João Cândido da Silva, Jornal de Negócios
Os milionários norte-americanos e europeus estão a sofrer um ataque de generosidade? Ou será que a actual crise ameaça torná-los tão pobres quanto quaisquer outros cidadãos, o que os motiva a voluntariarem-se para serem mais castigados pelo cobrador de impostos?
O mais provável é que "sim" seja a resposta correcta para as duas questões. E que Warren Buffett, que se queixou de o Fisco dos Estados Unidos dar demasiados mimos aos bilionários, ou os franceses ricos, que divulgaram uma petição a pedir a Nicolas Sarkozy que lhes lance um imposto especial, estarão a proceder à fusão perfeita entre a defesa dos seus interesses e uma atitude de louvável altruísmo.
Acontece que o excessivo endividamento e os elevados défices públicos que pairam como abutres sobre várias economias desenvolvidas estão a ser combatidos com remédios que comprometem, no curto prazo, o crescimento da economia. A confiança deteriora-se, o consumo abranda, os volumes de negócios das empresas encolhem e os activos em que estão aplicadas as grandes fortunas das economias desenvolvidas desvalorizam-se.
Um cenário de conflitualidade originado pelas medidas de austeridade que visam corrigir os erros acumulados é a cereja no topo de um bolo que se adivinha azedo antes, mesmo, de ser provado. As crises geram oportunidades, mas também estão repletas de nuvens negras no horizonte. E se há aspecto que não favorece um bom clima económico é a instabilidade política e social, como qualquer bilionário sabe, quer tenha construído a fortuna à custa do seu esforço ou a tenha simplesmente herdado.
A paciência e a capacidade de sacrifício têm limites. E as medidas que pretendem reequilibrar as finanças públicas e corrigir o trajecto da dívida apostam nas decisões que produzem efeitos mais rápidos, como se vê pelo exemplo de Portugal. As promessas de cortes na despesa para cumprir mais tarde surgem de mão dada com aumentos da carga fiscal que são para aplicar já e sem contemplações. Os maiores apertos caem sobre a classe média e sobre os rendimentos do trabalho. Mas o capital, num mundo globalizado, tem uma mobilidade que lhe permite escapar à dor.
Para os milionários que se estão a oferecer para pagarem uma parte da crise a questão não se colocará, a não ser que a sua hipocrisia viesse a revelar-se proporcional ao valor do seu património. Mas, se um imposto sobre grandes fortunas pode ser perfeitamente justificável sob o ponto de vista da solidariedade numa conjuntura espinhosa para ricos, pobres e remediados, também comporta riscos. A experiência francesa fala por si.
Em meados da década passada, o próprio Governo gaulês reconhecia que a tributação das grandes fortunas tinha levado a que o dinheiro arrecadado pelo Fisco fosse muito inferior ao que voou do país para outros lugares onde a riqueza era tratada com maior simpatia pela administração dos impostos. A certa altura, em média, um milionário por dia abandonava o solo francês para se instalar na Bélgica ou no Reino Unido, onde o seu dinheiro e a sua criatividade empreendedora eram bem-vindos.
Circunstâncias excepcionais exigem medidas excepcionais. Aplicar uma tributação especial sobre os cidadãos mais favorecidos, sobretudo quando estes se mostram disponíveis para o corte de cabelo, pode corresponder à necessidade de distribuir os sacrifícios por toda a sociedade. Mas o perigo de a medida se tornar contraproducente é elevado, a prazo, por causa da ameaça de fuga de capitais.
Em Portugal, os riscos são ainda maiores. Por um lado, porque a perspectiva de apanhar receitas adicionais fáceis de obter é um desincentivo ao combate à fraude e evasão num país em que a economia paralela anda no intervalo entre um quarto e um quinto do produto interno bruto. Depois, o Fisco português dá mais prioridade à cobrança voraz do que à justiça dos critérios com que actua. Rico, para os homens dos impostos indígenas, não é quem tem muito dinheiro mas quem o tem ao alcance do apetite fiscal, como um pato sentado à espera de levar um tiro.
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