João J. Brandão Ferreira Oficial Piloto Aviador
«A perda de Portugal foi de puro sangue
e, por isso, o ministro espanhol que não pense
constantemente na reunião ou não obedece
à lei ou não sabe do seu ofício».
José de Carvalhal y Lencastre
(Ministro de Estado ao tempo do rei Fernando IV,
de Espanha)
O SIED e o SIS(já que serviços de
informação militar, na realidade, nunca tivemos) passam a sua vida de amadores
– o actual sistema político não permitiu ainda que passassem disso – a
preocuparem-se com coisas que pouco interessam à segurança do país e seu
futuro. O primeiro vai elaborando umas informações sobre teatros de operação
longínquos que pouco têm a ver connosco, e ainda é possível que infiltrem uns
tipos nos PALOPs (presume-se que Brasil excluído) a fim de perceberem o que se
passa por lá (quando não espiam os próprios nacionais em funções), o que, na
prática também não serve para nada, já que os sucessivos governos portugueses
não têm tido qualquer estratégia para lidar com esses países.
Limitam-se a gastar dinheiro e esforços a
brincar às «cooperações», sem qualquer retorno e a pôr-se de cócoras sempre que
a cleptocracia de Luanda tosse.
O SIS em vez de se focalizar nas verdadeiras
ameaças que espreitam a sociedade portuguesa (terrorismo, criminalidade
transnacional, emigração desregrada, conjuras internacionalistas, acções de
sociedades secretas, etc.) esfalfam-se a colher dados relativamente a patriotas
que se indignam com o desmoronamento do nosso país e a fazerem análise de risco
dos detentores dos órgãos de poder, de modo a melhor protegê-los da «ira» dos
cidadãos.
Pelos vistos também se preocupam com um ou outro
personagem do «Jet set», que possam
interferir com negociatas correntes…
Por tudo isto não se estranha que o que se passa
em Espanha não pareça causar nesses serviços, ou a quem neles superintende
qualquer preocupação de maior.
A lógica reinante parece imbatível: então a
Espanha não é nossa amiga, aliada e não participa connosco em todas as alianças
e instituições onde estamos (excepção feita, «hélas» para o Tratado de Windsor…)?
Sendo assim que sentido fará, já não direi
espiá-la, mas andar informado do que lá se passa?
Lamentavelmente quem assim pensa não anda com os
pés no chão…
Este tipo de pensamento a haver em responsáveis
políticos é absolutamente inadmissível num Estado supostamente representativo
de uma Nação com 900 anos de existência!
Mas há males que vêm por bem.
O actual governo espanhol enviou uma carta para
a ONU, no pretérito dia 5 de Julho em que, não contestando directamente a
soberania portuguesa sobre as Ilhas Selvagens defende que estas são «rochedos»
e não «ilhas», o que coloca directamente em causa a ZEE do território e pode
ter implicações na definição da Plataforma Continental, que Portugal intentou,
tempestivamente, na sequência do Tratado de «Montego Bay».
Ora o modo como Madrid tomou esta iniciativa –
ao que se sabe – isto é, à sorrelfa e sem aviso prévio a Lisboa, tendo ainda em
conta, que os governos de ambos os países se encontram semestralmente em
cimeiras, apelidadas de «ibéricas», não tem nada a ver com uma atitude de um
país aliado, muito menos amigo.
Que o Governo de Madrid ande acossado com os
problemas de coesão interna, por causa das autonomias, de que são expressão
maior o que se passa na Catalunha e no País Basco; os escândalos que têm
assoberbado a Casa Real; os problemas que se avolumam nas FA e a crise
financeira que tudo corrói, nós compreendemos mas, desde já, garantimos que não
contribuímos em nada para que tal ocorresse.
Antes pelo contrário, só temos é que emendar a
mão por termos criado vulnerabilidades com os nossos vizinhos, que a entrada na
CEE (depois UE) potenciou e a estúpida política do «Espanha, Espanha, Espanha»,
exponenciou!
Se por tudo isto ou por outras razões, o facto é
que o Governo Espanhol foi mexer em várias feridas geopolíticas sem,
aparentemente, lhes medir as consequências, sobretudo pelas contradições em que
se emaranharam.
E ter «Tailleyrands»
para se sair airosamente destes imbróglios não está ao alcance de todos, nem de
todas as épocas…
Resumidamente:
O Governo Espanhol arranjou, a propósito do
anúncio das obras de um molhe artificial para a pesca por parte do governo de
Gibraltar que, supostamente, irão prejudicar a comunidade piscatória vizinha,
um pretexto para relançar a reivindicação sobre o «Rochedo», ao mesmo tempo que
dificultam a passagem na fronteira terrestre do mesmo.
Tal evento ocorreu numa data temporal próxima da
«catilinária» sobre as Selvagens.
A toda esta questão «regional» temos que juntar
os casos das cidades de Ceuta e Melila, encravadas na costa marroquina (Ceuta
está em frente a Gibraltar e juntas controlam o acesso ao Mediterrâneo), a
ilhota desabitada de Perejil – a 200 metros da mesma costa e a 8Km de Espanha, no Estreito de Gibraltar – onde ocorreu um pequeno incidente, em 2002,
em que militares espanhóis foram rapidamente
transportados para o local; o atol de Alhucenas, sem população, mas com uma
fortaleza guarnecida com um pelotão destacado de Melila; o rochedo (Peñon) de
Vellez de la Gomera, igualmente desabitado e com fortaleza guarnecida do mesmo
modo e o Arquipélago das Chafarinas, sem população nem fortaleza e onde
estaciona um pelotão da Legião Espanhola.
Qualquer deles a escassos metros da costa de
Marrocos e ignorados de quase todos.
No meio de tudo isto temos a antiquíssima terra
portuguesa de Olivença e seu termo (cerca de 550 Km2), ocupada militarmente por
Espanha que se tem «esquecido», ano após ano, em a devolver, como acordado no
Congresso de Viena de 1815.
Esquecimento que só tem paralelo na falta de «lembrança»
dos governos portugueses em reivindicar a retrocessão devida – apesar de nunca
se ter reconhecido tal ocupação nem se ter ractificado os marcos da fronteira.
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Território português ilegalmente ocupado por Espanha |
O que representa um vergonhoso comportamento de
ambos.
Vejamos as principais contradições em que o
Estado Espanhol se enreda.
O problema de Gibraltar decorre da Guerra da
Sucessão de Espanha entre 1702 e 1713. Neste último ano teve início o Tratado
de Utrecht, que pôs fim ao conflito, tendo sido acordado que a soberania do
Rochedo passaria para a Inglaterra.
Os espanhóis assinaram o Tratado, mas nunca se
conformaram, apesar de à luz do Direito Internacional não parecer haver bases
para qualquer exigência espanhola de retomar a soberania do local. A não ser
que os gibraltinos intentassem um processo de auto determinação – como parece
estar a acontecer na Catalunha – e, mesmo nesse caso, se quisessem ligar-se à
Espanha.
Madrid já afirmou não reconhecer o resultado de
qualquer referendo no território e ameaça apoiar a Argentina nas suas
reivindicações sobre as Malvinas.
Porém, relativamente a Ceuta e Melila o Governo
de «nuestros hermanos» entende que as razões que aduz para aceder a Gibraltar
não são lícitas por parte de Marrocos que pretende que as cidades passem para a
sua tutela.
A Espanha está em Marrocos por vicissitudes da
História, desde o tempo em que a conquista era considerada lícita, entre os
povos. Madrid herdou Ceuta de Portugal, em 1640, já que a cidade foi o único
domínio luso em todo o mundo que não aclamou D. João IV (o capitão da praça, ao
contrário do estabelecido nas Cortes de Tomar de 1581, era Castelhano).
Como se sabe o nosso país esteve presente no
Norte de África durante 354 anos, tendo abandonado por sua iniciativa a última
cidade – Mazagão – em 1769.
Curiosamente o último território que a Espanha
abandonou na costa marroquina, foi o enclave do IFNI, em 1958, depois de uma
mini guerra de que saíram vencedores…
Vá lá a gente entendê-los…
Onde, em rigor, os espanhóis não têm razão
alguma, é na questão de Olivença e nas Selvagens.
A Praça de Olivença foi tomada na curta e
infeliz «Guerra das Laranjas», em 1801, inspirada num indecoroso acordo entre
Napoleão e a Corte Espanhola, onde pontuava o valido Manuel Godoy.
Para mal dos nossos pecados a rendição de
Olivença também foi feita de um modo militarmente indecoroso. Assinou-se um mal
alinhavado «Tratado de Badajoz» no qual Lisboa cedeu a Praça.
Com a 1.ª Invasão Francesa, em 1807,
quebraram-se parte dos compromissos em que o tratado se firmara, pelo que o
governo português logo reivindicou a vila e seu termo e declarou nulo o
tratado.
Tal veio a ser confirmado na Conferência de
Viena, de 1815, em que a Espanha (que só o assinou em 1817) se comprometeu a
devolver o território, português desde o Tratado de Alcanizes, de 1297, o que
até hoje não fizeram, tendo o cuidado de «espanholizar» toda a nossa população
(muita da qual se retirou do território) e cuidando, até há pouco tempo, de
fazer desaparecer a maioria das marcas lusas.
Quanto às Selvagens o caso ainda é mais
caricato, se tal é possível dizer.
Os nossos navegadores foram até lá pela primeira
vez em 1428 e sempre a área foi por nós frequentada. As Canárias foram cedidas
a Castela pelo Tratado de Alcáçovas/Toledo, de 1479/1480, após um contencioso
que se arrastava desde 1340. Mas as Selvagens não fizeram parte do «pacote».
Em 1938 a Comissão permanente do Direito
Marítimo Internacional confirmou a soberania portuguesa.
O Estado Português tornou-as reserva natural,
pertencentes ao Parque Natural da Madeira, criado em 1971.
O Arquipélago é constituído pela Selvagem
Grande, Pequena e Ilhéu de Fora, num total de 2,73 Km2, atingindo 163 metros de
altura. Tem dois guardas residentes e uma habitação de residência temporária de
uma família do Funchal.
Está situado a 250 Km da Madeira, 165 Km das
Canárias e 250 Km da costa africana; administrativamente fazem parte da
freguesia da Sé, Concelho do Funchal.
Fez bem o PR em ir lá dormir uma noite escoltado
por navios da nossa esquadra, numa afirmação de interesses e soberania,
incontroversa.
Nesta linha se deve realizar o exercício militar
previsto, para breve, na área.
E bom seria que a Diplomacia não dormisse (os
chefes militares também não) e o Governo não tergiversasse, procurando tirar
proveito das contradições insanáveis em que Madrid se enleia, em favor dos
nossos interesses.
É mister, ainda, tomar a iniciativa – que há
muito tarda – de, na próxima cimeira Luso-Espanhola (não Ibérica), começar por
dizer aos ministros espanhóis que queremos ser amigos da Espanha «à moda de
Navas de Tolosa e do Salado» e não de outra maneira; que desviem o olhar das
Selvagens e que cumpram o que se obrigaram após 1815, pois OLIVENÇA É TERRA
PORTUGUESA!
SIED – Serviço de
Informações Estratégicas de Defesa; SIS – Serviço de Informações de Segurança
Trata-se da «Convenção
das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assinada em Montego Bay, Jamaica, em 10/12/1982».
Charles – Maurice de
Talleyrand – Périgord (1754-1838), político e diplomata francês que conseguiu
servir muitos, diferentes e até opostos governos e regimes, durante imenso
tempo…
Gibraltar faz, porém,
parte de 17 territórios que são considerados pela ONU como «Non – Self – Governing Territories».
Destes, 11 estão debaixo da administração do Reino Unido.
Havia de ser curioso
de ver o que sucederia caso Portugal ou a Inglaterra, invocassem a Aliança
Inglesa, respectivamente, para solucionar, em caso de necessidade, os casos de
Olivença e Selvagens, ou Gibraltar e Malvinas…
Posteriormente, em
1774, foi assinado um notável Tratado de Paz entre Portugal e o Sultão de
Marrocos, que nunca foi rompido.
Como «curiosidade» a
Espanha que ocupava o Sahara Ocidental decidiu, em 26/02/1976, informar o
Secretário-Geral das Nações Unidas, que iriam terminar a sua presença naquele
território, isentando-se de qualquer responsabilidade internacional futura!
Marrocos reivindicou de imediato a soberania
sobre o mesmo que é contestada pelos Sahauris. Mais um problema por resolver.
Foram assim baptizadas
por Diogo Gomes de Sintra, em 1438, e terão sido descobertas pelos irmãos
Pizzigani, em 1364.
Há cerca de um ano,
questionei um Almirante espanhol, durante uma conferência, em Lisboa, sobre as
Selvagens, o qual simpaticamente me sossegou sobre as intenções do seu país. O
adido militar espanhol presente é que não pareceu nada satisfeito com a
questão.
Por exemplo o Estado do
Vaticano e o Mónaco são mais pequenos que as Selvagens.