sábado, 5 de agosto de 2017

A nova e moderna língua portuguesa



Helena Sacadura Cabral

HOJE NÃO SE FALA PORTUGUÊS... LINGUAREJA-SE!

Desde que os americanos se lembraram de começar a chamar aos negros de «afro-americanos», com vista a acabar com as raças por via gramatical, isto tem sido um fartote pegado! As criadas dos anos 70 passaram a «empregadas domésticas» e preparam-se agora para receber a menção de «auxiliares de apoio doméstico».

De igual modo, extinguiram-se nas escolas os «contínuos» que passaram todos a «auxiliares da acção educativa» e agora são «assistentes operacionais».

Os vendedores de medicamentos, com alguma prosápia, tratam-se por «delegados de informação médica».

E pelo mesmo processo transmudaram-se os caixeiros-viajantes em «técnicos de vendas» ou «comerciais».

O aborto eufemizou-se em «interrupção voluntária da gravidez».

Os gangs étnicos são «grupos de jovens».

Os operários fizeram-se de repente «colaboradores».

As fábricas, essas, vistas de dentro são «unidades produtivas» e vistas de exterior são «centros de decisão nacionais».

O analfabetismo desapareceu da crosta portuguesa, cedendo o passo à «iliteracia» galopante. Desapareceram dos comboios as 1.ª e 2.ª classes, para não ferir a susceptibilidade social das massas hierarquizadas, mas por imperscrutáveis necessidades de tesouraria continuam a cobrar-se preços distintos nas classes «Conforto» e «Turística».

A Ágata, rainha do pimba, cantava chorosa: «Sou mãe solteira...»; agora, se quiser acompanhar os novos tempos, deve alterar a letra da pungente melodia: «Tenho uma família monoparental...» – eis o novo verso da cançoneta, se quiser fazer jus à modernidade impante.

Aquietadas pela televisão, já se não vêem por aí aos pinotes crianças irrequietas e «terroristas»; diz-se modernamente que têm um «comportamento disfuncional hiperactivo». Do mesmo modo, e para felicidade dos «encarregados de educação» , os brilhantes programas escolares extinguiram os alunos cábulas; tais estudantes serão, quando muito, «crianças de desenvolvimento instável».

Ainda há cegos, infelizmente. Mas como a palavra fosse considerada desagradável e até aviltante, quem não vê é considerado «invisual». (O termo é gramaticalmente impróprio, como impróprio seria chamar inauditivos aos surdos – mas o «politicamente correcto» marimba-se para as regras gramaticais...)

As p.... passaram a ser «senhoras de alterne».

Quando a vida corre bem é «bué de fixe».

À mentira passou a chamar-se de inverdade.

Para compor o ramalhete e se darem ares, as gentes cultas da praça desbocam-se em «implementações», «posturas pró-activas», «políticas fracturantes» e outros barbarismos da linguagem. E assim linguajamos o Português, vagueando perdidos entre a «correcção política» e o novo-riquismo linguístico.

Estamos «tramados» com este «novo português»; não admira que o pessoal tenha cada vez mais esgotamentos e stress. Já não se diz o que se pensa, tem de se pensar o que se diz de forma «politicamente correcta».





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