sexta-feira, 23 de março de 2018

O cônsul Aristides Sousa Mendes, a Verdade e a Mentira



Edição: Editora Apolo 70, Junho de 2013    ISBN: 9789892042909

SINOPSE
O embaixador Carlos Fernandes, diplomata de carreira e professor universitário, com vasta obra publicada, foi sempre um moderado, na sua vida privada e na pública. E é-o neste livro. Nunca quis entrar na política, mais ou menos partidária, para que foi convidado desde muito novo. Só quis servir o Estado, isto é, toda a comunidade portuguesa organizada como tal, e não apenas uma fracção dela. E serviu-o durante muitos anos e intensamente, como se verifica pelo seu extraordinariamente vasto curriculum vitae, tendo tido actividade notável na negociação dos acordos no seio da EFTA, na Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, e sido até pioneiro na elaboração e negociação dos acordos sobre protecção no trabalho e segurança social dos emigrantes, e na transferência de presos condenados e a cumprir prisão no estrangeiro.

Cansado de ler e ouvir tão abundantes como mirabolantes fantasias a respeito de A. de Sousa Mendes, enquanto cônsul de Portugal em Bordéus, em Junho de 1940, fantasias que este nunca invocou nem sugeriu, além de pressionado por vários amigos, dado que ele é, actualmente, a única pessoa viva que, ainda no MNE, conviveu com Sousa Mendes, e, crê-se, a única dos que sobre ele escreveram que o conheceu pessoalmente, decidiu escrever este livro, repondo a verdade sempre que o julgou necessário, sem deixar de evidenciar simpatia pessoal, não profissional, por este cônsul de Portugal, dadas as circunstâncias de tempo, lugar, e psicológicas em que actuou.

É, como verificarão, um livro muito bem documentado, e, sem dúvida, a queda de um mito, não de um anjo, já que esta descreveu-a o grande Camilo Castelo Branco de forma inexcedível.

O leitor vai encontrar aqui vasta informação relevante que certamente desconhecia, porque, propositadamente, se tem omitido ou deturpado, por razões políticas e económicas, que aborrecem a verdade.

Aristides, ao contrário do que se tem propalado, não deu 30.000 vistos dos quais 10.000 a judeus nos dias da ira, mas apenas entre 600 e 650, nunca tendo sido exonerado de cônsul de Portugal nem aposentado por Salazar, recebendo até morrer o seu vencimento como tal.

Desde alguns descendentes de Aristides até ao influente político americano de origem açoriana Tony Coelho, passando por grupos judaicos amestrados para isso, e por Jaime Gama e outros políticos portugueses, tem-se elevado uma monstruosa montanha mitificadora à base de falácias que não engrandecem quer Aristides quer a Assembleia da República, quer o Governo e o Presidente da República que para isso contribuíram.





quarta-feira, 21 de março de 2018

O mito Aristides...


Quem conhece o livro do embaixador Carlos Fernandes, «A Verdade e a Mentira» no qual mostra a real «história» do cônsul de Bordéus, vai gostar de ler o excerto que anexo, escrito por um historiador britânico Neill Lochery, prof. catedrático no University College London. No excerto é mostrada a generosidade do governo e portugueses para com os refugiados durante a II Guerra, assim como a fantasia dos «30 mil vistos» do referido personagem.

Neill Lochery
Testemunhos de Lisboa

Outros refugiados que tinham vindo para Lisboa, oriundos dos lugares mais distantes, não adoptaram uma postura tão descontraída. Na verdade, as reacções dos refugiados a Lisboa eram em larga medida ditadas pelas penosas viagens que tiveram de fazer até alcançar a capital portuguesa. Muitos chegavam demasiado traumatizados para terem uma perspectiva da «cidade da luz», ou por causa das experiências porque tinham passado às mãos dos nazis, ou devido às dificuldade com que tinham deparado ao atravessarem a Espanha, ou ainda pelo medo constante de serem enviados de volta à Europa ocupada pelos alemães.

No Verão de 1940, Lisboa não estava preparada nem organizada para acolher os milhares de refugiados que chegavam à cidade. O Ministério dos Negócios Estrangeiros em Londres estava, através da embaixada em Lisboa, a fazer pressão sobre Salazar para não permitir que as agência de resgate de emergência operassem na cidade. Os britânicos temiam – sem qualquer fundamento, como mais tarde se viria a descobrir – que, sendo a maior parte desses refugiados que chegavam a Lisboa constituída por judeus, estes quereriam seguir para a Palestina. Antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial, o governo britânico impusera duras restrições quanto ao número de judeus que podiam entrar na Palestina. As restrições foram decretadas para apaziguar os árabes, e tentar impedir que os governos árabes apoiassem activamente os nazis. A última coisa que o governo britânico precisava em 1940, é que Lisboa fosse usada como posto intermediário dos esforços sionistas, no sentido de encaminhar mais refugiados judeus para uma nova vida na Palestina. Salazar resistiu à pressão britânica e permitiu que as agências de resgate de emergência se instalassem em Lisboa para prestarem apoio aos refugiados. Assim que estes se instalavam na capital, as autoridades portuguesas permitiam-lhes que agissem com uma certa liberdade. As únicas imposições de Salazar foram as seguintes: não seria permitido aos refugiados ter residência permanente no país, estavam impedidos de estabelecer contactos com figuras da oposição (comunistas) enquanto permanecessem na cidade. Este último ponto era importante dado que muitos judeus eram incorrectamente tidos como apoiantes do comunismo.

A maior parte dos refugiados que chegavam ao último ponto de saída da Europa, fugia de França por Bordéus ou por Marselha. Salazar tinha tentado em vão, impedir que a crise dos refugiados alcançasse Lisboa. A seu ver, o País era demasiado pobre para fazer frente a um afluxo súbito de refugiados, muitos dos quais praticamente sem dinheiro quando chegavam à capital portuguesa. Receava, igualmente, ofender os alemães ao permitir a entrada de um elevado número de judeus em Portugal. Conhecia também as medidas duras que o regime do general Franco adoptara contra os refugiados em Espanha. Muitos deles eram enviados para o que se assemelhava a verdadeiros campos de concentração, que tinham sido construídos durante a guerra civil de Espanha. As acções do cônsul português em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes, que emitiu cerca de três mil vistos (e não 10 mil, como por vezes é referido), encurralaram Salazar, forçando-o a aceitar os refugiados. Uma vez chegados a Portugal, eram tratados com muito mais humanidade que na vizinha Espanha.

O caso de um dos refugiados que receberam apoio de Aristides Sousa Mendes, veio a revelar-se uma das razões para a demissão do cônsul. Henri de Rothschild, judeu e membro de uma das mais ricas famílias do mundo, viu-se numa situação difícil. Forçado a fugir de Paris quando os alemães entraram na cidade, o coleccionador de arte chegou a Lisboa tendo deixado os seus quadros na capital francesa. A ligação dos Rothschilds a Portugal já vinha detrás. Nathan Rothschild, um dos do mundo financeiro no início do séc. XVIII tinha ajudado a financiar o exército do duque de Wellington durante a Guerra Peninsular (1808-1814). Nathan fizera fortuna através do contrabando de ouro entre os beligerantes durante essa guerra. Mas agora, Henri Rothschild estava falido e para piorar a situação, ao chegar a Lisboa queixou-se ao embaixador britânico Walford Selby, dizendo que Aristides Sousa Mendes tinha exigido «pagamentos especiais» em troca da emissão do seu visto. Selby decidiu escrever a Salazar para apresentar uma queixa formal pelas acções do cônsul português em Bordéus. Fosse como fosse, considerando o que Aristides Sousa Mendes fizera em Bordéus, seria provável que mais cedo ou mais tarde, o cônsul viesse a ser punido por Salazar; no entanto, a intervenção de Henri Rothschild dava a Salazar legitimidade internacional para agir contra Aristides Sousa Mendes.

Extracto das pags. 72 a 75 do livro «Lisboa, a cidade vista de fora, 1933-1974» do historiador britânico, Neill Lochery, prof catedrático no University College London (http://www.neill-lochery.co.uk/), editado pela Editorial Presença em Novembro de 2013.