João Brandão Ferreira
A propósito do recente filme sobre o personagem, importa repor a verdade! Volto a publicar dois artigos que há tempos escrevi e que se tornam de novo actuais.
Reedição 10/11/12
Há muito tempo que pensava escrever sobre
Aristides de Sousa Mendes (ASM). Ou melhor sobre o que alguns escribas da nossa
praça têm escrito sobre ele e a propósito dele. A gota de água chegou agora com
a inclusão do seu nome na lista dos 10 portugueses (nesse incrível concurso),
de que sairá o mais «insigne» de todos nós (!) e da que, a propósito, escreveu
o Dr. José Miguel Júdice (JMJ) (Público 19/1/07). Antes de entrar na matéria de
facto convém colocar as seguintes questões: como é que alguém que até há meia
dúzia de anos era desconhecido de 99,9% dos nacionais, aparece entre os
supostamente 10 melhores portugueses de sempre? A quem é que isso,
eventualmente, serve? É o que vamos tentar dilucidar.
ASM tem origem numa família
portuguesa, cristã nova, do distrito de Viseu (Cabanas de Viriato), nobilitada
no século XVIII.
A família de ASM estava perfeitamente
inserida no regime do «Estado Novo». ASM era casado e tinha numerosa prole (12
filhos). Dotado de alguma instabilidade de temperamento tinha dificuldade na
gestão das suas finanças a que não seria alheia a sua tendência para o jogo.
Daqui resultaram vários problemas e dificuldades.
ASM tinha um irmão gémeo, César de Sousa
Mendes do Amaral e Abranches, que foi um embaixador respeitado, inclusive, por
Salazar, de quem tinha sido companheiro no CADC [1], em Coimbra.
Foi Ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE), entre 5/7/32 e 11/4/33. Este
irmão, que era embaixador em Varsóvia, quando a Segunda Guerra começou, e teve
que se vir embora a muito custo era quem, normalmente valia a ASM nas suas
aflições.
ASM, que também tinha seguido a carreira
diplomática, era Cônsul de Portugal em Bordéus, em 1940, ano em que a França
foi vencida militarmente pela Alemanha, em apenas 30 dias.
A perseguição que os regimes nacional-socialista, alemão e fascista, italiano (e seus satélites) passaram a fazer aos
judeus (e não só a estes, convém lembrar) levou a que muitos refugiados fossem
bater à porta dos países neutrais – que era o caso de Portugal – na esperança
de obterem protecção e daí procurarem meios de atingir a Inglaterra e os EUA,
países que a maioria pretendia alcançar.
O governo português anuiu tacitamente na
concessão de vistos, por razões humanitárias, desde que os refugiados alegassem
terem ascendência portuguesa (lembra-se que Salazar era MNE no período da II
GM).
Ora esta condição afigura-se-me apenas como
mera justificação formal, que prevenisse eventuais problemas internacionais, do
que medida a ser levada à risca, já que nem parece que alguma vez fosse escrita.
Isto porque a maioria dos eventuais descendentes de judeus portugueses seriam
do ramo Sefardita o que não era o caso dos judeus do centro e norte da Europa,
na maioria Askenazin.
Conhece-se o nome de vários diplomatas portugueses que passaram
vistos: o Embaixador Sampaio Garrido (pai) ministro em
Budapeste a partir de 27/7/39 e do Embaixador Teixeira Branquinho, que esteve à
frente da mesma Legação, a partir de 25/4/44; o Cônsul em Berlim, de 17/9/41 a
13/4/45, Mário de Faria e Melo Duarte (tio do poeta/deputado Manuel Alegre –
regista-se como curiosidade); o Ministro em Berna, de Jan/35 a 1945, Embaixador
José Jorge Rodrigues dos Santos (genro de Carmona); e ao que parece, é muito
possível que o nosso Ministro em Ancara, entre Fev. de 41 e 1944, Calheiros e
Menezes, também o tivesse feito.
Não se sabe ao certo quantos vistos foram
concedidos, mas calcula-se que, no cômputo geral, tenham atingido vários
centenas de milhares.
Como se pode constatar não foi só ASM que
passou vistos a refugiados judeus e outros, nem tal era proibido nem sequer
contrariado pelo governo português de então.
O problema surgiu quando os governos de
Berlim e Londres se aperceberam da enorme quantidade de refugiados que
chegavam. Na sequência, o embaixador alemão em Lisboa, reportou preocupação
pelos problemas que tal estaria a causar, com implícitas ameaças de retaliação.
E o embaixador inglês alertou, também, para a questão (tinham inclusive receio
de que entre os refugiados se infiltrassem agentes alemães).
Foi então que Salazar revê o assunto e
mandou instruir todas as legações portuguesas aconselhando prudência e rigor na
avaliação dos pedidos de vistos.
ASM não observou as instruções, foi chamado
a Lisboa e alvo de um processo disciplinar, por desobediência.
Depois foi suspenso (mas nunca demitido),
aguardando aposentação. ASM casou segunda vez mas nunca mais conseguiu refazer
profissionalmente a sua vida, vivendo com dificuldades financeiras, até ao fim
dos seus dias. O caso caiu, naturalmente, no esquecimento.
Até que durante o primeiro consulado do Dr.
Jaime Gama como MNE, a jornalista Diana Andringa (e depois dela, outros),
tentou consultar o processo de ASM. Como o processo era confidencial, a
autorização foi negada. Envidaram-se então esforços para que o processo fosse
desclassificado. Correram os trâmites e já no tempo de Durão Barroso como MNE,
foi autorizada a desclassificação da documentação referente a ASM. A partir
daqui não mais deixaram de aparecer artigos, documentários e parafernália
vária, relativa à figura e acção de ASM.
Sempre se destacando a humanidade da sua
acção em contraponto à violência do regime, o enaltecimento da sua
desobediência versus a perfídia da postura do governo português da altura, a
justiça das suas ideias e acção, em contraste com a dureza e violência do seu
tratamento posterior.
Ou seja, está encontrado o primeiro
objectivo do ressuscitamento de ASM: atacar e denegrir a figura e obra do
Professor António de Oliveira Salazar.
E tudo isto tem sido feito com uma grande
desonestidade intelectual, para ficarmos só por aqui.
Em primeiro lugar porque se manipulou dados,
se recorre a inverdades e se torcem intenções.
Tenta-se julgar os personagens e os
eventos, segundo os ditames morais e intelectuais de agora e não pelos da
época;
Tão pouco se tenta enquadrar a actuação dos
intervenientes na conjuntura muito delicada e perigosa em que se encontrava
Portugal e os portugueses.
Ora a nós parece-nos que a actuação do
governo português de então foi corajosa, humana, ponderada e inteligente. E que
a sanção que foi atribuída a ASM parece equilibrada e justa. E estamos em crer
que, se hoje em dia, um diplomata fizesse o que ASM fez, o procedimento do
Estado Português para com ele, seria idêntico.
No meio de tudo isto parece-nos que JMJ –
para além da falta de informação que já começa a caracterizá-lo – é utilizado
em toda esta trama como um ingénuo útil.
Em conclusão, podemos convir em que parece fora de dúvida que o enaltecimento de ASM,
serve a causa de quem quer atacar Salazar. Em
próximo escrito daremos pistas para outros interesses.
[1] Centro Académico da Democracia Cristã.
[1] Centro Académico da Democracia Cristã.
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