sexta-feira, 16 de novembro de 2012

ARISTIDES DE SOUSA MENDES:
AS ORIGENS DO MITO - Parte I


João Brandão Ferreira

A propósito do recente filme sobre o personagem, importa repor a verdade! Volto a publicar dois artigos que há tempos escrevi e que se tornam de novo actuais.
Reedição 10/11/12
Há muito tempo que pensava escrever sobre Aristides de Sousa Mendes (ASM). Ou melhor sobre o que alguns escribas da nossa praça têm escrito sobre ele e a propósito dele. A gota de água chegou agora com a inclusão do seu nome na lista dos 10 portugueses (nesse incrível concurso), de que sairá o mais «insigne» de todos nós (!) e da que, a propósito, escreveu o Dr. José Miguel Júdice (JMJ) (Público 19/1/07). Antes de entrar na matéria de facto convém colocar as seguintes questões: como é que alguém que até há meia dúzia de anos era desconhecido de 99,9% dos nacionais, aparece entre os supostamente 10 melhores portugueses de sempre? A quem é que isso, eventualmente, serve? É o que vamos tentar dilucidar.
ASM tem origem numa família portuguesa, cristã nova, do distrito de Viseu (Cabanas de Viriato), nobilitada no século XVIII.
A família de ASM estava perfeitamente inserida no regime do «Estado Novo». ASM era casado e tinha numerosa prole (12 filhos). Dotado de alguma instabilidade de temperamento tinha dificuldade na gestão das suas finanças a que não seria alheia a sua tendência para o jogo. Daqui resultaram vários problemas e dificuldades.
ASM tinha um irmão gémeo, César de Sousa Mendes do Amaral e Abranches, que foi um embaixador respeitado, inclusive, por Salazar, de quem tinha sido companheiro no CADC [1], em Coimbra. Foi Ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE), entre 5/7/32 e 11/4/33. Este irmão, que era embaixador em Varsóvia, quando a Segunda Guerra começou, e teve que se vir embora a muito custo era quem, normalmente valia a ASM nas suas aflições.
ASM, que também tinha seguido a carreira diplomática, era Cônsul de Portugal em Bordéus, em 1940, ano em que a França foi vencida militarmente pela Alemanha, em apenas 30 dias.
A perseguição que os regimes nacional-socialista, alemão e fascista, italiano (e seus satélites) passaram a fazer aos judeus (e não só a estes, convém lembrar) levou a que muitos refugiados fossem bater à porta dos países neutrais – que era o caso de Portugal – na esperança de obterem protecção e daí procurarem meios de atingir a Inglaterra e os EUA, países que a maioria pretendia alcançar.
O governo português anuiu tacitamente na concessão de vistos, por razões humanitárias, desde que os refugiados alegassem terem ascendência portuguesa (lembra-se que Salazar era MNE no período da II GM).
Ora esta condição afigura-se-me apenas como mera justificação formal, que prevenisse eventuais problemas internacionais, do que medida a ser levada à risca, já que nem parece que alguma vez fosse escrita. Isto porque a maioria dos eventuais descendentes de judeus portugueses seriam do ramo Sefardita o que não era o caso dos judeus do centro e norte da Europa, na maioria Askenazin.
Conhece-se o nome de vários diplomatas portugueses que passaram vistos: o Embaixador Sampaio Garrido (pai) ministro em Budapeste a partir de 27/7/39 e do Embaixador Teixeira Branquinho, que esteve à frente da mesma Legação, a partir de 25/4/44; o Cônsul em Berlim, de 17/9/41 a 13/4/45, Mário de Faria e Melo Duarte (tio do poeta/deputado Manuel Alegre – regista-se como curiosidade); o Ministro em Berna, de Jan/35 a 1945, Embaixador José Jorge Rodrigues dos Santos (genro de Carmona); e ao que parece, é muito possível que o nosso Ministro em Ancara, entre Fev. de 41 e 1944, Calheiros e Menezes, também o tivesse feito.
Não se sabe ao certo quantos vistos foram concedidos, mas calcula-se que, no cômputo geral, tenham atingido vários centenas de milhares.
Como se pode constatar não foi só ASM que passou vistos a refugiados judeus e outros, nem tal era proibido nem sequer contrariado pelo governo português de então.
O problema surgiu quando os governos de Berlim e Londres se aperceberam da enorme quantidade de refugiados que chegavam. Na sequência, o embaixador alemão em Lisboa, reportou preocupação pelos problemas que tal estaria a causar, com implícitas ameaças de retaliação. E o embaixador inglês alertou, também, para a questão (tinham inclusive receio de que entre os refugiados se infiltrassem agentes alemães).
Foi então que Salazar revê o assunto e mandou instruir todas as legações portuguesas aconselhando prudência e rigor na avaliação dos pedidos de vistos.
ASM não observou as instruções, foi chamado a Lisboa e alvo de um processo disciplinar, por desobediência.
Depois foi suspenso (mas nunca demitido), aguardando aposentação. ASM casou segunda vez mas nunca mais conseguiu refazer profissionalmente a sua vida, vivendo com dificuldades financeiras, até ao fim dos seus dias. O caso caiu, naturalmente, no esquecimento.
Até que durante o primeiro consulado do Dr. Jaime Gama como MNE, a jornalista Diana Andringa (e depois dela, outros), tentou consultar o processo de ASM. Como o processo era confidencial, a autorização foi negada. Envidaram-se então esforços para que o processo fosse desclassificado. Correram os trâmites e já no tempo de Durão Barroso como MNE, foi autorizada a desclassificação da documentação referente a ASM. A partir daqui não mais deixaram de aparecer artigos, documentários e parafernália vária, relativa à figura e acção de ASM.
Sempre se destacando a humanidade da sua acção em contraponto à violência do regime, o enaltecimento da sua desobediência versus a perfídia da postura do governo português da altura, a justiça das suas ideias e acção, em contraste com a dureza e violência do seu tratamento posterior.
Ou seja, está encontrado o primeiro objectivo do ressuscitamento de ASM: atacar e denegrir a figura e obra do Professor António de Oliveira Salazar.
E tudo isto tem sido feito com uma grande desonestidade intelectual, para ficarmos só por aqui.
Em primeiro lugar porque se manipulou dados, se recorre a inverdades e se torcem intenções.
Tenta-se julgar os personagens e os eventos, segundo os ditames morais e intelectuais de agora e não pelos da época;
Tão pouco se tenta enquadrar a actuação dos intervenientes na conjuntura muito delicada e perigosa em que se encontrava Portugal e os portugueses.
Ora a nós parece-nos que a actuação do governo português de então foi corajosa, humana, ponderada e inteligente. E que a sanção que foi atribuída a ASM parece equilibrada e justa. E estamos em crer que, se hoje em dia, um diplomata fizesse o que ASM fez, o procedimento do Estado Português para com ele, seria idêntico.
No meio de tudo isto parece-nos que JMJ – para além da falta de informação que já começa a caracterizá-lo – é utilizado em toda esta trama como um ingénuo útil.
Em conclusão, podemos convir em que parece fora de dúvida que o enaltecimento de ASM, serve a causa de quem quer atacar Salazar. Em próximo escrito daremos pistas para outros interesses.

[1] Centro Académico da Democracia Cristã.
 

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