José Ribeiro e Castro
Como se preserva a utilização da língua portuguesa
quando se afasta a sua exigência?
Num acto precipitado, o Governo decidiu aderir ao Acordo de Londres, substituindo quase integralmente o Português pelo Inglês no registo em Portugal de patentes europeias. É um gesto gratuito sem ganhos para a economia portuguesa. E uma enormidade para a política externa da Língua, ferindo com danos irreversíveis o Português como língua completa e global.
Dá ideia que quem inspirou o Governo quis aproveitar-se do geral desconhecimento destes meandros e sua impenetrável tecnicidade. Daí, o anúncio de três objectivos de que não se atinge um único. Não podia haver pior pontaria.
1.º objectivo: diz o Governo que “visa [a] promoção do
investimento estrangeiro em Portugal”.
Mas a redução de custos com a tradução em Português é irrisória (cerca de
1.500 euros) no conjunto de um investimento, usualmente com custos muito
elevados. E a insegurança jurídica decorrente de infracções mais prováveis e
decisões judiciais mais incertas só pode redundar em desincentivo.
2.º objectivo: a “preservação
da utilização da língua portuguesa enquanto língua de acesso à informação sobre
as patentes europeias que sejam validadas em Portugal, garantindo que as mesmas
ficam integralmente disponíveis para consulta em Português”.
Tem que ler-se três vezes o texto para ter a certeza de que se leu bem e
não estão a gozar connosco.
Como é que se preserva a utilização da língua portuguesa quando se afasta
precisamente a sua exigência? Na verdade, a ideologia subjacente a esta adesão
é o absoluto desprezo do Português e sua desvalorização e apagamento enquanto
língua de Ciência e Tecnologia, bem como a rendição ao império total do Inglês
nestes domínios.
Qual a explicação para tão temerária afirmação? Apenas a fé que, como
cuidado paliativo, o Governo proclama numa ferramenta informática de tradução
automática, que anuncia para 2011. Mas informações seguras indicam que o INPI
já verificou que não possui qualidade, nem fiabilidade mínimas; e não estará em
condições de ser utilizada antes de 2015.
3.º objectivo: a “criação
de um espaço europeu que seja composto por um maior número de Estados em que os
cidadãos e as empresas portuguesas possam investir com custos substancialmente
reduzidos”.
Fantasia! As empresas portuguesas nada ganham face à situação actual em que
Portugal é parte da Convenção de Munique, mas não do Acordo de Londres. O novo
regime, se pode beneficiar (pouco) empresas estrangeiras em Portugal, não
representa qualquer benefício para empresas portuguesas no resto da Europa.
Acresce que o que o Governo pouparia às patentes estrangeiras não
corresponde ao corte de uma esquisitice burocrática inútil. Antes à eliminação
radical de um serviço de óbvio interesse geral: a tradução para Português das
patentes, indispensável à divulgação científica e tecnológica em língua
portuguesa, à presença do Português na inovação científica e técnica
internacional e à segurança jurídica dos registos em Portugal.
Enfim, o Decreto causaria ainda prejuízos consideráveis no respectivo
sector profissional, prevendo-se o fecho de 15% a 20% dos escritórios, o
despedimento de 50% dos trabalhadores e a perda de actividade de 90% dos
tradutores especialistas. É mais um contributo do Governo para a crise… Mais
falências, mais inactividade, mais desemprego.
Impõe-se, assim, o que o CDS já propôs: que o Governo reveja a questão,
através de uma proposta de Resolução à Assembleia da República; e que o Presidente
da República defenda a nossa língua e a nossa economia, não assinando um tão
estrangeirado Decreto.
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