João J. Brandão Ferreira Oficial Piloto Aviador
«O Regime (republicano) está, na verdade,
expresso naquele ignóbil trapo que, imposto
por uma reduzidíssima minoria de esfarrapados
morais, nos serve de bandeira nacional – trapo
contrário à heráldica e à estética, porque duas cores
se justapõem sem intervenção de um metal e porque
é a mais feia coisa que se pode inventar em cor.
Está ali contudo a alma do republicano português –
o encarnado do sangue que derramou e fizeram
derramar, o verde da erva de que, por direito mental,
devem alimentar-se.»
Fernando Pessoa, «Da República».[1]
expresso naquele ignóbil trapo que, imposto
por uma reduzidíssima minoria de esfarrapados
morais, nos serve de bandeira nacional – trapo
contrário à heráldica e à estética, porque duas cores
se justapõem sem intervenção de um metal e porque
é a mais feia coisa que se pode inventar em cor.
Está ali contudo a alma do republicano português –
o encarnado do sangue que derramou e fizeram
derramar, o verde da erva de que, por direito mental,
devem alimentar-se.»
Fernando Pessoa, «Da República».[1]
O dia 5 de Outubro era, desde 1911, feriado nacional.
Era feriado por ser, de facto, uma data incontornável da História Nacional e porque os vencedores dessa contenda política foram os republicanos.
Venceram, não porque as razões e o «modo faciendi» que levaram ao golpe de estado que impôs o novo regime, fossem razoáveis, representassem alguma mais-valia ao governo da cidade, corrigissem injustiças ou tiranias, ou acrescentassem algo à soberania e grandeza da Nação.
Resultou apenas de uma ilusão ideológica e de ter havido umas centenas de republicanos (se é que sabiam o que isso significava) que não se importaram de arriscar conforto, fazenda e até a vida, por uma causa em que acreditavam e não ter havido idêntica vontade do lado monárquico.
É só neste âmbito que os republicanos tiveram mérito e, por isso, ganharam.
É no que dá as questões mesquinhas da luta política e das ambições humanas e não aprender nada com os erros e acertos da História e da evolução das ideias políticas.
Assim se destruiu uma instituição (a realeza) com sete séculos de História e que nos acompanhava desde o início da nacionalidade, fazendo convergir na Família Real os males da Pátria, quando a responsabilidade se encontrava no sistema político que vigorava e nas pessoas que dele se serviam, em vez de servir.
Muito semelhante, aliás, com a actualidade, só que neste momento não há «monarca» onde fazer confluir o descontentamento…
O Professor Salazar, que de republicano não tinha nada – acabou por nunca pensar seriamente em restaurar a Monarquia, não só porque o equilíbrio das forças políticas e sociais não o aconselhava como, sobretudo, porque os monárquicos nunca se entenderam – causa que já tinha sido a principal razão da sua derrocada – e nunca surgiu um líder à altura.
Além do que, a estrutura do Estado Novo não deixava de ser uma espécie de Monarquia sem o ser, em que o Presidente da República fazia figura de Rei Constitucional e o Presidente do Conselho dispunha de poderes alargados, porém longe de «absolutos» – em que cada órgão se sustentava mutuamente – e em que o Parlamento estava mais próximo das Cortes de antanho do que daquelas forjadas após a Revolução Francesa.
Não se pode dizer que a fórmula não tenha sido engenhosa.
Infelizmente o regime estava demasiado dependente do brilho de um homem que morreu sem descendência…
Deste modo a data de 5 de Outubro foi-se mantendo como feriado, sempre com comemorações discretas até que um governo, sem a mínima noção do que anda a fazer, decidiu que a data deixasse de ser feriado (para se poupar uns cobres à pala da «crise»!), mas em que os órgãos de soberania – estes sim, orgulhosos herdeiros da I República – fizeram gala em continuar a comemorar, embora a custos reduzidos como o estado das finanças públicas impõe (para alguns).
Daí a coisa ter passado quase despercebida, não fora uns apupos exteriores.
O que nos parece estar verdadeiramente em causa, independentemente da data – uma data que divide os portugueses – ser considerada feriado ou não, é o modo como se a vive.
Ora o que não faz sentido algum, é comemorá-la pela simples razão que os erros não devem ser comemorados, muito menos exaltados.
A data não deve ser apagada da História – como algumas pessoas ou governos de matriz totalitária têm tentado fazer ao longo dos tempos, com outras efemérides ou figuras – mas sim lembrada, reflectida e devidamente enquadrada, de modo a ser correctamente interiorizada no todo nacional.
Do mesmo modo que não se comemora o início de qualquer guerra civil (quanto muito o seu termo), antes se deve aprender a evitar que se repita…
Comemorar o 5 de Outubro tem sido o mesmo do que existir uma família em que um dos filhos mata o pai (ainda por cima um bom pai) e todos os anos a mesma se reunir para festejar o evento, não trabalhando e abrindo garrafas de espumante…
Devíamos, porventura passar o dia em recolhimento, em templo, meditando e pedindo perdão pelos pecados que os de agora não cometeram, mas herdaram.
Seria a melhor maneira – diria única – de assinalar tão funesta data.
Veremos qual o fulgor dos poderes públicos (que há 39 anos deixaram de a festejar) relativamente ao 1.º de Dezembro (de 1640), essa sim, uma efeméride luminosa da nossa História que um decreto-lei aleivoso aboliu como feriado.
Pode ser, desta vez, «constitucional», mas não deixa de ser um verdadeiro crime de lesa-Pátria!
[1] Porque será que raramente se transcrevem as frases politicamente incorrectas (e são muitas) de tão incensado poeta?
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