José Gomes Ferreira
(A grafia foi transposta
para português porque aqui não entra «aborto ortográfico».)
Caros João
Cravinho, Manuela Ferreira Leite, Bagão Félix,Ferro
Rodrigues, Sevinate Pinto, Vitor Martins e demais subscritores do manifesto pela reestruturação da
divida publica: Que tal deixarem para a geração seguinte a tarefa de resolver
os problemas gravíssimos que vocês lhes deixaram? É que as vossas propostas já
não resolvem, só agravam os problemas. Que tal darem lugar aos mais novos?
Vi, ouvi, li, e não queria acreditar. 70 das mais
importantes personalidades do País, parte substancial da nossa elite, veio
propor que se diga aos credores internacionais o seguinte:
– Desculpem lá qualquer coisinha mas nós não
conseguimos pagar tudo o que vos devemos, não conseguimos sequer cumprir as
condições que nós próprios assinámos, tanto em juros como em prazos de
amortizações!
Permitam-me uma pergunta
simples e directa: Vocês
pensaram bem no momento e nas
consequências da vossa proposta, feita a menos de dois meses do anúncio do modo
de saída do programa de assistência internacional?
Imaginaram que, se os investidores internacionais
levarem mesmo a sério a vossa proposta, poderão começar a duvidar da capacidade
e da vontade de Portugal em honrar os seus compromissos e poderão voltar a
exigir já nos próximos dias um prémio de risco muito mais elevado pela compra
de nova dívida e pela posse das obrigações que já detêm?
Conseguem perceber que, na hipótese absurda de o
Governo pedir agora uma reestruturação da nossa dívida, os juros no mercado
secundário iriam aumentar imediatamente e deitar a perder mais de três anos de
austeridade necessária e incontornável para recuperar a confiança dos
investidores, obrigando, isso sim, a um novo programa de resgate e ainda a mais
austeridade, precisamente aquilo que vocês dizem querer evitar?
Conseguem perceber que, mesmo na hipótese absurda
de os credores oficiais internacionais FMI, BCE e Comissão Europeia aceitarem a
proposta, só o fariam contra a aceitação de uma ainda mais dura
condicionalidade, ainda mais austeridade?
Conseguem perceber que os credores externos,
nomeadamente os alemães, iriam imediatamente responder – Porque é que não
começam por vocês próprios?
Os vossos bancos não
têm mais de 25 por cento da vossa dívida pública nos seus balanços, mais de 40
mil milhões de euros, e o vosso Fundo de Capitalização da Segurança Social não
tem mais de 8 mil milhões de euros de obrigações do Tesouro? Peçam-lhes um
perdão parcial de capital e de juros.
Conseguem perceber que, neste caso, os bancos
portugueses ficariam à beira da falência e a Segurança Social ficaria
descapitalizada?
Nenhum de vós, subscritores do
manifesto pela reestruturação da dívida pública, faria tal proposta se fosse
Ministro das Finanças. E sobretudo não a faria
neste delicadíssimo momento da vida financeira do país. Mesmo sendo uma
proposta feita por cidadãos livres e independentes, pela
sua projecção social poderá ter impacto externo e levar a uma
degradação da percepção dos investidores, pela qual vos devemos
responsabilizar desde já. Se isso acontecer, digo-vos que como cidadão contribuinte
vou exigir publicamente que reparem o dano causado ao Estado.
Conseguem perceber porque é que o partido que pode
ser Governo em breve, liderado por António José Seguro, reagiu dizendo apenas
que se deve garantir uma gestão responsável da dívida pública e nunca falando
de reestruturação?
Pergunto-vos também se não sabem
que uma reestruturação de dívida pública não se pede, nunca se anuncia
publicamente. Se é preciso fazer-se, faz-se. Discretamente, nos sóbrios
gabinetes da alta finança internacional.
Aliás, vocês não sabem que Portugal já fez e
continua a fazer uma reestruturação discreta da nossa dívida
pública? Vítor Gaspar como ministro das Finanças e Maria Luis
Albuquerque como Secretária de Estado do Tesouro negociaram com o BCE e a
Comissão Europeia uma baixa das taxas de juro do dinheiro da assistência, de cerca
de 5 por cento para 3,5 por cento. Negociaram a redistribuição das maturidades
de 52 mil milhões de euros dos respectivos créditos para o período
entre 2022 e 2035, quando os pagamentos estavam previstos para os anos
entre 2015 e 2022, esse sim um calendário que era insustentável.
Ao mesmo tempo, juntamente com o IGCP dirigido por
João Moreira Rato, negociaram com os credores privados Ofertas Públicas de
Troca que consistem basicamente em convencê-los a receber o dinheiro mais
tarde.
A isto chama-se um «light restructuring»,
uma reestruturação suave e discreta da nossa dívida, que continua a ser feita
mas nunca pode ser anunciada ao mundo como uma declaração de incapacidade de
pagarmos as nossas responsabilidades.
Sabem que em consequência destas iniciativas, e
sobretudo da correcção dos défices do Estado, dos cortes de despesa
pública, da correcção das contas externas do país que já
vai em quase 3 por cento do PIB, quase cinco mil milhões de euros de saldo
positivo, os credores internacionais voltaram a acreditar em nós. De tal forma
que os juros das obrigações do Tesouro a 10 anos no mercado secundário já estão
abaixo dos 4,5 por cento.
Para os mais distraídos, este é o valor médio dos
juros a pagar pela República desde que aderimos ao Euro em 1999. O valor
factual já está abaixo. Basta consultar a série longa das Estatísticas do Banco
de Portugal.
E sim, Eng. João
Cravinho, é bom lembrar-lhe que a 1 de Janeiro de 1999, a taxa das
obrigações a 10 anos estava nos 3,9 por cento mas quando o seu Governo saiu, em
Outubro desse ano, já estava nos 5,5 por cento, bem acima do valor actual.
É bom lembra-lhe que fazia parte de um Governo que
decidiu a candidatura ao Euro 2004 com 10 estádios novos, quando a UEFA exigia
só seis. E que decidiu lançar os ruinosos projectos de SCUT, sem
custos para o utilizador, afinal tão caros para os contribuintes. O resultado
aí está, a pesar na nossa dívida pública.
É bom lembrar aos subscritores do manifesto pela
reestruturação da dívida pública que muitos de vós participaram nos Conselhos
de Ministros que aumentaram objectivamente a dívida
pública directa e indirecta.
Foram corresponsáveis pela
passagem dos cheques da nossa desgraça actual.
Negócios de Estado ruinosos, negócios com privados que afinal eram da responsabilidade
do contribuinte. O resultado aí está, a
pesar directa e indirectamente nos nossos bolsos.
Sim, todos sabemos que quem pôs o acelerador da
dívida pública no máximo foi José
Sócrates, Teixeira dos Santos, Costa Pina, Mário Lino, Paulo Campos, Maria de
Lurdes Rodrigues com as suas escolas de luxo que foram uma festa
para a arquitectura e agora queimam as nossas finanças.
Mas em geral, todos foram responsáveis pela maneira
errada de fazer política, de fazer negócios sem mercado, de misturar política
com negócios, de garantir rendas para alguns em prejuízo de todos.
Sabem perfeitamente que em todas as crises de
finanças públicas a única saída foi o Estado parar de fazer nova dívida e
começar a pagar a que tinha sido acumulada. A única saída foi a austeridade.
Com o vosso manifesto, o que pretendem? Voltar a
fazer negócios de Estado como até aqui? Voltar a um modelo de gastos públicos
ruinosos com o dinheiro dos outros?
Porque é que em vez de dizerem que a dívida é
impagável, agravando ainda mais a vida financeira das gerações seguintes, não
ajudam a resolver os gravíssimos problemas que a economia e o Estado
enfrentam e que o Governo não tem coragem
nem vontade de resolver ao contrário do que diz aos portugueses?
Porque é que não contribuem para que se faça uma
reforma profunda do Estado, no qual se continuam a gastar recursos que não
temos para produzir bens e serviços inúteis, ou para muitos departamentos
públicos não produzirem nada e ainda por cima impedirem os empresários de
investir com burocracias economicamente criminosas?
Porque não canalizam as vossas
energias para ajudar a uma mudança profunda de uma economia que
protege sectores inteiros da verdadeira
concorrência prejudicando as famílias, as PME, as empresas exportadoras e
todos os que querem produzir para substituir importações em condições de
igualdade com outros empresários europeus?
Porque não combatem as
práticas de uma banca que cobra os spreads e as comissões mais caros da Europa?
Um sector eléctrico que recebe demais
para não produzir electricidade na produção clássica e para produzir
em regime especial altamente subsidiado à custa de todos nós?
Um sector das telecomunicações que, apesar de
parcialmente concorrencial, ainda cobra 20, 30 e até 40 por cento acima da
média europeia em certos pacotes de serviços?
Porque não ajudam a cortar a sério nas rendas das
PPP e da Energia? Nos autênticos passadouros de dinheiros públicos que são as
listas de subvenções do Estado e de isenções fiscais a tudo o que é Fundações e
Associações, algumas bem duvidosas?Acham que tudo está bem nestes
sectores?
Ou será que alguns de vós
beneficiam directa ou indirectamente com a velha maneira de fazer negócios em
Portugal e não querem mudar de atitude?
Estará a vossa iniciativa
relacionada com alguns cortes nas vossas generosas pensões?
Pois no meu caso eu já estou a pagar IRS a 45 por
cento, mais uma sobretaxa de 3,5 por cento, mais 11 por cento de Segurança
Social, o que eleva o meu contributo para 59,5 por cento nominais e não me
estou a queixar.
Sabem, a minha reforma já foi mais cortada que a
vossa. Quando comecei a trabalhar, tinha uma expectativa de receber a primeira
pensão no valor de mais de 90 por cento do último salário. Agora tenho uma
certeza: a minha primeira pensão vai ser de 55 por cento do último salário.
E não me estou a queixar, todos temos de
contribuir.
Caros subscritores do
Manifesto para a reestruturação da dívida pública, desculpem a franqueza: a
vossa geração está errada. Não agravem ainda mais os problemas que deixaram
para a geração seguinte. Façam um favor ao país – não criem mais problemas.
Deixem os mais novos trabalhar.