terça-feira, 29 de abril de 2014

Vasco Pulido Valente:
«Não devemos nada aos capitães de Abril. Zero»


Vasco Pulido Valente é um intelectual de pensamento anarco-liberal com momentos de lucidez. Nesses momentos de lucidez costuma escrever algumas coisas certas que poucos têm a coragem de escrever, o que é louvável.

No lote de meia-dúzia de intelectuais indígenas (como ele chama às coisas e pessoas portuguesas) a que pertence, ele é, muito claramente, o único que pontualmente se aproveita. Por isso mesmo se sente isolado desses convivas.

Por vezes, Vasco Pulido Valente bate ao lado, como acontece nesta mesma entrevista, onde demonstra desconhecer a história económica de Portugal, limitando-se a reproduzir a versão de Cunhal no Rumo à Vitória, que procura escamotear o grande desenvolvimento industrial de Portugal nos anos 50 e 60. E para saber que as coisas não são como Cunhal as descreveu nem é preciso ter formação económica: basta olhar para meia-dúzia de estatísticas que tudo desmentem.

Quanto aos outros intelectuais desse lote, coitados... de nós, que temos de aturá-los.

Vasco Pulido Valente concedeu uma entrevista a Ana Sá Lopes, publicada no jornal i (25.5.2014). Vejamos alguns extractos.

                                                                                          Heduíno Gomes                                                                                                                                              
                                                                               
(...)
Estava a dizer que a sede da PIDE devia ter sido um ponto estratégico se aquilo tivesse sido conduzido por alguém com alguma cabeça. Mas o 25 de Abril foi um sucesso. Acha mesmo que não tiveram cabeça?

Aquilo não tinha uma cabeça política e acabou por se reduzir ao plano operacional do Otelo, que também não tinha uma cabeça política. Basta ler a entrevista do Vasco Lourenço ao «Expresso», no sábado. Essas pessoas não sabiam o que iam fazer depois, o plano não preparava o futuro, como é evidente.

Entregaram o poder à Junta de Salvação Nacional...

O poder ficou divididíssimo, toda a gente tinha poder, ninguém tinha poder. Se entregaram o poder a alguém foi a conselheiros que se apresentaram, a maior parte do PCP e outros tantos indivíduos de extrema-esquerda, as brigadas revolucionárias.

Mas Spínola é feito Presidente da República...

Não se percebe muito bem por quem é feito, de que maneira é feito. Ainda não se percebeu muito bem. Há uma grande pulverização do poder, em que a grande força verdadeiramente organizada e disciplinada se conseguiu impor.

Estamos a falar do PCP. Vasco Pulido Valente vai esperar Álvaro Cunhal ao aeroporto logo a seguir. Porque decidiu fazer isso?

Por duas razões. Eu tinha combinado com a Maria Filomena Mónica, com quem eu vivia na altura, que se ela fosse esperar o Soares eu ia esperar o Cunhal. E os meus pais, que conheciam o dito Cunhal da juventude, embora nenhum deles já fosse PC nessa altura, foram-no esperar e disseram que gostariam muito que eu fosse também. E eu fui ver o Cunhal. E foi a primeira vez que eu tive uma «intimation» do que se ia seguir. Parte daquilo foi uma cópia da chegada do Lenine à estação da Finlândia.

Mas o PCP tem outra teoria sobre isso: a chaimite estava lá porque o Jaime Neves a mandou.

Diz o PCP. E a menina que estava em cima da chaimite e lhe deu as flores também foi enviada pelo Jaime Neves? E o discurso em si? Tinha sido tudo planeado.

(...)
Quando é que se lembra de começar a ter consciência política? Os seus pais eram politizados...

Os meus pais saíram do PCP quando foram as grandes purgas na Hungria, em que os soviéticos mataram as grandes elites nacionalistas, nos anos 50. Cortaram com o partido, mas continuaram a colaborar, porque eram amigos das pessoas, tinham contactos. (...)

(...)
Mas houve uma crise em 2008 que fez rebentar as estruturas da Europa.

O problema da Europa é que não tem ninguém que se responsabilize pela dívida globalmente. E a Alemanha não se quer responsabilizar pela dívida, nem a Holanda, nem a Finlândia. Daí o Tratado Orçamental. Isto é simplicíssimo. E toda a esquerda anda por aí a dizer que há outras maneiras. Não há outras maneiras! O documento dos 70 é uma bancarrota em prestações que a Europa não vai aprovar.

Há muita gente a assinar o documento que nem sequer é de esquerda...

Não sei se são de esquerda ou se não são. A estupidez humana é infinita e a estupidez portuguesa ainda consegue ser maior. Aquilo é uma bancarrota em prestações! E o capitão Vasco Lourenço e o Dr. Mário Soares incitam à insurreição violenta sem o governo abrir a boca! E não é só o governo, ninguém abre a boca! Toda a gente gosta muito da liberdade e da democracia, mas depois aparecem uns senhores... E o Dr. Soares sabe perfeitamente o que está a dizer!

O Dr. Soares diz que é contra a violência e está a alertar para os riscos de isto acabar mal.

Isso é uma incitação à violência por parte de um ex-Presidente da República! E o Dr. Soares sabe muito bem o que está a dizer! O Vasco Lourenço sabe menos o que está a dizer... Não passou pela cabeça de nenhum destes senhores, nem dos que os acompanham, o que seria o dia seguinte a uma revolução dessas quando fosse lá o chefe da revolução – se houvesse chefe, que não houve no 25 de Abril – pedir dinheiro emprestado!

Mas não acha que na sequência da crise de 2008, os princípios de coesão da União Europeia foram ao ar? Acha que essa Europa ainda existe?

Acho que nunca existiu. A partir de 1989 deixou de existir e antes disso não existia muito. Mas nós recebemos uma vasta solidariedade da Europa, os chamados fundos de coesão. Foi a nossa incapacidade de administrar esses fundos e a nossa desorganização como sociedade política que nos levou a este estado. Se tivéssemos administrado tudo bem e tivéssemos tido políticas inteligentes podíamos estar mal, mas não no estado em que estamos.

(...)
Mas qual é a saída? A dívida sobe cada vez mais...

Eu não digo que o governo esteja a fazer as coisas da melhor maneira, do meu ponto de vista não está. Mas daí a dizer-se «não vamos pagar a dívida», «vamos sair do euro», vamos declarar uma bancarrota a prestações, vai um abismo. Algumas dessas soluções conduzir-nos-iam à mais horrível miséria do mundo, sabe-se lá com que consequências políticas, como a saída do euro. Outras são já uma proposta de bancarrota. Qualquer país do mundo precisa de crédito internacional. Se nós não conseguirmos que os países nos emprestem dinheiro estamos perdidos.

(...)
Vamos para a política. Nunca os portugueses mostraram tanta aversão aos partidos, que são as entidades fundadoras da democracia.(...) 

As pessoas não têm confiança nenhuma naqueles partidos, acham-nos uns grupos de oportunistas, de corruptos, de mentirosos, que não lhes podem trazer nada de bem. O grave disto é que a onda de opinião contra os partidos pode tornar-se dominante. Há aí uma oposição difusa ao regime que ainda não encontrou um chefe. E o governo é composto por uma gentezinha autoritária, muito pouco democrática no geral. Considera-se injustamente o Paulo Portas o mais autoritário, mas não é. Apesar de tudo, é o mais tolerante. Eles estão a cumprir ordens e querem cumprir bem as ordens. São míopes politicamente. Há uma grande falta de inteligência política neste governo. Primeiro, não percebem a sociedade portuguesa e estão a atacar nos sítios errados. Passos não tem grande inteligência política.

Está a falar dos pensionistas e dos funcionários públicos?

Tendo em conta que representam 80% da despesa, tinham de a diminuir, mas podiam tê-la diminuído de outra maneira, fazendo a célebre reforma do Estado, que nunca tiveram coragem de fazer. Como nunca tiveram coragem de fazer a reforma administrativa. (...)

(...)
[Mário Soares] É um dos seus velhos amigos.

Mas o que eu acho que ele está a fazer é imperdoável! Ele está a trair todos os princípios que tinha e que fizeram dele quem é e está a associar-se com a gente que ele justamente execrava. Está a ver o Dr. Soares em 1980 à mesma mesa com Vasco Lourenço a dizer aquelas coisas sobre o MFA? Quando eles andavam a dizer por toda a parte que o iam matar?

Os capitães de Abril diziam que iam matar Mário Soares?

Os capitães de Abril nunca nenhum disse. Mas os fanáticos do MFA no PS vários me disseram. «Diz ao teu amigo Soares que ainda acaba morto.» As pessoas diziam isto nas conversas. E agora ele vai dar-lhes pancadinhas nas costas, a dizer que temos uma dívida de gratidão para com os capitães de Abril!

E não temos, Vasco? Não temos uma dívida de gratidão? Foram os homens que fizeram o golpe de Estado!

Leia a entrevista de Vasco Lourenço ao «Expresso». Ele reconhece que a maioria estava lá por razões corporativas.

Mas devemos alguma coisa àqueles homens, foram eles que saíram para a rua.

Não devemos nada. Zero.

Temos hoje democracia porque eles derrubaram o regime através de um golpe de Estado e arriscaram a vida. O Vasco reduz aquilo a uma reivindicação corporativa. Não é o caso de Melo Antunes.

Os tipos só sabiam vagamente o que estavam a fazer. O Melo Antunes era um imbecil.

(...)
Mas porque diz que Melo Antunes era um imbecil?

Esse achava-se um inspirado, que era a alma daquilo. Ele não percebia a sociedade em que estava a viver.

Mas é ele e o Documento dos Nove que abrem caminho ao 25 de Novembro.

Mas isso tem uma explicação muito clara: ele queria mandar, não queria que mandasse o PC. Ele iria transformar Portugal numa coisa nunca vista.

É a primeira pessoa que não me diz que Melo Antunes era o melhor de todos.

Era o pior deles todos!

Pior que Otelo?

Otelo é um inimputável simpatiquíssimo.

(...)






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