João
José Brandão Ferreira, Oficial Piloto Aviador
«Muito honrado capitão Paxá, bem vi as palavras da tua carta. Se em Rhodes
tivessem estado os cavaleiros que estão aqui neste curral podes crer que não a
terias tomado. Fica a saber que aqui estão portugueses acostumados a matar
muitos mouros e têm por capitão António da Silveira, que tem um par de tomates
mais fortes que as balas dos teus canhões e que todos os portugueses aqui têm
tomates e não temem quem não os tenha!»
Resposta que deu António da Silveira, capitão de Diu, à carta que Suleimão
Paxá, comandante turco (que era eunuco), que com 70 galés e 23 000 homens
cercava a cidade, defendida por 600 portugueses.
Nessa carta, Suleimão prometia livre saída de pessoas e bens, desde que entregassem
a fortaleza e as armas. E prometia esfolar vivos, todos os que não o fizessem,
gabando-se de ter com ele muitos guerreiros que ajudaram na conquista de
Belgrado, a Hungria e a Ilha de Rhodes. Perguntava no fim a Silveira, como se
iria defender num «curral com tão pouco gado!»
Gaspar Correia, «Crónica dos Feitos da Índia», Vol. IV, pág. 34-36.
Recep Tayyip Erdogan, 63
anos, é o Chefe de Estado de um país chamado Turquia, membro da NATO, aspirante
frustrado a membro da UE e herdeiro de um dos mais temíveis impérios existentes
à face da terra, no segundo milénio da era de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Império que ganhou projecção mundial após conquistar Constantinopla em 1453,
data que marca o fim do Império Romano do Oriente e tida como marco inicial
para o que se convencionou chamar «Idade Moderna».
O Império Otomano
(1299-1923), que tinha o seu núcleo original no Planalto da Anatólia, quis
expandir-se em todas as direcções, nomeadamente para oeste, tendo progredido
perigosamente no Norte de África, nos Balcãs e no Mediterrâneo Oriental.
Este império foi
finalmente sustido no Norte de África, quando já estava em Argel (porventura a
maior motivação para D. Sebastião ter querido ir a Larache, principal objectivo
a preservar e que não incluía a surtida que acabou tragicamente em Alcácer Quibir);
no Mediterrâneo Oriental foram derrotados na batalha naval de Lepanto, em 1571,
mas nunca se conformaram – note-se que foi graças à esquadra portuguesa que
foram batidos novamente em Matapão, em 19 de Julho de 1717, faz este ano 300
anos.
Finalmente progrediram
nos Balcãs, em direcção à Europa Central, até efectuarem dois terríveis cercos
a Viena, coração do Império Austro-Húngaro, dos Habsburgo, em 1529 e 1683, data
em que foram inexoravelmente derrotados.
O «croissant», massa
folhada em forma de «crescente vermelho», que se passou a comer ao
pequeno-almoço e ao lanche, aí está a ilustrar a vitória. Ou seja, cada vez que
se come um croissant, quer dizer que se «come» um turco ao pequeno-almoço…
É possível que os
turcos, desde então, não achem graça à coisa.
No fim da I Guerra
Mundial a dinastia Otomana desapareceu e o seu império desagregou-se, tendo
grande parte dos seus territórios ficado debaixo do controlo de potências
ocidentais vencedoras da guerra, sob mandato da então Sociedade das Nações,
nomeadamente a França e a Inglaterra.
Mais tarde a maioria
destes territórios veio a adquirir, sucessivamente, a independência.
A criação do Estado de
Israel, em 1948, veio baralhar e complicar ainda mais a complexa geopolítica da
região.
Em 1923, o general Mustafá
Kemal Atatürk assumiu o cargo de primeiro Presidente da República da Turquia,
até à sua morte em 10/11/1938, e transformou o país num estado laico, onde os
militares tinham um peso desproporcionado.
A necessidade de conter
a URSS no início da Guerra-Fria, no fim da Segunda Guerra Mundial e arranjar um
estado tampão no Cáucaso e Médio Oriente, fez com que a Turquia fosse convidada
a aderir à NATO, o que aconteceu em 1952.
A Turquia apesar de
tudo, dos problemas internos – onde se destaca a questão curda – e dos ódios
figadais e seculares (por vezes milenares) entre todos os povos daquela região,
teve um papel mais estabilizador do que o contrário.
Seria ocioso explicitar
tudo o que se passou.
A Turquia tirou partido
da sua participação na NATO, onde a quezília secular com a Grécia, agravada
pelo conflito cipriota, constituiu sempre uma dor de cabeça para a Aliança (e
agora é também para a UE), recebeu armamento moderno, acesso a tácticas,
doutrinas e logística, e permitiu trocas comerciais com os países do Ocidente,
facilitando a emigração de largas massas de turcos e curdos para a Europa.
O ovo da serpente
começou a crescer desmesuradamente…
E pertencer à NATO
ajudava a conter um dos seus ancestrais inimigos, o Império Russo!
Quando Erdogan chega a
chefe do Governo (2003-2014) e a presidente, logo de seguida, tudo muda: cada
vez há maior oposição na UE, nomeadamente em França (melhor dizendo, no Grande
Oriente Francês…) relativamente à entrada da Turquia na UE. Chegaram inclusive,
ao ponto de assumirem como «dogma de fé» que na Arménia tinha havido um
genocídio de cristãos, feito pelos Otomanos, entre 1915 e 1923 (o que por acaso
até é verdade).[1]
Ankara, obviamente
estrebuchou.
Erdogan – que em 1994,
proferiu uma frase algo premonitória, «a democracia é um comboio: quando se
chega ao nosso destino, saímos» – começou paulatinamente a por de lado a
herança de Atatürk e a retirar poderes aos militares.
A seguir entrou numa
deriva islamita, torpedeando o laicismo e aproximando-se de tudo o que
preconiza o Corão.
Finalmente envolveu-se
no conflito Sírio e ficou submerso de refugiados.
Em 15/7/2016 deu-se um
estranhíssimo caso de tentativa de golpe de Estado.
O que se passou parece
um decalque do «11 de Março de 75», português.
Erdogan não perde tempo
e parte à perseguição dos seus opositores.
Prendeu-os e saneou-os,
às dezenas de milhar e insiste para que os EUA extraditem um conterrâneo seu
(de que ninguém ouvira falar até então), como suposto cabecilha do frustrado
golpe de Estado.
O homem – Fethullah
Gülen – ainda vive nos EUA, mas as principais potências ficaram quedas e mudas,
a olharem para ontem, sem saberem o que fazer ou dizer.
Erdogan tarda, mas
arrecada.
Com estes trunfos na
mão, embala para mudar a Constituição a fim de reforçar o seu poder. Pelos
vistos a eternizar-se nele.
Estamos pois em vista de
um potencial «Califa», que a seu tempo ocupará o palácio de Topkapi. Só falta
organizar o Serralho e o Regimento de Janízaros.
Porém, para obter estes
poderes necessita de votos para um referendo que quer fazer, prestes. Os turcos
existentes nos seus domínios não lhe chegam e pretende catequizar a diáspora.
E não se fez rogado:
país onde houvesse comunidade que valesse a pena influenciar, seria «invadida»
por comparsas seus, a começar por membros do seu próprio governo!
Não sabemos exactamente
o modo como informou os governos dos países visados ou sequer se deu ao
trabalho de o fazer; queria ir e pronto!
Quando os governos e as
opiniões públicas de alguns dos países europeus visados souberam da trama,
dispuseram-se a contestar tais desejos/ordens.
O que espoletou a ira do
putativo otomano e foi um ver se te avias de guerra de palavras, ameaças e
despautérios.
O que encontra amplos
antecedentes nos devaneios democráticos e cobardia dos países europeus e da UE,
a que têm o despautério de apelidar de «superioridade moral da democracia»!
Chamam-lhe um figo…
Os países europeus
reagiram individualmente de um modo frouxo, cobardolas e apaziguador, o que
denota o estado de degenerescência política, social e anímica, em que a Europa
se encontra (para já não falar na incapacidade militar, que é consequência
daquelas…).
A UE como tal, não
reagiu e por cá ouviram-se umas frases de circunstância circunspecta. Ou seja
os europeus viraram uns verdadeiros eunucos…
Entretanto o grão-turco
profere ameaças e manda, filantropicamente – só pode – as famílias turcas
emigradas, terem cinco filhos.
Compreende-se: enquanto
não têm balas, disparam rebentos.
Como fazem cá falta os
tomates do capitão António da Silveira e dos cavaleiros que estavam com ele, em
Diu.
[1] Onde se estimam
tenham perecido entre 800 000 a 1 800 000 pessoas.