segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017
Centenário de Fátima, Papa, e Portugal
Padre Nuno Serras Pereira, 4 de Fevereiro de 2017
1. Este ano, todos o sabemos, celebram-se os cem anos das aparições de Nossa Senhora na Cova da Iria, em Fátima, aos três pastorinhos. O Santo Padre, é público, prometeu vir ao Santuário de Fátima dias 12 e 13 de Maio, presidindo às celebrações festivas dessa data memorável da primeira Aparição.
Confesso que, porventura como a maioria dos católicos portugueses, estou impregnado até à medula por esse acontecimento e mensagem. Não que me considere um exemplo de coerência. Longe disso. Mas parece-me impossível conseguir viver a Fé e seguir o Evangelho à margem de Fátima ou ignorando-a.
Contrariamente ao comum dos crentes, segundo creio, o que me tem despertado maior curiosidade não foi a parte do 3.º segredo, tão badalado, que só foi revelada no pontificado de S. João Paulo II. Mas sim, aquela frase tão Misteriosa: «Em Portugal conservar-se-á sempre o Dogma da Fé». Esta revelação que nunca entendi ou valorizei suficientemente (por que não dizer, por exemplo, «em Roma conservar-se-á sempre o Dogma da Fé»? Não seria mais lógico e concorde com aquilo a que estamos acostumados? E, no entanto, não foi isso que foi dito). Torna-se-me mais clara, nos tempos que correm. Convirá, antes de avançar, recordar que as profecias, em geral, são condicionadas pela resposta, ou falta dela, dada por aqueles a quem é dirigida.
2. a) Que essa resposta, nas últimas décadas, não tenha correspondido aos pedidos de Nossa Senhora de Fátima, é particularmente evidente no que diz respeito à Verdade (ao Dogma) de Fé Divina e Católica[1] que proíbe a morte deliberada e directa de todo e qualquer ser humano inocente[2], e a consequente cooperação formal ou material próxima no acto intrinsecamente perverso:
Diz-se heresia a negação pertinaz, depois de recebido o baptismo, de alguma verdade que se deve crer com fé divina e católica., ou ainda a dúvida pertinaz acerca da mesma ... . Ora, uma proposição apresentada para ser crida, pelo magistério universal e ordinário, é de fé divina e católica, é uma verdade dogmática, e a doutrina contrária é formalmente herética (Cf. R. P. I. Salaverri, S.J., Sacrae Theologia Summa, I., De Ecclesia Christi III, Ed. 2, B.A.C., Matriti, N. 897, p. 786). Acresce que o cânone 750, ao aludir às verdades dogmáticas refere-se também à Lei Divina ou lei a crer (Cf. R. P.S. Cartechini, S.J., De valore notarum theologicarum et de criteriis adea dinoscendas (Romae 1951) 11). Uma verdade formalmente revelada é aquela que Deus tornou clara directamente em seu próprio conceito ou termos – de um modo explícito ou implícito: explicitamente em termos directos ou equivalentes, implicitamente quando a verdade está incluída no que foi explicitamente revelado – a parte está incluída no todo, o particular no universal (cf. Ad. Tanquerey, S. S., Manual of Dogmatic Theology, I, Desclée Co., Tournai, 1959, N. 323 A, 202-203).
Tudo isto se tornará, porventura, mais claro se nos recordarmos que Deus revelou o decálogo, declarando no quinto mandamento: Não assassinarás, isto é, não matarás o inocente nem o justo (Ex. 23, 7). Por isso, o cardeal Ratzinger esclareceu que a doutrina da Igreja sobre a grave imoralidade da morte voluntária e directa de um ser humano é um dogma de Fide Divina et Catholicae (verdade de Fé Divina e Católica) (J. Card. Ratzinger, Professio Fidei et Iusiurandum fidelitatis in suscipiendo officio nomine Ecclesiae exercendo una cum nota doctrinali adnexa, AAS 90 (1998) 542-551; Communicationes 30 (1998) 42-49).
Ora, depois do baptismo na Igreja católica, não acreditar ou duvidar obstinadamente (isto é, a pessoa depois de esclarecida continua com a mesma posição) constitui heresia grande, pelo que não está em comunhão com a Igreja católica. Aliás pode-se afirmar que abandonou a Fé, uma vez que não acreditar numa Verdade Revelada por Deus significa, ultimamente, que não se crê n’Ele (que por ser Deus, não Se engana nem nos pode enganar) mas sim em si próprio como critério derradeiro da verdade; ou seja, corresponde a uma autodivinização, evidentemente ilusória, alucinada.
A legalização do aborto provocado, através de voto referendário e parlamentar, e a promulgação por parte do chefe do Estado, mostrou que uma grande maioria de católicos debandou da Fé. O mesmo parece estar para acontecer agora com as tentativas de legalização da eutanásia e do suicídio assistido, isto é, da matança lúgubre e sórdida por parte do Estado dos mais fracos entre os nascidos. De facto, a bandeira dos matadores tem sido arvorada por um político, que no início das suas intervenções na comunicação social faz questão de se dizer católico, o que constitui uma mentira descarada. Algo de semelhante aconteceu por estes dias quando um semanário traz na primeira página as fotografias de duas mulheres, ditas católicas, uma a favor da eutanásia e outra contra. Esta última poderá ser católica, mas a primeira não o é, pois apostatou da sua Fé.
b) Nos dias que correm é vulgar afirmar-se, como se fora um Dogma, que é necessário um grande debate a todos os níveis da sociedade e consequentemente na Igreja também. Daí a prontidão de alguma comunicação social da mesma, enveredar pelo mesmo caminho, dizendo embora durante um dia ou dois, a intervalos, que a sua posição é a da Igreja. Claro que essa afirmação pretextuosa para quem a quem a não tiver ouvido nessa altura é, na prática, inexistente e dá azo a que a essa instituição dê voz a quem advoga as mais nefandas heresias e cruezas desumanas, totalmente contrárias à Lei Divina e à Natural. Tudo isto em nome de um pluralismo informativo, como se se tratasse de assuntos ou matérias opináveis.
Debater, à letra, etimologicamente, significa bater intensamente – o de está a indicar a intensidade e o bater o espancamento. E de facto, os debates não passam de pugilatos verbais em que os combatentes não procuram a verdade mas sim o esmagamento do inimigo, o triunfo. Não é por acaso que na escolástica não se davam debates mas sim disputas que eram uma forma de apurar ou/e aprofundar a Verdade. Aceitar debater com títeres do Maligno é correr o enorme risco de expor-se a uma derrota vergonhosa e trágica. E isto, entre outras, por duas razões principais. A primeira, porque ao aceitar o debate se dá, objectivamente, por adquirido que a matéria é opinável, relativa, e, portanto, susceptível dela dipormos, como se ela não fosse, como é, indisponível. A segunda, porque, como diz o Evangelho os filhos das trevas, nas coisas deste mundo, são mais astutos do que os filhos da Luz. Eles são mestres em demagogia e populismo, em manipular emoções e sentimentos, em infundir medos irracionais e falsas compaixões, e o mais que fica por dizer. Acresce que, como dizia Marshall McLuhan, o meio é a mensagem. E esse meio é, num certo sentido, objectivamente, adverso à séria consideração e contemplação destas verdades.
3. Nos inícios deste pontificado, embora não o tenha mostrado publicamente, surgiram em mim duas impressões e interrogações, a saber, 1 – o Papa Francisco irá catolicizar os jesuítas (pós-Arrupe) ou, pelo, contrário, enjesuitar a Igreja? 2 – No combate, manifesto, entre Jorge Mario Bergoglio e o Papa Francisco quem irá vencer?
Aquando da sua primeira entrevista, publicada em 19 revistas jesuítas, um pouco por todo o mundo, e a conferência de imprensa feita na sua viagem de regresso das jornadas mundiais da juventude no Brasil, confesso que fiquei muito inquieto, com a impressão que este pontificado tinha como um dos seus objectivos principais desmantelar o de S. João Paulo II, e com ele, a Revelação transmitida pela Sagrada Escritura e pela Tradição da Igreja. Ora, este desassossego não era coisa que se desse a conhecer através das mensagens que vou enviando. Por isso, o modo discreto em que vos comuniquei aquilo que parece me adivinhava o coração foi pedir-vos que rezassem a S. João Paulo II para que Francisco confirmasse as verdades que ele tinha ensinado. Agora, porém, já há gente autorizada que o escreve claramente.
A divisão na Igreja é, agora, claríssima. Bispos contra bispos, cardeais contra cardeais, fiéis leigos (aqueles que segundo os cardeais Newman, Ratzinger e Congar, salvaram a Igreja – com uma pouca de bispos e um assinalável, mais extenso, grupo de simples sacerdotes) desorientados, perplexos e irados. A heresia, sacramental e moral campeia sem freio nos dentes. Leigos aconselhados a praticar sacrilégios, padres forçados a cooperar neles, sob pena de suspensão canónica.
Se todo este «pluralismo» doutrinal e pastoral é lícito na Igreja católica, por que não o há-de ser nas comunidades eclesiais protestantes e mais ainda nos ortodoxos? Sendo assim, todos somos afinal católicos, abandonado o confessialismo, ou aceite toda e qualquer expressão diversa, variável, mesmo oposta, do mesmo então a Igreja será, e só então católica (universal). A questão do Papado resolver-se-á facilmente alternando sucessivamente, ao princípio, um Papa da Igreja latina seguido de um da Igreja Ortodoxa e, com o decorrer do tempo, possibilidades mais alargadas seriam possíveis. O Papa seria uma espécie de Rainha da Inglaterra, presidindo simbolicamente a uma federação multiplicadamente variegada. E assim, finalmente a Igreja seria mesmo católica. Não cuidem que brinco; infelizmente, não é o caso.
4. O que é que se joga neste centenário de Fátima? A conservação ou a recuperação em Portugal e na Igreja do Dogma da Fé. Para isso é necessário seguir o que Nossa Senhora nos pediu: Oração, sacrifício e conversão. Temos mesmo muito que fazer e padecer se quisermos que o grande Milagre aconteça.
À honra de Cristo e de Sua Mãe, Maria Santíssima. Ámen.
[1] «The first paragraph states: «With firm faith, I also believe everything contained in the Word of God, whether written or handed down in Tradition, which the Church, either by a solemn judgment or by the ordinary and universal Magisterium, sets forth to be believed as divinely revealed». The object taught in this paragraph is constituted by all those doctrines of divine and catholic faith which the Church proposes as divinely and formally revealed and, as such, as irreformable.11
These doctrines are contained in the Word of God, written or handed down, and defined with a solemn judgment as divinely revealed truths either by the Roman Pontiff when he speaks «ex cathedra», or by the College of Bishops gathered in council, or infallibly proposed for belief by the ordinary and universal Magisterium.
These doctrines require the assent of theological faith by all members of the faithful. Thus, whoever obstinately places them in doubt or denies them falls under the censure of heresy, as indicated by the respective canons of the Codes of Canon Law. … To the truths of the first paragraph belong the articles of faith of the Creed, the various Christological dogmas21 and Marian dogmas;22 the doctrine of the institution of the sacraments by Christ and their efficacy with regard to grace;23 the doctrine of the real and substantial presence of Christ in the Eucharist24 and the sacrificial nature of the eucharistic celebration;25 the foundation of the Church by the will of Christ;26 the doctrine on the primacy and infallibility of the Roman Pontiff;27 the doctrine on the existence of original sin;28 the doctrine on the immortality of the spiritual soul and on the immediate recompense after death;29 the absence of error in the inspired sacred texts;30 the doctrine on the grave immorality of direct and voluntary killing of an innocent human being.31» In DOCTRINAL COMMENTARY ON THE CONCLUDING FORMULA OF THE PROFESSIO FIDEI
Congregation for the Doctrine of the Faith [This commentary was issued coincident with the promulgation of «Ad tuendam fidem» by Pope John Paul II, modifying the Oriental and Latin codes of canon law.]
[2] ... «a inviolabilidade absoluta da vida humana inocente é uma verdade moral explicitamente ensinada na Sagrada Escritura, constantemente mantida na Tradição da Igreja e unanimamente proposta pelo seu Magistério. Tal unanimidade é fruto evidente daquele «sentido sobrenatural da fé» que, suscitado e apoiado pelo Espírito Santo, preserva do erro o Povo de Deus, quando «manifesta consenso universal em matéria de fé e costumes».
Face ao progressivo enfraquecimento, nas consciências e na sociedade, da percepção da absoluta e grave ilicitude moral da eliminação directa de qualquer vida humana inocente, sobretudo no seu início e no seu termo, o Magistério da Igreja intensificou as suas intervenções em defesa da sacralidade e inviolabilidade da vida humana. Ao Magistério pontifício, particularmente insistente, sempre se uniu o Magistério episcopal, com numerosos e amplos documentos doutrinais e pastorais emanados quer pelas Conferências Episcopais, quer pelos bispos individualmente. Não faltou sequer, forte e incisiva na sua brevidade, a intervenção do Concílio Vaticano II.
Portanto, com a autoridade que Cristo conferiu a Pedro e aos seus Sucessores, em comunhão com os bispos da Igreja católica, confirmo que a morte directa e voluntária de um ser humano inocente é sempre gravemente imoral. Esta doutrina, fundada naquela lei não-escrita que todo o homem, pela luz da razão, encontra no próprio coração (cf. Rm 2, 14-15), é confirmada pela Sagrada Escritura, transmitida pela Tradição da Igreja e ensinada pelo Magisterio ordinário e universal.
A decisão deliberada de privar um ser humano inocente da sua vida é sempre má do ponto de vista moral, e nunca pode ser lícita nem como fim, nem como meio para um fim bom. É, de facto, uma grave desobediência à lei moral, antes ao próprio Deus, autor e garante desta; contradiz as virtudes fundamentais da justiça e da caridade. «Nada e ninguém pode autorizar que se dê a morte a um ser humano inocente seja ele feto ou embrião, criança ou adulto, velho, doente incurável ou agonizante. E também a ninguém é permitido requerer este gesto homicida para si ou para outrem confiado à sua responsabilidade, nem sequer consenti-lo explícita ou implicitamente. Não há autoridade alguma que o possa legitimamente impor ou permitir».
No referente ao direito à vida, cada ser humano inocente é absolutamente igual a todos os demais. Esta igualdade é a base de todo o relacionamento social autêntico, o qual, para o ser verdadeiramente, não pode deixar de se fundar sobre a verdade e a justiça, reconhecendo e tutelando cada homem e cada mulher como pessoa, e não como coisa de que se possa dispor. Diante da norma moral que proíbe a eliminação directa de um ser humano inocente, «não existem privilégios, nem excepções para ninguém. Ser o dono do mundo ou o último ‘miserável’ sobre a face da terra, não faz diferença alguma: perante as exigências morais, todos somos absolutamente iguais» In S. João Paulo II, O Evangelho da vida, n.º 57
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