terça-feira, 20 de setembro de 2016


A verdadeira origem das divisões na Igreja


Roberto De Mattei

Na estratégia de comunicação da Santa Sé, fica-se com a impressão de que se misturam informações, desinformações, verdades, meias verdades e até mentiras. A história da Igreja é escrita por entrevistas, discursos improvisados, artigos em blogs para-oficiais, indiscrições mediáticas, deixando o campo aberto a todas as interpretações possíveis e dando origem à suspeitade que a confusão é planejada.

Ettore Gotti Tedeschi
Dois exemplos recentes. O primeiro diz respeito à destituição, em 2012, do presidente do Istituto per le Opere di Religione-IOR [o «Banco do Vaticano»], Ettore Gotti Tedeschi (foto). No derradeiro livro de Bento XVI, as Últimas conversas com Peter Seewald, o «Papa emérito» assume a responsabilidade pela remoção de Gotti Tedeschi, devido, segundo ele, à necessidade de «renovar os líderes» do Banco Vaticano. Mas o secretário  do Papa demissionário, Mons. Georg Gänswein, havia declarado anteriormente que o mesmo Bento XVI não havia tido conhecimento dessa destituição e «ficou surpreso, muito surpreso pelo acto de retirada da confiança ao professor». Andrea Tornielli referiu-se a isso num artigo de 22 de Outubro de 2013, intitulado Bento XVI ficou muito surpreso com a demissão de Gotti Tedeschi. Em 9 de Setembro de 2016, o mesmo vaticanista, sem reparar a contradição, apresenta a nova versão, com o título Ratzinger: foi minha a ideia de mudar os dirigentes do IOR em 2012. Qual é a verdade? Por certo alguém está mentindo e a confusão permanece.

Mais grave é o segundo caso. Em 5 de Setembro, o site Infocatolica publicou uma carta enviada pelo Papa Francisco aos bispos da região pastoral de Buenos Aires, em resposta ao documento Criterios básicos para la aplicación del capítulo VIII de Amoris laetitia. Neste documento, que visa proporcionar ao clero portenho alguns critérios relativos ao oitavo capítulo da exortação, os bispos argentinos afirmam que, com base na Amoris laetitia, os divorciados recasados podem ter acesso à comunhão sacramental, mesmo quando convivem more uxorio, sem a intenção de praticar a castidade. O Papa Francisco manifestou o seu apreço por essa directiva, escrevendo aos prelados que «o texto é muito bom e explica de modo excelente o capítulo VIII da Amoris laetitia. Não há outra interpretação. E estou certo de que fará muito bem». Abriram-se de imediato as polémicas e a carta pontifícia desapareceu misteriosamente do site. Tanto é assim que muitos duvidaram da sua existência, até que o L’Osservatore Romano confirmou a sua autenticidade.

«Não há outra interpretação». A posição do Papa Francisco sobre os divorciados recasados, já expressa no voo de regresso da ilha de Lesbos, neste ponto parece definitivamente clara. Mas se esta é a sua opinião, porque não exprimi-la de forma clara e explícita, em vez de confiá-la a uma nota de rodapé na Amoris laetitia e a uma carta privada que não vai ser publicada? Será talvez porque da primeira forma a contradição com o Magistério perene da Igreja seria pública e formal, enquanto se quer chegar a mudar a doutrina da Igreja de modo ambíguo e sub-reptício?

A impressão é de que estamos diante de uma manipulação das informações, o que  produz no seio da Igreja precisamente aquelas tensões e divisões que o Papa lamentou no seu discurso em Santa Marta no  dia 12 de Setembro: «Divisões ideológicas, teológicas, que laceram a Igreja. O diabo semeia ciúmes, ambições, ideias, mas para dividir (…). As divisões fazem com que se veja esta parte, essa outra parte contra esta e… Sempre contra! Não é o óleo da unidade, o bálsamo unidade».

As divisões, no entanto, nascem da linguagem ambígua do demónio e são vencidas principalmente pela verdade, a verdade da fé e da moral, mas também pela rectidão da linguagem e do comportamento, o que significa renúncia a toda mentira, falsificação ou reticência, seguindo o ensinamento do Evangelho: «Seja a vossa palavra sim, sim; não, não; o que não for isso vem do Maligno» (Mt 5, 37).





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