quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Vítor gastar

João Cândido da Silva

Há por aí um "reality show" em que ganha quem conseguir perder mais peso durante o tempo de duração do concurso.


Há por aí um "reality show" em que ganha quem conseguir perder mais peso durante o tempo de duração do concurso. Entre os contribuintes e o Estado, decorre há vários anos uma competição semelhante. O problema é que não jogam todos com as mesmas regras.
Neste passatempo desequilibrado, uns têm de emagrecer mesmo que não queiram ou não possam. E enquanto definham, o mais anafado de todos os concorrentes não só decide como, quando e quanta massa devem os outros perder, como se permite continuar a engordar ao ritmo das promessas sucessivas de que amanhã é que há-de começar a fazer dieta. O problema é que o amanhã nunca chega.
O documento de estratégia orçamental apresentado pelo ministro das Finanças tem, pelo menos, uma virtude. Mostra como as metas de redução do défice e da despesa pública inscritas em sucessivos programas de estabilidade e crescimento nunca foram cumpridas. Os governos sucederam-se desde a adesão de Portugal à Zona Euro, as garantias de que a doença das finanças públicas iria ser alvo de extermínio também foram renovadas ano após ano, mas nem o Estado emagreceu, nem os contribuintes deixaram de ser explorados, sempre a caminho de ficarem apenas com pele e osso.


Em todos estes anos que já se contabilizam por uma década, o Estado traçou metas reluzentes de saneamento das suas contas, mas alimentou falsas expectativas e foi sempre cedendo às tentações que lhe foram lançadas ao caminho pelos grupos de pressão. Portou-se como a vítima de obesidade que bebe um copo de leite magro ao pequeno-almoço para ajudar a engolir a bola de Berlim com creme. Isto nos dias de apetite moderado.
O documento que estabelece os objectivos da política orçamental para os próximos anos promete, novamente, romper com o círculo vicioso que matou a credibilidade do país e que o força, agora, a um internamento de desintoxicação. A análise da informação permite perceber que, já este ano, o contributo da redução da despesa para reduzir o saldo negativo das finanças públicas será superior ao que virá da receita, apesar do golpe que o Governo se propõe perpetrar nos bolsos de quem sustenta as administrações públicas. E conclui-se, também, que esta tendência se manterá até 2015.


A experiência passada aconselha a que se veja para só depois se poder acreditar. E uma atitude prudente como esta ainda ganha mais justificação caso se recorde que, antes de chegarem ao poder, os seus actuais inquilinos despachavam a resolução dos problemas com o vago combate ao desperdício e aos gastos injustificados, tendo já ficado claro que a primeira coisa que não quiseram desperdiçar foi a oportunidade de sacar mais dinheiro onde este estava a jeito de ser sugado.
A meta de chegar daqui a quatro anos com o défice próximo do zero é ambiciosa. Nunca foi atingida num regime democrático que inscreveu no seu código genético a original equação que permite distribuir riqueza antes, mesmo, de esta ser criada e que se transformou numa espécie de derradeira república socialista soviética, com uma economia devastada.

Para inverter o trilho de empobrecimento e libertar recursos para retomar uma trajectória de crescimento, é preciso, desta vez, que o candidato mais necessitado de fazer dieta cumpra de forma escrupulosa os objectivos que anunciou. A esperança que resta é que o ministro das Finanças não queira chegar ao final do mandato com a alcunha de "Vítor gastar".
 

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