sexta-feira, 16 de março de 2012

O acordo ortográfico e o futuro da língua portuguesa


Maria Clara Assunção

Tem-se falado muito do Acordo Ortográfico e da necessidade de a língua evoluir no sentido da simplificação, eliminando letras desnecessárias e acompanhando a forma como as pessoas realmente falam. Sempre combati o dito Acordo mas, pensando bem, até começo a pensar que este peca por defeito. Acho que toda a escrita deveria ser repensada, tornando-a mais moderna, mais simples, mais fácil de aprender pelos estrangeiros.
Comecemos pelas consoantes mudas: deviam ser todas eliminadas.
É um fato que não se pronunciam. Se não se pronunciam, porque ão-de escrever-se? O que estão lá a fazer? Aliás, o qe estão lá a fazer? Defendo qe todas as letras qe não se pronunciam devem ser, pura e simplesmente, eliminadas da escrita já qe não existem na oralidade.
Outra complicação decorre da leitura igual qe se faz de letras diferentes e das leituras diferentes qe pode ter a mesma letra.
Porqe é qe «assunção» se escreve com «ç» e «ascensão» se escreve com «s»?
Seria muito mais fácil para as nossas crianças atribuír um som único a cada letra até porqe, quando aprendem o alfabeto, lhes atribuem um único nome. Além disso, os teclados portugueses deixariam de ser diferentes se eliminássemos liminarmente o «ç».
Por isso, proponho qe o próximo acordo ortográfico elimine o «ç» e o substitua por um simples “s” o qual passaria a ter um único som.
Como consequência, também os «ss» deixariam de ser nesesários já qe um «s» se pasará a ler sempre e apenas «s».
Esta é uma enorme simplificasão com amplas consequências económicas, designadamente ao nível da redusão do número de carateres a uzar. Claro, «usar», é isso mesmo, se o «s» pasar a ter sempre o som de «s» o som «z» pasará a ser sempre reprezentado por um «z».
Simples não é? se o som é “s”, escreve-se sempre com s. Se o som é «z» escreve-se sempre com «z».
Quanto ao «c» (que se diz «cê» mas qe, na maior parte dos casos, tem valor de «q») pode, com vantagem, ser substituído pelo «q». Sou patriota e defendo a língua portugueza, não qonqordo qom a introdusão de letras estrangeiras. Nada de «k».
Não pensem qe me esqesi do som «ch».
O som «ch» pasa a ser reprezentado pela letra «x». Alguém dix «csix» para dezinar o «x»? Ninguém, pois não? O «x» xama-se «xis». Poix é iso mexmo qe fiqa.
Qomo podem ver, já eliminámox o «c», o «h», o «p» e o «u» inúteix, a tripla leitura da letra «s» e também a tripla leitura da letra «x».
Reparem qomo, gradualmente, a exqrita se torna menox eqívoca, maix fluida, maix qursiva, maix expontânea, maix simplex. Não, não leiam «simpléqs», leiam simplex. O som «qs» pasa a ser exqrito «qs» u qe é muito maix qonforme à leitura natural.
No entanto, ax mudansax na ortografia podem ainda ir maix longe, melhorar qonsideravelmente.
Vejamox o qaso do som «j». Umax vezex excrevemox exte som qom «j» outrax vezex qom «g». Para qê qomplicar?!?
Se uzarmox sempre o «j» para o som «j» não presizamox do «u» a segir à letra «g» poix exta terá, sempre, o som «g» e nunqa o som «j». Serto? Maix uma letra muda qe eliminamox.
É impresionante a quantidade de ambivalênsiax e de letras inuteix qe a língua portugesa tem! Uma língua qe tem pretensõex a ser a qinta língua maix falada do planeta, qomo pode impôr-se qom tantax qompliqasõex? Qomo pode expalhar-se pelo mundo, qomo póde tornar-se realmente impurtante se não aqompanha a evolusão natural da oralidade?
Outro problema é o dox asentox. Ox asentox só qompliqam!
Se qada vogal tiver sempre o mexmo som, ox asentox tornam-se dexnesesáriox.
A qextão a qoloqar é: á alternativa? Se não ouver alternativa, pasiênsia.
É o qazo da letra «a». Umax vezex lê-se «á», aberto, outrax vezex lê-se «â», fexado. Nada a fazer.
Max, em outrox qazos, á alternativax.
Vejamox o «o»: umax vezex lê-se «ó», outrax vezex lê-se «u» e outrax, ainda, lê-se «ô». Seria tão maix fásil se aqabásemox qom isso! Para qe é qe temux o «u»? Para u uzar, não? Se u som «u» pasar a ser sempre reprezentado pela letra «u» fiqa tudo tão maix fásil! Pur seu lado, u «o» pasa a suar sempre «ó», tornandu até dexnesesáriu u asentu.
Já nu qazu da letra «e», também pudemux fazer alguma qoiza: quandu soa «é», abertu, pudemux usar u «e». U mexmu para u som «ê». Max quandu u «e» se lê «i», deverá ser subxtituídu pelu «i». I naqelex qazux em qe u «e» se lê «â» deve ser subxtituidu pelu «a».
Sempre. Simplex i sem qompliqasõex.
Pudemux ainda melhurar maix alguma qoiza: eliminamux u «til» subxtituindu, nus ditongux, «ão» pur «aum», «ães» – ou melhor «ãix» - pur «ainx» i «õix» pur «oinx». Ixtu até satixfax aqeles xatux purixtax da língua qe goxtaum tantu de arqaíxmux.
Pensu qe ainda puderiamux prupor maix algumax melhuriax max parese-me qe exte breve ezersísiu já e sufisiente para todux perseberem qomu a simplifiqasaum i a aprosimasaum da ortografia à oralidade so pode trazer vantajainx qompetitivax para a língua purtugeza i para a sua aixpansaum nu mundu.
Será qe algum dia xegaremux a exta perfaisaum?



quinta-feira, 15 de março de 2012

Ordem de serviço no Tribunal de Viana do Castelo interdita
a utilização da nova grafia


Um juiz do tribunal de Viana do Castelo emitiu uma ordem de serviço proibindo a utilização da grafia do novo Acordo Ortográfico, alegando que os tribunais não estão abrangidos pela resolução do Governo.
A decisão do juiz Rui Estrela Oliveira consta de uma ordem de serviço datada de 23 de Janeiro deste ano e aplica-se a todos os processos e tramitações do segundo Juízo Civil daquele tribunal, sendo justificada pelo próprio, em entrevista à Agência Lusa, como uma «questão eminentemente jurídica».
O juiz recorda a resolução do Conselho de Ministros de Dezembro de 2010, que «determina que, a partir de 1 de Janeiro de 2012, o Governo e todos os serviços, organismos e entidades sujeitos aos poderes de direção, superintendência e tutela do Governo aplicam a grafia do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa», para concluir: «Esta antecipação de efeitos não engloba os tribunais, porque não fazem parte do Governo. Não são superintendidos, não são dirigidos nem são tutelados pelo Governo». Este é o primeiro motivo para não aplicar o Acordo Ortográfico.
Interpretação jurídica
Paralelamente, a «preocupação» deste juiz, plasmada na ordem de serviço, vai ainda mais longe e chega à própria interpretação jurídica de textos, conforme a aplicação da nova ou da antiga grafia, dando forma ao segundo motivo.
«Se há campo onde há mais mudanças, na intensidade de utilização de certas palavras, é no Direito. Pode provocar, com o mesmo texto, um sentido totalmente diferente. Isto nunca foi pensado nem acautelado de nenhum modo. Juridicamente é muito importante o que se diz e o modo como se diz», afirma ainda o juiz.
Aponta como exemplo uma construção da sua autoria, envolvendo «corretores» da bolsa e a função de «corrector», esta pela antiga grafia.
«De início, o corretor da sala 3 assumia a função de corretor do corretor da sala 2, para depois passar a ser o corretor de todos, até do corretor da última sala que, confrontado com a situação, esboçou um sorriso», apontou o juiz, para logo depois concluir: «Uma vez que corrector perdeu o 'c', o sentido é indecifrável».
Quebra de liberdade
O que o leva ao encontro do terceiro motivo para não aplicar o Acordo Ortográfico. «Alguém que está a escrever, se se apercebe disto, não vai escrever. E aí há uma quebra da sua liberdade», garante, assumindo ainda a possibilidade de, com a nova grafia, poder haver «uma situação em que o Tribunal não é entendido na sua ordem», sobretudo por quem apenas aprendeu uma grafia em toda a vida.
Por outro lado, este juiz entende que a aplicação do novo Acordo Ortográfico ainda «não entrou em vigor na ordem jurídica portuguesa», classificando a antecipação da sua aplicação como "um bocadinho forçada, tendo em conta as características do Direito".
«À partida, o prazo de adaptação deve ser o mais longo possível para os tribunais», afirma o juiz Rui Estrela Oliveira, reconhecendo um dos efeitos da sua decisão: «Agradecimentos dos advogados. Fundamentalmente isso».  

terça-feira, 13 de março de 2012

A desmistificação de uma contradição


Gonçalo Portocarrero de Almada








1. Todas as pessoas são livres de opinar sobre o que quiserem, mas só algumas têm a competência necessária para dirimirem, com autoridade, uma questão polémica. A Maçonaria talvez possa permitir que os seus súbditos sejam católicos, mas não que os cristãos sejam maçons, porque só a Igreja, pela voz autorizada do seu magistério e da sua hierarquia, é apta para decidir se um fiel pode, ou não, pertencer à Maçonaria.
2. Sobre esta matéria, a verdade é que a Igreja não tem sido omissa. Já em 1738, com a Constituição Apostólica In eminenti, de Clemente XII, a Maçonaria foi formal e expressamente proibida aos católicos, sob pena de excomunhão. Desde então, todos os papas confirmaram a radical e insolúvel incompatibilidade entre as duas instituições. Leão XIII, na Encíclica Humanum genus, de 1884, reafirmou a interdição dos fiéis aderirem à Maçonaria e, em mais 225 documentos, reiterou até à saciedade esta condenação. O diagnóstico foi sempre o mesmo: são duas visões insanavelmente divergentes no que respeita a Deus, ao homem, à verdade e à liberdade. Também os papas actuais, nomeadamente o beato João Paulo II e Bento XVI, mantiveram o mesmo veredicto que, portanto, se deve considerar doutrina definitiva e irreformável da Igreja. Pelo menos enquanto a Igreja e a Maçonaria forem o que são.
3. Também, do ponto de vista canónico, não há lugar para dúvidas. O anterior Código, de 1917, previa a pena máxima, ou seja, a excomunhão automática, para o católico que se inscrevesse numa qualquer loja maçónica. O Código actual, de 1983, embora não imponha de forma imediata essa sanção, que contudo também não exclui, esclarece que um cristão que pertença à Maçonaria fica, ipso facto, em situação de pecado grave ou mortal e, em consequência, privado da comunhão sacramental.
4. Como entender, então, que alguém se afirme publicamente como católico e maçon? A expressão, contraditória nos seus termos, só admite duas possíveis explicações.
A primeira hipótese é a de que o dito crente ignore, de boa-fé, a doutrina da Igreja sobre o particular, bem como a natureza intrinsecamente anticristã da Maçonaria.
Alguns cristãos - crianças, analfabetos, etc. - talvez desconheçam esta incompatibilidade, mas seria estranho que entre os maçons, uma elite supostamente tão ilustrada, se desse uma tal ignorância. É, no mínimo, curioso que, em pleno séc. XXI, haja ainda intelectuais, como os ditos pedreiros-livres, que desconheçam uma doutrina reafirmada repetidamente, há quase três séculos, pela Igreja, e atestada por nada menos do que 598 declarações unânimes do seu magistério!
Se a boa-fé for autêntica e tão crassa a ignorância, o crente maçon é inocente de uma tal incoerência. Mas deixará de o ser se, esclarecido sobre a impossibilidade de pertencer às duas entidades, não deixar a Maçonaria.
5. A outra hipótese é a de que o cristão, que publicamente se diz maçon, aja de má-fé. Com efeito, um fiel que, conhecendo minimamente a doutrina cristã, adere consciente e voluntariamente a uma ideologia que sabe ininterrupta e fundadamente proibida por todos os papas, de fiel só tem o nome. De facto, um soldado, que desobedece a quase seiscentas ordens dos seus legítimos superiores, não é apenas um refractário, mas um desertor, ou um traidor. Talvez fosse pensando nestes tais «cristãos» que Paulo VI afirmou que o fumo de Satanás se infiltrou na Igreja de Deus...
Quem, de forma tão acintosa, desrespeita um mandato formal da máxima autoridade religiosa e disso faz público alarde, ofende gravemente a Igreja, que devia amar e servir. Aliás, estes «cristãos», que são tão solícitos no apoio à «sua» Maçonaria, nunca vêm a público defender a Igreja, ou o seu magistério, que amiúde contradizem. Não em vão Cristo disse que é pelas obras que se conhecem os seus verdadeiros discípulos e, ainda, que ninguém pode servir a dois senhores.
6. Talvez seja esta a prova que faltava para poder concluir, na verdade da caridade, que a Maçonaria - não obstante a eventual boa-fé, por ignorância invencível, de alguns dos seus membros - continua fiel, apesar das suas campanhas de desinformação e de branqueamento do seu passado, ao seu ideário anticristão e anticlerical.
Afinal de contas, «católico maçon» não é apenas uma contradição, mas uma dupla mentira: nem católico... nem pedreiro!

Choque de titãs deixa deputados hesitantes face
ao Acordo Ortográfico


Adelino Gomes, Público online







Já se aproximavam as 18 horas quando a deputada Teresa Portugal (PS) abriu a última parte da sessão - aquela em que se iriam conhecer as posições dos representantes partidários acerca do acordo ortográfico, o tema que mobilizava desde as 10 e meia da manhã catedráticos, linguistas, editores, membros de institutos e associações da língua portuguesa, reunidos na sala do Senado da Assembleia da República, em Lisboa.
A deputada começou por historiar a «atribulada história dos múltiplos acertos e desacertos da ortografia» da língua portuguesa. Mas em breve não hesitaria em confessar-se dividida «perante uma argumentação igualmente convincente» que ouvira, ao início da tarde, quando Vasco Graça Moura e Carlos Reis esgrimiram argumentos contra e a favor do acordo ortográfico ratificado em 1990, mas que agora voltou uma vez mais ao Parlamento, como proposta de resolução apresentada pelo Governo, para resolver um imbróglio jurídico, facilitando a entrada em vigor do acordo de 1990 desde que pelo menos três dos oito países contratantes depositem os respectivos instrumentos de ratificação.
As frases-chave dos dois deputados que se lhe seguiram, do PSD e do CDS-PP, alinharam pelo mesmo tom: o PSD «manifesta abertura de espírito para valorizar todos os argumentos aqui ouvidos» (Ana Zita Gomes); «ficámos a conhecer todos os pontos de vista, nalguns casos, felizmente, antagónicos» (Pedro Mota Soares, do CDS-PP). As múltiplas interrogações com que o deputado do PCP, João Oliveira, recheou a sua intervenção («Será este acordo um factor de cooperação? De que serve um acordo ortográfico sem uma política da língua portuguesa no mundo?») indiciavam uma mesma reserva em desvendar o sentido de voto final, apenas revelado, na prática, pelo representante do Bloco de Esquerda (BE). Este, ficou claro, será de apoio ao acordo. Disse Luís Fazenda: «Respeitamos objecções levantadas por pessoas com competência técnica [referia-se aos linguistas que se manifestam contra aspectos do acordo]. Contudo, o que é importante é o sinal político e esse vai muito para além deste acordo de aproximação ortográfica e é o seguinte: no conjunto de Estados que se exprimem em português há uma cogestão da língua.» Graça Moura vs Carlos Reis
O carácter tão ostensivamente prudencial como os deputados se pronunciaram (alguns insistindo que falavam a título meramente pessoal) terá talvez a ver com o brilhantismo dos dois convidados especiais da audição parlamentar - Vasco Graça Moura e o catedrático de Coimbra e reitor da Universidade Aberta, Carlos Reis. Eurodeputado do PSD, escritor («esteta da escrita», chamou-lhe Teresa Portugal), Graça Moura não poupou palavras no ataque ao documento. A começar no título da intervenção - «Acordo ortográfico: a perspectiva do desastre». E a continuar nas intenções ocultas que nele descortina - «decerto à revelia das melhores intenções dos negociadores portugueses, o Acordo (...) serve interesses geopolíticos e empresariais brasileiros, em detrimento de interesses inalienáveis dos demais falantes de português no mundo», em especial de Portugal, e representa «uma lesão inaceitável de um capital simbólico acumulado e de projecção planetária». Vasco Graça Moura distribuiu pelo documento críticas de carácter jurídico (para o Acordo vigorar na ordem interna portuguesa não lhe bastam a aprovação parlamentar e a ratificação do Presidente da República - necessita de «ter assegurada a sua vigência no ordenamento internacional», algo que está longe de acontecer pois foi ratificado até agora por três dos oito Estados de língua portuguesa); de carácter processual (o Governo «não consultou nenhuma Universidade, nem o Conselho de Reitores, nem a Associação Portuguesa de Escritores, nem a Sociedade de Língua Portuguesa») e, sobretudo, de carácter técnico. Os defensores do Acordo, disse, não deram resposta até hoje «a nenhuma das críticas científicas» formuladas por linguistas. «O único objectivo real de toda a negociação do Acordo», acusa, foi o de suprimir as consoantes mudas ou não articuladas «c» e «p», o que levará a «homogeneizar integralmente a grafia portuguesa com a brasileira (...) desfigurando a escrita, a pronúncia e a língua que são as nossas».
Carlos Reis avançou logo com uma «declaração de desinteresses» seguida de outra de interesses: «Não tenho dependências económicas nem cumplicidades políticas; a minha única preocupação é com a Língua Portuguesa como idioma dividido por oito países.»
O que está em causa neste acordo ortográfico, disse, «é aproximar o modo como escrevemos do modo como falamos (...). Há alguma ofensa cultural se passo a escrever “elétrico" em vez de "eléctrico"?», perguntou, numa rajada de interrogações em que quis saber se Portugal se deve manter agarrado a uma «concepção conservadora da ortografia»; se serão os interesses das editoras «absolutamente determinantes para condicionarem decisões de amplo alcance a alargado espectro cultural»; se «podem alguns portugueses persistir em encarar o Brasil como um parceiro menor neste processo ou até como um inimigo»; e se Portugal tem o direito de colocar obstáculos, «as mais das vezes artificiais ou fundados em interesses económicos, a um entendimento que não afecta identidades nem legítimas singularidades linguísticas».

Porque é que o bebé há-de viver?


Pedro Vaz Patto






Muita polémica e indignação gerou a publicação de um artigo numa revista de ética médica (Journal of medical ethics), da autoria de Alberto Giubilini e Francesa Minerva, com o título O aborto pós- natal; porque é que o bebé há-de viver?. Nele se defende a tese de que é lícito matar um bebé recém-nascido. Não se fala em infanticídio, mas em aborto pós- natal, porque o bebé recém-nascido, como o embrião e o feto, não tem o estatuto moral de pessoa. Não basta ser humano para ter direito a viver. Só tem o estatuto de pessoa e o direito a viver quem é capaz de atribuir valor à sua existência porque formula objetivos («aims») para o futuro dessa existência e tem, por isso, interesse em viver. Quem não tem essa capacidade (como sucede com o recém-nascido, mas já não com alguns animais não humanos), não sofre qualquer privação ou dano quando morre. Pode um recém-nascido sofrer um dano quando a morte lhe causa dor. E pode ele ter algum valor moral quando os pais querem que ele viva. Mas se isso não acontecer, nada obsta a que se mate um recém-nascido, não só quando ele padeça de alguma deficiência (o que já sucede na Holanda, onde é, nesse caso, lícita a chamada eutanásia pós-natal) e a vida possa ser, supostamente, para ele um fardo; mas também quando ele, por qualquer motivo, represente um fardo, psicológico e económico, para os pais e a sociedade. Os interesses destes (pessoas actuais) prevalecem sempre sobre os de quem ainda não é pessoa e só o será potencialmente. Nas primeiras semanas após o nascimento, a criança não tem capacidade de ter objectivos («aims») para a sua vida. E mesmo quando, pouco depois, começa a ter essa capacidade de forma incipiente, esta ainda deve ceder perante a capacidade que têm os adultos de formular planos desenvolvidos para as suas próprias vidas. A morte da criança poderá, para os seus pais, ser menos traumatizante do que a autorização de adopção, porque neste caso a aceitação da realidade da perda definitiva pode ser mais difícil, pois não há a certeza da irreversibilidade e permanece a esperança do retorno. Quando assim for, é preferível matar a criança.

A tese não é inteiramente inovadora (já havia sido defendida pelos influentes académicos Michael Tooley e Peter Singer), mas ainda não tinha sido exposta com tanta crueza, nem levada a consequências que muitos considerarão tão arrepiantes.

Deve reconhecer-se a coerência da tese: entre o embrião, o feto e o recém- nascido não há uma diferença de natureza, qualitativa ou substancial. A criança antes e depois do nascimento não é substancialmente diferente. Estamos apenas perante fases distintas de um processo de evolução contínuo. Mas isso deve servir para estender a ilegitimidade do infanticídio à ilegitimidade do aborto, não para estender a pretensa legitimidade do aborto à pretensa legitimidade de infanticídio. Até porque também não há saltos de qualidade no processo de evolução contínuo que vai do nascimento à idade adulta.

A repulsa que espontaneamente tem causado esta tese (que revela como, apesar de tudo, permanece viva uma sensibilidade marcada pela cultura judaico-cristã e valores humanistas) quase dispensaria a tentativa de a refutar no plano racional. Estamos perante uma tese que é, antes de mais, contra-intuitiva. Mas não deixa de ser útil proceder a tal refutação.

Em coerência, a tese levaria ao absurdo de considerar que a perda da vida (como de outros direitos) não representa um dano para quem não tem consciência do mesmo, por estar temporariamente inconsciente (a dormir, por exemplo). Os autores do estudo respondem à objecção dizendo que nestes casos não há uma verdadeira incapacidade, mas uma simples privação temporária. Só que não se compreende a relevância dessa diferença. Será diferente ter a possibilidade de readquirir a consciência umas horas depois (como sucede com quem está a dormir), ou de a vir a adquirir alguns meses depois (como sucede com um recém-nascido)?

Ao pôr termo à vida de um feto ou de um recém-nascido não se está a privar estes de um interesse explícito e actual em viver, mas está-se a impedir (o que não é menos grave) que eles venham a adquirir esse interesse no futuro, como viriam a adquirir se não fosse impedido o seu natural desenvolvimento (nenhum de nós estaria hoje vivo se tivesse sido impedido esse natural desenvolvimento, o que representaria um inegável dano). A esta objecção, respondem os autores do estudo com um raciocínio falacioso, que assenta numa petição de princípio: dizem que quem ainda não tem o estatuto de pessoa (o que está por demonstrar), quem ainda não existe (o que não é seguramente verdade), não pode sofrer qualquer dano, e, por isso, os interesses das pessoas actuais prevalecem sempre sobre os interesses das pessoas potenciais. Mas o embrião, o feto e o recém-nascido, não existem apenas em potência, são já actuais, embora não tenham ainda actualizadas todas as suas potencialidades (o que sempre se verifica com a pessoa até à idade adulta, e até ao fim da vida).

A vida é o maior dos bens humanos e o primeiro dos direitos humanos, o pressuposto de todos os outros bens e de todos os outros direitos. Este é um dado objectivo. É assim mesmo que o seu titular não tenha consciência disso e disso não se aperceba. Se isso sucede, tal verifica-se porque há alguma debilidade devida à idade (do embrião, do feto, do recém-nascido, da criança), à doença ou à deficiência em graus extremos. Não é por causa de uma qualquer incapacidade ou debilidade que a pessoa perde dignidade, valor moral ou direitos. Pelo contrário, é precisamente nos casos de maior debilidade ou incapacidade que mais se justifica eticamente o cuidado dos outros e a tutela da ordem jurídica. Quem mais precisa de ser defendido é quem não é capaz de se defender por si próprio. É nesses casos que vale especialmente a advertência evangélica sobre o amor ao «mais pequeno dos meus irmãos». E também a regra de ouro comum a todas as religiões e correntes éticas laicas: «não faças aos outros o que não gostarias que te fizessem a ti» (a ti, que já fostes um feto ou um recém-nascido e a quem ninguém impediu o natural desenvolvimento). Ou a advertência da nota, publicada a propósito deste estudo, do Centro de Bioética da Universidade Católica italiana del Sacro Cuore: «se não formos capazes de tutelar quem não é capaz de se auto-tutelar poremos fim à própria ideia de democracia tal como a reconstruímos depois das violências totalitárias».

segunda-feira, 12 de março de 2012

Antologia de textos de Maria de Lourdes Pintasilgo


Heduíno Gomes


A esquerda que actua no seio da Igreja portuguesa procedeu à edição de uma antologia de textos de um dos seus mitos, Maria de Lourdes Pintasilgo (1930-2004), «um peixinho vermelho em água benta», como Salazar a qualificou.
Esta antologia tem prefácio de Marcelo Rebelo de Sousa e posfácio de Maria João Seixas, e é apresentada por Maria de Belém. O Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura e a agência Ecclesia participam na festa.
Registe-se.

Tão queridos que eles são


Nuno Serras Pereira







1. Os nossos queridíssimos e ternurentos irmãos que, com um amor infinito, adoram homicidiar esses horrendos e temíveis entes que são os execráveis concebidos por nascer, no seu benigno empenho esforçado por nos persuadir da desumanidade malvada de nos opormos à legalização/liberalização do excelso aborto, remédio e antídoto eficaz de todos os males da mulher e da sociedade, repetiram, insistiram, embezerraram, marralharam, caturraram, que, contrariamente a nós crescidos, os abjectos concebidos eram uma amálgama intrusa, invasora, dira e cruévil, inoculada, pérfida e venenosamente, no seio claustral das mulheres. Nada, mesmo absolutamente nada, assim nos doutrinaram, havia de comum entre um recém-nascido e um concebido ainda não parturido. O facto de sair, nascendo, do seio da grávida constituía uma mutação essencial que transformava o horripilante monstruoso num encantador e esplêndido ser humano, pessoa como nós. Eliminar uma criança parida era indubitavelmente um nefando infanticídio, totalmente inaceitável, uma barbaridade hedionda.
Nós, os fundamentalistas, crucificadores das mulheres grávidas, católicos fanáticos, inquisidores barbudos, casmurros desapiedados, instigadores e perpetuadores do flagelo do aborto, argumentámos, com a perfídia e a hipocrisia própria dos desalmados, a igualdade essencial da dignidade transcendente, do valor sublime, de cada ser humano, desde o seu início até ao seu termo, uma vez que não havia dissolução de continuidade desde a concepção até à morte; mas pelo contrário, adiantávamos na nossa presunçosa ignorância, eram sempre os mesmos, percorrendo diversa fases de desenvolvimento. E assim como o facto de um bebé nascido não ter ainda o cérebro completo, ou um menino não ter barba nem pêlos nas axilas, ou não ser capaz de procriar, por ainda não estar plenamente desenvolvido não fazia dele menos pessoa do que um jovem ou adulto, do mesmo modo as diversas fases de amadurecimento durante a prenhez são sinal de que aquele que será já o é, pois se assim não fora nunca seria.
Claro que quem tem uma noção exacta da realidade e a exprime não pode deixar de ser escorraçado, chacoteado, escarnecido como pulha tirano que pretende obstar a que espíritos egrégios decidam eles próprios nas suas fantásticas lucubrações subjectivistas produzir o real, o que é e o que não é, que uma coisa pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto, e outras deslumbrantes vacuidades do mesmo teor.
Uma vez conseguida a banalização do aborto os generosos benfeitores da humanidade que para ela contribuíram vêem agora num fervor, num excesso de caridade esclarecer as nossas mentes obscuras, iluminando as trevas da nossa cegueira para que vejamos claramente que um infante dado à luz afinal não é senão o mesmo que um concebido não nascido. Por isso pode e dever ser aniquilado, se os adultos assim o entenderem, pois isso não passa de um abortamento pós-parto. Seguramente que estas inteligências clarividentes, dotadas não só de grande talento como de uma genialidade imensa nos ensinarão num futuro breve, para nosso grande proveito, e bem de toda a humanidade, que há ainda mais classes de seres humanos que não são pessoas, ou por que nunca o foram ou porque o deixaram de ser. Afortunadamente, com o decorrer do tempo, os limites alargar-se-ão de modo a permitir uma cada vez maior abundância de viventes humanos desmascarados como não pessoas. Creio mesmo que todos estaremos ansiosos que nos classifiquem com tais de modo a que o nosso nada parasitário seja reconhecido e devidamente debelado com as medidas higiénicas adequadas à eliminação dos que, como nós, não são. Que alegria, que júbilo, que exultação virmos a ser letalmente eliminados para que os mais fortes e poderosos possam, como devem, singrar sem empecilhos para uma humanidade nova, constituída por super-homens! Os nossos cadáveres serão o estrume que lhes permitirá florescer! Viva a nossa morte!!!
Para grande gáudio dos geneticamente superiores, detentores da riqueza das nações, do domínio dos média, do poder político, desde há muito que se pratica de facto o infanticídio ou, como agora se deve dizer, o aborto pós-natal. O presidente Obama, tão do agrado do nosso Cardeal Patriarca, ainda antes de ser eleito presidente votou a favor do infanticídio dos bebés que sobrevivessem ao abortamento. Nalguns hospitais de Portugal, induz-se o parto para depois deixar morrer passivamente ou matar activamente a criança nascida dando-a como abortada.
Embora a taxa de sobrevivência de bebés nascidos prematuramente a partir das 22 semanas seja muito significativa ela é dispensada na maioria dos hospitais, com o equipamento necessário, um pouco por todo o mundo.
Um estudo realizado sobre 10. 000 recém-nascidos publicado, em Dezembro passado, no Journal of the American Medical Association que incidiu sobre a sobrevivência dos mesmos entre as 22 e as 25 semanas chegou aos seguintes resultados: sobrevivência às 22 semanas: 27, 1%; às 23 semanas: 41, 8%; às 24 semanas: 60% 4. O neonatalogista Carlo Bellieni depois de apresentar estes dados conclui: «Quantos adultos de pois de um ictus ou de um enfarte desejariam um prognóstico deste tipo? E a ninguém passa pela cabeça (por agora) em não socorrer quem tem um enfarte (ou de só o socorrer depois de ter conversado com os parentes) ».

Não queremos, pura e simplesmente


Vasco Graça Moura







A audição dos responsáveis pela petição «Em Defesa da Língua Portuguesa», de que sou o primeiro subscritor, teve lugar na Comissão de Ética, Sociedade e Cultura da Assembleia da República no dia 25 de Setembro, em sessão presidida pelo deputado-relator Feliciano Barreiras Duarte.Num texto que publicou no blogue oficial da petição (http://emdefesadalinguaportuguesa.blogspot.com/), Maria Alzira Seixo dá conta do modo como aquela audição decorreu. E nunca será demais encarecer a demolição total do Acordo Ortográfico a que, tanto Jorge Morais Barbosa como António Emiliano, os dois reputados professores de Linguística que com ela e comigo se deslocaram a São Bento, procederam uma vez mais na sessão referida.
Neste momento, o número de signatários da petição de todos os sectores ideológicos, políticos, profissionais e sociais já ultrapassa os 95 mil, o que, apesar do inevitável abrandamento de ritmo ocorrido em período de férias grandes, é extraordinariamente expressivo. É de esperar que as assinaturas continuem a acumular-se e parece evidente que o processo não pode parar até se chegar a um resultado satisfatório.
Por um lado, essas muitas dezenas de milhares de pessoas depositaram a sua expectativa e a sua confiança no bom andamento e no êxito na petição, bem como no empenhamento dos seus promotores. Por outro, não pode ainda considerar-se esgotado o conjunto de possibilidades de ataque ao Acordo Ortográfico, nem no plano analítico e argumentativo, nem no plano das acções a empreender.
Neste momento, o que parece mais adequado é aguardar pela feitura do relatório do deputado Feliciano Barreiras Duarte e esperar que esse documento seja presente ao plenário da Assembleia da República, nos termos legais. Se tudo correr como os seus promotores esperam, o objectivo da petição pode ser conseguido, levando à suspensão do Acordo Ortográfico para fins da sua revisão.
 O que neste momento está em apreço não tem nada que ver com o segundo protocolo modificativo que o Presidente da República ratificou há dois meses. Esse protocolo limita-se a estabelecer que a ratificação por três de sete países obriga os restantes quatro. Independentemente do absurdo jurídico e da imoralidade da coisa, temos que continua a não haver notícias de que Angola, Moçambique e a Guiné-Bissau se conformem com tal princípio e muito menos com o Acordo Ortográfico. Decorridos 18 anos, não o ratificaram porque não o querem...O que está agora em apreço é o próprio conteúdo do Acordo Ortográfico, ratificado em 1991. É a necessidade imperiosa de se proceder à revisão das enormidades e vícios de um documento que nunca se aplicou e uns quantos irresponsáveis continuam a defender. Ora nada impede que o Parlamento se debruce sobre esses problemas, já que, da parte do Governo, não há sinais de a gravidade e o alcance destas matérias terem, sequer, sido compreendidos. Entretanto, tornou-se patente urbi et orbi que o nosso Presidente da República, bem como o do Brasil e outras individualidades puderam perfeitamente exprimir-se em português nas Nações Unidas, sem qualquer necessidade de Acordo Ortográfico. Isso tornou-se possível porque houve quem pagasse os custos da interpretação, o que foi sempre o único problema...António Emiliano apresentou provas documentais (manual de estilo da Wikipedia e lista dos Locale ID and Language Groups da Microsoft) de que são consideradas inúmeras variantes ortográficas nacionais em línguas como o inglês, o espanhol ou árabe, o que não lhes impede a projecção mundial. No caso português, a lista da Microsoft apenas considera o português do Brasil (Portuguese-Brazilian) e o português padrão (Portuguese-Standard), isto é, apenas duas variantes contra 15 para o inglês e 20 para o espanhol.
 Em Junho, o ministro da Cultura afirmou no Brasil que se o acordo é uma coisa boa, «então que seja o mais depressa possível». Mas acrescentou: «Se é má, então não queremos, pura e simplesmente.»
Como o acordo é uma coisa péssima, basta pegar-lhe na palavra e continuar a assinar a petição. Não queremos, pura e simplesmente.