Tempo houve em que o que estava a dar era o PCP. Não só o PCP como tudo o que estava por detrás dele. Eram os rublos antes, durante e depois do PREC, convertidos em dólares, para erguer e olear a máquina. Eram os empregos e promoções no Estado e meios de comunicação dependentes do PCP. Era a carreira de sindicalista, isto é, de defensor-especialista da classe operária. Era a promoção matraqueadora das cançonetas de Abril e dos escritos marxistas (ou seus subprodutos) e o respectivo mercado fiel. E, a uma escala maior, era todo o mercado editorial da União Soviética e dos seus satélites, do chamado «campo socialista».
Saramago viu isso. Portanto o comissário Saramago era mais cunhalista do que Cunhal e mais sovietista do que a União Soviética.
Com a implosão do comunismo acabou para o Saramago a boleia que o aparelho lhe dava no mercado de Leste. O PCP já não podia meter cunhas às knigas do Leste para lhe editarem os livros.
Entretanto, o mercado do Leste, tal como o de cá, tinha ficado no papo e continuaria por efeito de inércia (por esta razão continuam hoje as reedições saramagais do tempo soviético e as edições dos livros pos-soviéticos). Assim, o PCP já não lhe servia para grande coisa.
Tornava-se conveniente encontrar novo mercado. Então acabou a fidelidade saramagal «aos ideais» de Outubro de lá e de Abril de cá. Arranjou umas tantas «divergências» com o PCP. Ciao, ciao, e nem obrigado. Até parece que o PCP é que lhe deveria estar agradecido por contar com semelhante génio entre os seus filiados. Quando afinal, feitas bem as contas, se tratou de uma desequilibrada simbiose. Saramago não foi o único.
O que é que está a dar?
Sem qualquer pudor, Saramago vira-se para o mercado dependente dos «revisionistas bernseinistas», ou seja, dos xuxialistas, para utilizar a designação que o bando de Saramago aplicava em 1974-1975 aos actuais parceiros do Partido Socialista. Mas a luta continua... Se antes fazia a propaganda ateísta materialista dialéctica da central soviética (que deve ter aprendido no primário Politzer), passou a fazer a propaganda ateísta jacobina da central maçónica. Se tosco era de pensamento, tosco continuou. Mas com a operação cosmética - por dentro é o mesmo bárbaro - conseguiu o Nobel e o mercado ocidental, que era o que lhe interessava.
Eis então que o Nobel da treta, neste seu transfúgio, recentemente apoiou a candidatura de António Costa nas eleições para a Câmara de Lisboa. «Espero que seja Presidente por muitos anos mais.» - exclama Saramago ao outrora traidor à classe operária! Saramago elogiou ainda o «magnífico trabalho» de António Costa à frente da Câmara de Lisboa durante a assinatura do protocolo para a produção de um filme sobre os amores entre ele e a castelhana Pilar del Rio, que tem como título provisório o significativo «União Ibérica».
Pudera! A Câmara de Lisboa, que já lhe tinha disponibilizado a Casa dos Bicos, vai apoiar a produção do documentário (que irá ficar para a história da cultura!) com 30 mil euros. Ora pois...
Ó Saramagos, Pinas Mouras, Josés Magalhães... o que é que está a dar?
E já que a Espanha está tanto a vir à baila através de Saramago e outros, não resisto a citar o republicano Unamuno, enojado com a sua II República, em 1936, a falar a um grupo de estudantes da Universidade de Salamanca que partia para a frente na Guerra Civil: «Derrubem essa República de putas».
Exactamente o mesmo, esta lusa III República.
Heduíno Gomes
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