anteriores,
ou seja, reafirma a agenda novordista que a precedeu. Destarte, traz novamente
o discurso da necessidade e urgência de se enfrentar as mudanças climáticas e,
alinhada com as propostas anteriores de redução da população mundial, enfatiza
a promoção do planeamento familiar e dos direitos sexuais e reprodutivos de
mulheres e jovens:
Reafirmamos nuestro compromiso con la igualdad entre los géneros y la
protección de los derechos de la mujer, los hombresy los jóvenes a
tener control sobre las cuestiones relativas a su sexualidad, incluido el
acceso a la salud sexual y reproductiva, y decidir libremente respecto de
esas cuestiones[…].
A defesa dos direitos
sexuais e reprodutivos das mulheres é uma forma sofisticada de se promover
a agenda abortista.
Quanto à promoção
de direitos sexuais aos jovens, vale dizer que há aí a tentativa de retirar a
autoridade dos pais sobre os seus filhos. O objetivo é fazer com que os jovens
exerçam, precocemente e sem quaisquer impedimentos, a sexualidade. Eis aí uma
aplicação concreta da «desprivatização» da família.
Além disso, a declaração
reconhece a importância internacional da expressão «Mãe Terra» («Madre Tierra»).
Conclusão:
Tal como Hitler, Stalin e Mao, as melancias
totalitárias propõem um novo homem e uma nova civilização.
A Rio+20 não é um
evento espiritualmente neutro, afinal a ONU não é, e a existência da URI é
prova disso. Ela está alicerçada num projecto que visa construir uma nova
espiritualidade global.
Nessa
espiritualidade, o ser humano é colocado no mesmo plano das galinhas e das
árvores. Na Nova Era, a morte de um ser humano é análoga a uma espinha que
estoura, ao furúnculo que é expelido. É por isso que as ONGs defenderam o
aborto como uma prática sustentável. Matar bebés no ventre das mães, nesses
tempos de duplipensar, não é violência é «não violência», é paz.
Os biocidadãos new
agers colocam-se contra as
guerras e promovem uma cultura de «paz» e «não violência», o que parece ser uma
coisa bonita, pois afinal, quem é que gosta de guerra, dor e sofrimento?
Contudo, a sustentabilidade new ager, «gaiana», não dispensará o uso da força
para se impor. Um exército mundial certamente será o braço armado da solução
ambiental global que marchará contra os povos, as religiões e os Estados que não
se subjugem perante um poder temporal, global, ilegítimo e antidemocrático.
A despeito de
eventuais propostas bem intencionadas e razoáveis, a Rio+20 é um evento
enraizado numa cosmovisão desumanizadora e totalitária.
O espectáculo de
bom mocismo e engajamento de cidadão da Rio+20 é falsa luz é falsa paz. É a paz
sem Deus; é a paz da Nova Ordem Mundial; é a paz do Governo Mundial.
Notas:
[1] Para se ter uma ideia do grau de infiltração da Nova Era dentro do
Cristianismo – e também no Judaísmo, diga-se – basta notar que há uma
organização chamada National Religious Partnership for the Environment,
uma coligação inter-religiosa que envolve judeus, católicos, protestantes e
ortodoxos em torno da «causa» do meio ambiente. Já há quem denuncie que a organização está tentando inculcar nas pessoas o culto de
Gaia. Outro exemplo trágico é a Campanha da Fraternidade de 2011, cujo hino oficial chama a Terra de «Nossa
mãe» e, incorporando plenamente o conceito de Gaia trazido por Lovelock, diz
que a Terra é uma «criatura viva» que «respira, se alimenta e sofre».
[2] Recentemente James Lovelock admitiu que as suas
projecções alarmistas estavam equivocadas.
[3] Cf. HESÍODO. Teogonia: a origem dos deuses. São Paulo:
Iluminuras, 2007.
[4] Eric Voegelin provavelmente enxergaria esse processo
como um processo de «rebaixamento da substância de ordem do logos, na
hierarquia ontológica, para o nível das substâncias orgânicas e dos impulsos»
(VOEGELIN, Eric. Bases morais necessárias à comunicação numa democracia.
Caderno de Ciências Sociais Aplicadas, Curitiba, n. 5, 2002, p. 09-10).
[7] Cf. ESSIG, Andrew M. The World Health Organization’s
Abortion Agenda. New York: IORG, 2010.
[8] A própria Fundação Ford reconhece os seus financiamentos ao movimento
pró-aborto. Para conferir isso, basta procurar pelos relatório anuais dessa
fundação (Ford Foundation Annual Report) e fazer uma busca com as
expressões «abortion» e «reproductive rights».
[10] Kant, no seu opúsculo dedicado À Paz Perpétua, já
propunha no segundo artigo para a paz perpétua que «o direito
internacional deve fundar-se num federalismo de Estados livres», o «Estado
dos povos, que por fim viria a compreender todos os povos da terra»[11].
Ora, o «Estado dos povos», de todos eles, reunidos sob um «federalismo de
Estados livres», numa ordem internacional só pode significar uma Federação
Mundial que procura necessariamente um Governo Mundial (Cf. KANT,
Immanuel. À paz perpétua. Porto Alegre, RS: L&PM, 2008, p. 31 e 36).
[11] Um dos primeiros discursos abertos e, por assim dizer, «oficiais» (no
âmbito da ONU), no sentido de se construir um Governo Mundial é o texto de Jan
Tinbergen encontrado no Human Development Report 1994. Nesse texto Tinbergen diz: «Mankind’s problems can no
longer be solved by national governments. What is needed is a World Government.
This can best be achieved by strengthening the United Nations system» (UNITED
NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME. Human development report 1994. Disponível
em: http://hdr.undp.org/en/media/hdr_1994_en_chap4.pdf).