sábado, 9 de janeiro de 2010

Árvore genealógica moderna

Crónica de Luís Fernando Veríssimo, filho do Erico Veríssimo,
que escreve semanalmente na
Folha de S. Paulo



-- Mãe, vou casar!

-- Jura, meu filho?! Estou tão feliz! Quem é a moça?

-- Não é moça. Vou casar com um moço. O nome dele é Murilo.

-- Você falou Murilo... Ou foi meu cérebro que sofreu um pequeno surto psicótico?

-- Eu falei Murilo. Porquê, Mãe? Tá acontecendo alguma coisa?

-- Nada, não... Só minha visão que está um pouco turva. E meu coração, que talvez dê uma parada.

-- No mais, está tudo óptimo.

-- Se você tiver algum problema em relação a isto, melhor falar logo...

-- Problema? Problema nenhum.

-- Só pensei que algum dia ia ter uma nora... Ou isso.

-- Você vai ter uma nora. Só que uma nora... Meio macho. Ou um genro meio fêmea. Resumindo: uma nora quase macho, tendendo a um genro quase fêmea...

-- E quando eu vou conhecer o meu. A minha... O Murilo?

-- Pode chamar ele de Biscoito. É o apelido.

-- Tá! Biscoito... Já gostei dele... Alguém com esse apelido só pode ser uma pessoa bacana. Quando o Biscoito vem aqui?

-- Porquê?

-- Por nada. Só para eu poder preparar seu Pai com antecedência.

-- Você acha que o Papai não vai aceitar?

-- Claro que vai aceitar! Lógico que vai. Só não sei se ele vai sobreviver... Mas isso também é uma bobagem. Ele morre sabendo que você achou sua cara-metade... E olha que espectáculo: as duas metades com bigode.

-- Mãe, que besteira... Hoje em dia... Praticamente todos os meus amigos são gays.

-- Só espero que tenha sobrado algum que não seja... Para poder apresentar para tua irmã.

-- A Bel já está namorando.

-- A Bel? Namorando?! Ela não me falou nada... Quem é?

-- Uma tal de Veruska.

-- Como ?

-- Veruska...

-- Ah!, bom! Que susto! Pensei que você tivesse falado Veruska.

-- Mãe!!!...

-- Tá..., tá..., tudo bem... Se vocês são felizes. Só fico triste porque não vou ter um neto...

-- Por que não? Eu e o Biscoito queremos dois filhos. Eu vou doar os espermatozóides. E a ex-namorada do Biscoito vai doar os óvulos.

-- Ex-namorada? O Biscoito tem ex-namorada?

-- Quando ele era hétero... A Veruska.

-- Que Veruska ?

-- Namorada da Bel...

-- Espera aí. A ex-namorada do teu actual namorado... E a actual namorada da tua irmã. Que é minha filha também... Que se chama Bel. É isso? Porque eu me perdi um pouco...

-- É isso. Pois é... A Veruska doou os óvulos. E nós vamos alugar um útero.

-- De quem?

-- Da Bel.

-- Mas. Logo da Bel?! Quer dizer então... Que a Bel vai gerar um filho teu e do Biscoito. Com o teu espermatozóide e com o óvulo da namorada dela, que é a Veruska...

-- Isso.

-- Essa criança, de uma certa forma, vai ser tua filha, filha do Biscoito, filha da Veruska e filha da Bel.

-- Em termos...

-- A criança vai ter duas mães: você e o Biscoito. E dois pais: a Veruska e a Bel.

-- Por aí...

-- Por outro lado, a Bel..., além de mãe, é tia... Ou tio... Porque é tua irmã.

-- Exacto. E o ano que vem vamos ter um segundo filho. Aí o Biscoito é que entra com o espermatozóide. Que dessa vez vai ser gerado no ventre da Veruska... Com o óvulo da Bel. A gente só vai trocar.

-- Só trocar, né? Agora o óvulo vai ser da Bel. E o ventre da Veruska.

-- Exato!

-- Agora eu entendi! Agora eu realmente entendi...

-- Entendeu o quê?

-- Entendi que é uma espécie de swing dos tempos modernos!

-- Que swing, mãe?!!....

-- É swing, sim! Uma troca de casais... Com os óvulos e os espermatozóides, uma hora no útero de uma, outra hora no útero de outra...

-- Mas..

-- Isso é um bacanal de última geração! E pior... Com incesto no meio...

-- A Bel e a Veruska só vão ajudar na concepção do nosso filho, só isso...

-- Sei!!!... E quando elas quiserem ter filhos...

-- Nós ajudamos.

-- Quer saber? No final das contas não entendi mais nada. Não entendi quem vai ser mãe de quem, quem vai ser pai de quem, de quem vai ser o útero, o espermatozóide... A única coisa que eu entendi é que...

-- Que...?

-- Fazer árvore genealógica daqui prá frente... vai ser...

Enviado por Afonso Perdigão

Sem comentários: