João Marques de Almeida, Observador, 11 de Setembro de 2015
Costa fez um debate cheio de truques e de piadas, daqueles que marcam pontos entre os seus militantes (e bem precisava disso para evitar a apatia do PS). Mas os indecisos são o oposto dos militantes.
Há dois objectivos óbvios num debate entre dois candidatos a primeiro-ministro: não perder votos e conquistar votos dos indecisos (ou convencer abstencionistas a votar no seu partido/coligação). No primeiro confronto, Costa ganhou, mas Passos não perdeu. Comportando-se de acordo com o habitual, o PM fez o necessário para conservar os eleitores da coligação. Não brilhou, mas não terá perdido um único voto. Com o PS em perda nas sondagens, era fundamental para Costa travar essa tendência e mobilizar o partido e o seu eleitorado. Costa conseguiu-o e esta foi a sua grande vitória. Os socialistas estão muito mais animados depois do debate, sobretudo depois de uma manhã em que acordaram com uma sondagem com o seu partido cinco pontos atrás da coligação. Costa animou as hostes com uma estratégia ofensiva, atacando o PM durante todo o debate. Foi eficaz e sobretudo fez o tipo de ataques e de comentários que entusiasmam os militantes. O primeiro objectivo de Costa foi claramente atingido: mobilizou o partido para a campanha.
Foi este sucesso que levou muitos comentadores a referirem-se imediatamente a uma «vitória de Costa», começando com o comentador mais popular da TVI, Marcelo Rebelo de Sousa. Embora o diagnóstico de Rebelo de Sousa não seja inteiramente objectivo, porque Costa é o seu candidato a PM; tal como Marcelo é o verdadeiro candidato presidencial do líder do PS. Conhecem-se bem, foram educados na mesma escola (Faculdade de Direito de Lisboa) e partilham alguns valores sociais-democratas. Acima de tudo, fazem parte da oligarquia política de Lisboa, para quem Passos Coelho é um «outsider» (não frequentou as escolas certas nem tem as amizades políticas adequadas). Embora o debate não tenha tratado do tema, já se percebeu que a estratégia preferida de Marcelo e de Costa seria a construção de um bloco central entre os dois, um em Belém e outro em São Bento.
O segundo objectivo de Costa foi separar-se claramente de Sócrates e as várias referências do PM ao antigo líder socialista serviram a sua estratégia. Mas aqui alcançou apenas uma vitória parcial. No lado positivo, deve salientar-se o modo determinado como Costa está a cortar com o legado de Sócrates no PS. Uma tarefa muito difícil, mas mais uma vez Costa está a ser eficaz. Mas o corte com Sócrates não é completo. Situa-se mais ao nível das pessoas e da ética política (fundamental) do que das políticas económicas. Foi isso, de resto, que permitiu que Costa estivesse o debate todo a fugir de Sócrates e Passos todo o tempo a encosta-lo ao antigo PM socialista. E é engraçado assistir ao modo como Sócrates não deixa Costa fugir. As imagens do grupo de Sócrates e dos seus amigos a assistirem ao debate valem mais do que mil palavras.
Mas o modo como Costa não se descolou da política económica do último governo socialista (e afirmar que não vai construir TGVs e pontes é insuficiente) foi a sua derrota e foi a vitória de Passos. E aqui chegamos ao segundo objectivo do debate: convencer os indecisos e os abstencionistas. Há duas razões que explicam as indecisões: zanga com Passos e falta de confiança no PS. Para ganhar as eleições, Passos deve convencer todos aqueles que se enfureceram e cortaram com a coligação a regressarem. Para isso conta com duas coisas: a melhoria da economia e uma imagem de determinação, de confiança e de seriedade como PM. Por isso, Costa negou a recuperação económica e atacou a credibilidade e seriedade de Passos. Mas aqui Costa falhou por uma simples razão: tem a realidade contra ele. Insistiu assim no passado da troika, ignorando o presente do pós-troika. Ao fazê-lo, implicitamente reconheceu o sucesso do governo e a melhoria da economia. Costa está a fazer campanha como se a troika ainda estivesse em Portugal e como se estivéssemos em Abril de 2014. Mas estamos em Setembro de 2015.
Primeiro,
a forma. Costa fez um debate cheio de truques e de piadas, daqueles que marcam
pontos entre os seus militantes (e já vimos que precisava disso para evitar a
apatia do PS). Mas os indecisos são o oposto dos militantes. Não olham para um
debate como um combate de boxe. São pragmáticos (por isso tanto votam no PSD
como no PS), e querem um PM que inspire confiança; nesta altura, um líder
partidário com bons truques de debate não chega.
Depois
as contradições e as mentiras de Costa. Desvalorizou o actual crescimento
económico, «porque é baseado no consumo»; mas afinal o seu programa de estímulo
à economia é assente em mais consumo. Atacou a «precaridade», mas parece que a
maioria dos empregos que quer criar para os jovens são precários. Criticou as
privatizações, mas foi a privatização da ANA que permite sublinhar a sua
credibilidade em termos de redução de despesa na Câmara de Lisboa. Pior do que
estas contradições, mentiu aos portugueses quando disse, mais do que uma vez,
que tinha sido o PSD a trazer a troika para Portugal (até os entrevistadores se
viram obrigados a lembrar Costa que tinha sido o PS). Ainda se auto-elogiou de
uma forma patética dizendo que ganhou três eleições autárquicas em Lisboa, «aumentando
sempre os votos.» Se essa é uma boa qualificação para PM, então Alberto João
Jardim seria o melhor candidato.
Costa
cometeu ainda mais dois erros. Resistiu a qualquer tipo de entendimento com a
coligação, o que mostra uma arrogância e um sectarismo que os indecisos
pragmáticos não apreciam. Finalmente, foi incapaz de reconhecer um único mérito
na governação dos últimos quatro anos. Julgo que teria marcado pontos entre os
indecisos se dissesse, «é verdade os senhores estiverem bem aqui e ali e um
governo por mim chefiado irá procurar melhorar a situação.» Ou se tivesse
garantido, «o meu governo não repetirá certos erros do último governo
socialista». Se o tivesse feito, teria conquistado alguns dos votos dos
indecisos.
Quanto
a Passos, julgo que cometeu dois erros. Não foi convincente a recusar a
acusação de que a austeridade correspondeu a escolhas ideológicas e não a uma
absoluta necessidade. Gostaria que alguém me conseguisse explicar qual é a
ideologia que defende redução da despesa pública e simultaneamente um aumento
de impostos. O segundo erro – talvez porque quis ser demasiado PM – foi não ter
dito claramente que a aplicação do programa de Costa acabará com a troika de
regresso a Portugal. Mas conseguiu uma vitória: com a sua estratégia de colar
Costa a Sócrates, terá impedido que os indecisos voltassem a sentir confiança
num líder socialista. E sem esses votos Costa não ganha. Mesmo que Sócrates
diga que venceu o debate «por 8 a 2».
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