Reinaldo Azevedo
Muitos perguntaram-me porque escrevi tão pouco a respeito da vinda do Papa ao Brasil. Preferi o silêncio e uma brincadeira que trazia uma realidade fática: «Enquanto ele estava aqui, eu estava em Roma». É verdade. No dia do grande alvoroço, aliás, eu encontrava-me no Vaticano. Francisco concedeu uma entrevista à revista jesuíta La Civiltà Cattolica que, mais uma vez, está causando confusão. Ele está-se especializando, parece, em criar estardalhaço. Tentarei ler depois na íntegra com serenidade. Se o que se propaga pelo mundo for mesmo verdade, a Igreja caminha para uma grande complicação, da qual sairá muito pior, por tentar atrair a simpatia daqueles que, no fundo, não entendem porque ela deva existir.
Extraio um resumo da sua entrevista, publicada na VEJA.com:
«Não precisamos insistir nesses assuntos relacionados ao aborto, casamento invertido e o uso de contraceptivos. Eu não falei muito sobre essas coisas, e fui repreendido por isso. Não é necessário falar sobre isso a toda a hora (…) Os grandes líderes das pessoas de Deus, como Moisés, sempre deixaram a porta aberta para a dúvida. Você deve deixar a porta aberta para o Senhor.»
Como é que é, Santidade?
Parece-me que a Igreja «insiste» nesses assuntos porque há uma grande insistência, não é?, para que insista nesses assuntos! Está mais do que claro, nesta altura, que a instituição não rejeita, por exemplo, os fiéis invertidos, reservando-se, aí sim, o direito de ter uma orientação sobre o tipo de família que considera adequada à comunidade católica. Esse assunto é aborrecido e transita na irracionalidade. Militantes invertidos reivindicam a igualdade e, ao mesmo tempo, leis especiais que reafirmem a sua diversidade. Não me quero estender sobre esse particular porque retira o foco da minha real restrição.
Ao misturar o aborto num cabaz de temas que dizem respeito aos costumes, comete um erro monumental. No dia em que a vida humana deixar de ser, se deixar, uma questão de princípio para a instituição, então Igreja para quê? A sua essência consiste em proclamar a superioridade do humano que é divino. Sem isso, perde-se nas razões contingentes; renuncia ao seu compromisso com a eternidade. A quem o papa espera atrair com esta linguagem?
Francisco diz ter sido repreendido. Não deve ter sido pela Guarda Suíça, não é? Num dos pouquíssimos textos que escrevi a respeito da sua visita ao Brasil, eu mesmo critiquei a sua, vamos dizer, «peugada» apenas sociológica. Acho que o seu discurso está fora da essência.
A linguagem de Francisco atrai a atenção e a simpatia dos que acham que a Igreja Católica só passará a ser aceitável quando deixar de ser a Igreja Católica, transformando-se, quem sabe?, numa ONG. Ao contrário do que se diz, dadas as grandes religiões, o catolicismo é a que procura mais obsessivamente a «modernidade», ajustando o seu discurso aos grupos influentes. A despeito disso, é alvo frequente da fúria anti-religiosa na imprensa ocidental, o que, é visível, não acontece com o islamismo, por exemplo. A ironia é que as vertentes que mais crescem no Islão são as de cunho fundamentalista — inclusive no Ocidente. Não obstante, os «analistas» são sempre muito cuidadosos em distinguir aquela que seria a «essência» da religião das suas supostas deformações extremistas.
Para mim, o papa estaria dedicado, neste momento, a iniciar uma outra grande reforma: a do culto católico. Daria início agora a um esforço, que só traria fruto daqui por umas décadas, para que as missas deixassem de ser uma ladainha aborrecida, levada a efeito, na maior parte das vezes, por sacerdotes transformados em burocratas da preguiça. Não é que eu defenda que o padre se confunda com treinador de ginástica ou com cantor de música popular brasileira. E isso pode ser feito — aliás, só assim pode ser feito — conservando-se a essência da doutrina.
De resto, se o Papa acha que a Igreja é obcecada por esses temas, o chefe da Igreja poderia tê-los ignorado na entrevista concedida a uma revista católica. Com Francisco, por enquanto, antevejo uma Igreja tratada com mais simpatia por os seus críticos habituais, mas muito pior: não atrai os que a repudiam por princípio e corre o risco de perder os fieis que já tem. A Igreja não é uma ONG, e o papa não é um livre-pensador. Um amigo italiano disse-me porque não via com simpatia o Sumo Pontífice: «Parece-me bom para cura de aldeia, não para comandar a Igreja». No mês de Julho, discordei. Em Setembro, estou pensando na sua linguagem.
«Esse Reinaldo Azevedo agora decidiu discordar até do Papa…» Ah, mas não duvidem! Na entrevista, ele declarou uma coisa óbvia, mas que está causando confusão: também é um pecador. Claro que é! Com isso, quer dizer que é humano e está sujeito ao erro. Respeito, como católico, a autoridade religiosa do Papa. Mas não tenho respeito nenhum por os seus erros.
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