segunda-feira, 12 de março de 2012

Tão queridos que eles são


Nuno Serras Pereira







1. Os nossos queridíssimos e ternurentos irmãos que, com um amor infinito, adoram homicidiar esses horrendos e temíveis entes que são os execráveis concebidos por nascer, no seu benigno empenho esforçado por nos persuadir da desumanidade malvada de nos opormos à legalização/liberalização do excelso aborto, remédio e antídoto eficaz de todos os males da mulher e da sociedade, repetiram, insistiram, embezerraram, marralharam, caturraram, que, contrariamente a nós crescidos, os abjectos concebidos eram uma amálgama intrusa, invasora, dira e cruévil, inoculada, pérfida e venenosamente, no seio claustral das mulheres. Nada, mesmo absolutamente nada, assim nos doutrinaram, havia de comum entre um recém-nascido e um concebido ainda não parturido. O facto de sair, nascendo, do seio da grávida constituía uma mutação essencial que transformava o horripilante monstruoso num encantador e esplêndido ser humano, pessoa como nós. Eliminar uma criança parida era indubitavelmente um nefando infanticídio, totalmente inaceitável, uma barbaridade hedionda.
Nós, os fundamentalistas, crucificadores das mulheres grávidas, católicos fanáticos, inquisidores barbudos, casmurros desapiedados, instigadores e perpetuadores do flagelo do aborto, argumentámos, com a perfídia e a hipocrisia própria dos desalmados, a igualdade essencial da dignidade transcendente, do valor sublime, de cada ser humano, desde o seu início até ao seu termo, uma vez que não havia dissolução de continuidade desde a concepção até à morte; mas pelo contrário, adiantávamos na nossa presunçosa ignorância, eram sempre os mesmos, percorrendo diversa fases de desenvolvimento. E assim como o facto de um bebé nascido não ter ainda o cérebro completo, ou um menino não ter barba nem pêlos nas axilas, ou não ser capaz de procriar, por ainda não estar plenamente desenvolvido não fazia dele menos pessoa do que um jovem ou adulto, do mesmo modo as diversas fases de amadurecimento durante a prenhez são sinal de que aquele que será já o é, pois se assim não fora nunca seria.
Claro que quem tem uma noção exacta da realidade e a exprime não pode deixar de ser escorraçado, chacoteado, escarnecido como pulha tirano que pretende obstar a que espíritos egrégios decidam eles próprios nas suas fantásticas lucubrações subjectivistas produzir o real, o que é e o que não é, que uma coisa pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto, e outras deslumbrantes vacuidades do mesmo teor.
Uma vez conseguida a banalização do aborto os generosos benfeitores da humanidade que para ela contribuíram vêem agora num fervor, num excesso de caridade esclarecer as nossas mentes obscuras, iluminando as trevas da nossa cegueira para que vejamos claramente que um infante dado à luz afinal não é senão o mesmo que um concebido não nascido. Por isso pode e dever ser aniquilado, se os adultos assim o entenderem, pois isso não passa de um abortamento pós-parto. Seguramente que estas inteligências clarividentes, dotadas não só de grande talento como de uma genialidade imensa nos ensinarão num futuro breve, para nosso grande proveito, e bem de toda a humanidade, que há ainda mais classes de seres humanos que não são pessoas, ou por que nunca o foram ou porque o deixaram de ser. Afortunadamente, com o decorrer do tempo, os limites alargar-se-ão de modo a permitir uma cada vez maior abundância de viventes humanos desmascarados como não pessoas. Creio mesmo que todos estaremos ansiosos que nos classifiquem com tais de modo a que o nosso nada parasitário seja reconhecido e devidamente debelado com as medidas higiénicas adequadas à eliminação dos que, como nós, não são. Que alegria, que júbilo, que exultação virmos a ser letalmente eliminados para que os mais fortes e poderosos possam, como devem, singrar sem empecilhos para uma humanidade nova, constituída por super-homens! Os nossos cadáveres serão o estrume que lhes permitirá florescer! Viva a nossa morte!!!
Para grande gáudio dos geneticamente superiores, detentores da riqueza das nações, do domínio dos média, do poder político, desde há muito que se pratica de facto o infanticídio ou, como agora se deve dizer, o aborto pós-natal. O presidente Obama, tão do agrado do nosso Cardeal Patriarca, ainda antes de ser eleito presidente votou a favor do infanticídio dos bebés que sobrevivessem ao abortamento. Nalguns hospitais de Portugal, induz-se o parto para depois deixar morrer passivamente ou matar activamente a criança nascida dando-a como abortada.
Embora a taxa de sobrevivência de bebés nascidos prematuramente a partir das 22 semanas seja muito significativa ela é dispensada na maioria dos hospitais, com o equipamento necessário, um pouco por todo o mundo.
Um estudo realizado sobre 10. 000 recém-nascidos publicado, em Dezembro passado, no Journal of the American Medical Association que incidiu sobre a sobrevivência dos mesmos entre as 22 e as 25 semanas chegou aos seguintes resultados: sobrevivência às 22 semanas: 27, 1%; às 23 semanas: 41, 8%; às 24 semanas: 60% 4. O neonatalogista Carlo Bellieni depois de apresentar estes dados conclui: «Quantos adultos de pois de um ictus ou de um enfarte desejariam um prognóstico deste tipo? E a ninguém passa pela cabeça (por agora) em não socorrer quem tem um enfarte (ou de só o socorrer depois de ter conversado com os parentes) ».

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