João Lemos Esteves, Sol, 10 de Setembro de 2015
1. Os jornais de ontem deram, merecidamente, amplo destaque ao debate entre Passos Coelho e António Costa. Merecidamente, porque se tratou de um facto histórico: pela primeira vez, o debate foi conduzido por jornalistas das três estações de televisão generalistas, transmitido em simultâneo nas três estações (será, portanto, um êxito de audiências) e foi o único debate televisivo entre os dois candidatos a primeiro-ministro. A maioria esmagadora dos comentadores afirmava, então, que Pedro Passos Coelho partia em vantagem porque é o primeiro-ministro em exercício de funções: já António Costa partia em desvantagem pelo simples facto de que sobre ele recaía o ónus de mostrar que merece a confiança dos portugueses.
2. Pura mentira. Nada mais errado. O debate seria sempre muito mais fácil para António Costa do que para Pedro Passos Coelho. Porquê? Por uma razão muito simples: ser oposição é muito fácil – ser Governo é muito difícil. Ser oposição e ganhar eleições é fácil – são os Governos que perdem eleições e não as oposições que as ganham. O líder da oposição pode adoptar um discurso de frases cativantes, pomposas, dizer tudo e o seu contrário, criticar o que o Governo fez, branquear as suas responsabilidades na criação das dificuldades da Nação, como um todo, e de cada português individualmente considerado. Ora, um primeiro-ministro que sucedeu ao pior primeiro-ministro da História de Portugal – só comparável a Vasco Gonçalves – e teve de aplicar um programa de grande austeridade teria necessariamente de partir para o debate em desvantagem. Nós percebemos por que razão se deixou passar a ideia de que António Costa partia em desvantagem: descer as expectativas em relação a António Costa para o cenário de o debate lhe correr mal.
3. Dito isto, nós admitimos que ficamos perplexos quando ouvimos e lemos comentadores a declararem que António Costa ganhou claramente o debate. Claramente o debate? Das duas, uma: ou já tinham um guião pré-preparado para debitar, sucedesse o que sucedesse no debate; ou, como estamos fora de Portugal, porventura, a diferença de longitude impediu que o debate chegasse aqui, como chegou às casas dos portugueses. Talvez o debate chegou aqui à Alemanha adulterado pela distância geográfica… É a única explicação.
4. Mais perplexos ficamos ainda quando começamos a consultar os tópicos de discussão, nos programas televisivos, e constatamos que o grande tema é discutir…as falhas de Pedro Passos Coelho! Não se discute o debate: discute-se somente as falhas de Pedro Passos Coelho! E então as falhas de António Costa? E as gafes de António Costa? E a relação entre António Costa e José Sócrates? A falta de coragem de António Costa em se demarcar do legado de José Sócrates? E o facto de António Costa não saber um número de cor daqueles que apresenta no cenário macroeconómico? E o facto de António Costa não explicar nada sobre o que propõe para o futuro de Portugal, remetendo todas as respostas para o cenário macroeconómico cujo autor foi Mário Centeno – nem foi António Costa? Parece que António Costa vai ter de se reunir muitas vezes com Mário Centeno nos próximos dias para aprender a lição: é que Costa ainda não estudou o que Mário Centeno (o candidato oficioso do PS a Primeiro-Ministro) lhe preparou.
5. E quais as gafes que António Costa cometeu? Uma flagrante, logo no início do debate: Costa apresentou um gráfico em que alegava que todos os Governos, excepto o de Passos Coelho, tinham alcançado um crescimento económico positivo. E destacou um: o Governo de José Sócrates que deixara um crescimento económico de 1,9%. Como? A primeira declaração de António Costa foi para defender o legado de José Sócrates. Ridículo. Ainda para mais, defender um Governo que deixou um crescimento económico de 1,9% – mas que levou Portugal à bancarrota. É normal que ninguém, de todas as ilustres figuras que já analisaram o debate, se tenha referido a esta gafe flagrante e ridícula? Elogiar o legado de José Sócrates porque Portugal cresceu 1,9%, mas com uma divida pública asfixiante, a caminho da bancarrota, é normal? É preciso seriedade na política. E há muita gente que não está a ser séria.
6. Mais: começar o debate elogiando o legado de José Sócrates mostra uma faceta de António Costa gravíssima – mostra que António Costa, como José António Saraiva já escreveu diversas vezes aqui no SOL, prefere agradar ao partido do que conquistar os portugueses. Entre o país e o partido, António Costa preferiu o partido. Entre os portugueses e os socialistas, António Costa prefere os socialistas. É incrível como nenhum comentador dedicou uma palavra a mais uma revelação desta faceta de António Costa. Quem prefere os seus camaradas – e o seu camarada Sócrates, que lançou o sofrimento em muitas famílias portuguesas e levou Portugal a uma situação de vexame, praticamente sem dinheiro para pagar aos funcionários públicos como afirmou Teixeira dos Santos, na altura criticado por António Costa, comentador da «Quadratura do Círculo» – aos portugueses, não merece ser primeiro-ministro. Não pode ser primeiro-ministro.
7. Segundo erro colossal de António Costa: a impreparação de António Costa quanto à matéria da segurança social – e quanto ao «seu» (leia-se de Mário Centeno) programa. Aliás, a irritação e o desconforto revelado na expressão de Costa mostram à exaustão o desconhecimento gritante que tem sobre esta matéria fundamental para o nosso futuro colectivo. Por exemplo: António Costa, confrontado com o argumento de Passos Coelho de que a sua proposta é um plafonamento vertical, refere que a redução da TSU é uma medida conjuntural que não pode ser confundida com uma reforma estrutural. Mas, no seu programa, esta medida é qualificada e inserida na parte dedicada à reforma da Segurança Social! O que leva a duas conclusões:
2. António Costa tem escondida na manga, para apresentar uma vez eleito, uma reforma da Segurança Social que vai desagradar muito aos portugueses. António Costa está a esconder muita coisa…
8. Mas a frase foi dita por
António Costa. Meu caro leitor, ouviu alguém, nos vários debates ao debate, a
referi-la? Não: só se aludiu aos erros de Passos Coelho e à…sua falta de
empatia! Veja-se ao que chegámos…
9. Terceiro erro colossal de
António Costa: o Novo Banco. Confrontado com esta questão, Costa refere que o
Governo prejudicou os portugueses e que os contribuintes vão pagar a resolução
do Banco. Mas, habilidosamente, Costa desviou de imediato o assunto. Porquê?
Porque não sabe o que dizer – e muito menos saberia o que fazer. Até porque
António Costa foi um defensor fanático da nacionalização do BPN que é uma das
causas do desequilíbrio das finanças públicas portuguesas. Um verdadeiro
sorvedouro do dinheiro dos trabalhadores portugueses e das empresas
portuguesas. Mesmo Clara de Sousa, em pleno debate, chamou a atenção para o
facto de Costa não responder – este ainda tentou balbuciar uma resposta, mas
calou-se de imediato.
10. Mas nem com o reparo de Clara
de Sousa, os nossos doutos comentadores e brilhantes intelectuais da nossa
praça acharam este momento infeliz de António Costa um facto relevante do
debate. Ui, se fosse com Passos Coelho, imaginamos o que teria sido… Estes
preferem alegremente proclamar que António Costa falou do futuro. De propostas
concretas. Quais? Não dizem.
11. E qual foi o melhor momento de
António Costa para estes ilustres comentadores? Pois bem, caríssimo leitor,
foi…prepare-se…a farpa ao programa de incentivo de jovens emigrantes! Ui, que
grande medida de futuro! Já podemos estar descansados: com esta medida, o nosso
futuro é brilhante! Nota: futuro, em português, significa o que está para vir,
o que virá. Não o que já aconteceu, como foi o caso do dito programa. Para
isso, em português, temos uma palavra: passado ou, se preferirmos, um palavra
mais erudita – pretérito.
12. Tudo isto dito e ponderado,
façamos uma análise fria e racional. Quem ganhou o debate? Passos Coelho esteve
muito bem na primeira parte, com António Costa francamente mal. António Costa
equilibrou após o intervalo, com Passos Coelho ainda a liderar. No final,
António Costa conseguiu um ligeiríssimo ascendente sobre Passos Coelho.
13. Ou seja: Passos Coelho venceu
dois terços do debate – António Costa apenas um. Vitória de Pedro Passos
Coelho, portanto. Os portugueses, como pessoas invulgarmente inteligentes e
sensatas que são, saberão tirar as suas próprias conclusões, independentemente
do politicamente correcto.
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