terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Será que a «descolonização» chegou à Europa?


João J. Brandão Ferreira

Depois da queda do Muro de Berlim, em 1989, a URSS implodiu e, num curto espaço de tempo, teve que dar a independência (apesar de, nalguns casos, a mesma ser mais formal do que real) a várias «Repúblicas» do seu vasto império, agregadas a ferro e fogo, à medida que os eslavos russos foram cavalgando as estepes.
Durante muitas décadas o governo soviético andou a espalhar guerras pelo mundo, que apelidou de «libertação» na mira e em nome do «internacionalismo proletário» e na lógica da «Guerra Fria». Ao mesmo tempo que mantinha a sua bota imperialista sobre a Europa Oriental.
Nunca lhe ocorreu questionar – nem a muitos outros, nomeadamente os que atacavam Portugal – se o que faziam aos povos contíguos, não seria colonialismo, ou até pior!
Será que foi por eles terem ido a cavalo e os europeus de navio?
Livres dos russos e com o comunismo desacreditado logo rebentaram os nacionalismos na Jugoslávia. Esquecidos os europeus que os Balcãs são a região mais fracturada e fracturante do velho continente, logo as principais potências ajudaram ao desmembramento daquele país, sendo os objectivos díspares.
Nesta acção destacou-se a Alemanha que espoletou, verdadeiramente, a guerra por aquelas paragens ao reconhecer a Eslovénia, sem ter dado cavaco à UE e à NATO.
Os EUA escavacaram o resto sem querer saber das consequências para os europeus, muito menos para as populações da área.
Voltaram a arranjar um inimigo para a NATO – que estava num impasse sem saber que uso dar aos meios de que dispunha – e inventaram um Kosovo independente à revelia de qualquer senso político. Afinal aquilo é o «quintal das traseiras» da Europa, eles que se desengomem!...
A Espanha, na previsão do contágio que semelhante exemplo podia ter no mal-amanhado (mas muito democrático) xadrez autonómico, que engendraram, logo se apressou a não reconhecer tal independência.
A época pós Tejero Molina abandalhou muito a Espanha mas, em Madrid, ainda há quem se lembre que foi capital dos Habsburgo
O exemplo frutificou: a seguir veio a Checoslováquia que se separou pacificamente pois não tinha razões para ser de outro modo, dado as duas partes serem homogéneas e equivalentes e estarem coladas com cuspo.
E começaram a afirmar-se nacionalismos na Escócia, Córsega, Norte de Itália e os já clássicos País Basco e Irlanda do Norte. Outros espreitam.
Isto claro, para já não falar na Bélgica que é um país artificial, que esteve, há pouco, mais de um ano sem governo e que, aparentemente, só se aguenta por ter no seu solo as sedes da NATO e da UE…
Reveja-se a evolução do mapa político europeu ao longo dos últimos mil anos e verão que a única fronteira que não mexe é a portuguesa, desde 1297, salvo os 741 km2 referentes a Olivença e seu termo, ilegalmente ocupadas por Espanha, desde 1807, seguramente, desde 1815. Coisa de somenos, certamente, já que não incomoda as almas lusas, à excepção de meia dúzia de «patriotas», termo que virou dos mais infamantes…
Mas até do outro lado do Atlântico pode vir a haver problemas.
Os norte-americanos depois de terem atravessado rapidamente o continente até ao Pacífico, chacinando os bisontes e os índios, fizeram um novo país, metendo os indígenas sobreviventes em reservas e conservando a mão-de-obra escrava vinda de África.
Quando se viram livres dos «Casacas Vermelhas» e retiveram os impostos só para si, decidiram que também não queriam mais soberanias europeias no «seu» continente e vá de ajudar a correr com eles.
Depois pensaram que aquelas terras por onde tinham colonizado portugueses e espanhóis, faziam jeito e logo promoveram a política da canhoneira, à mistura com a doutrina isolacionista de Monroe, de 1828. O ponto crucial desta estratégia ocorreu em 1898, com a guerra miserável que fizeram à Espanha, em Cuba e …… nas Filipinas.
O resto também é conhecido.
Na segunda metade do século XIX as coisas correram de tal modo mal, que degeneraram em guerra civil entre 1861–1865, entre o Norte industrializado e o Sul rural, que se queria separar da União e cuja fricção maior se deveu à emancipação dos escravos.
Esta guerra deixou marcas até hoje, que foram sendo esbatidas pelo tempo e pelo estatuto de superpotência entretanto conquistado.
Mas eis que, actualmente, os problemas económicos, financeiros e políticos são de tal monta, que estão a abrir brechas no todo, com petições a correrem em muitos estados contra o governo federal, algumas pedindo a independência.
A ficção pode sempre tornar-se realidade e, como diz o povo, cá se fazem cá se pagam…
*****
Vem tudo isto a propósito do que se vem passando na Catalunha.
A Catalunha pertenceu ao antigo Reino de Aragão, que foi uma média potência no século XV, e que se uniu a Castela através do casamento dos respectivos monarcas, Fernando e Isabel, em 1469. De seguida aqueles que viriam a ter o título de «Reis Católicos», juntaram forças para a conquista do Reino de Granada, formando-se deste modo a actual Espanha, em 1492.
E assim se tem mantido apesar da grande revolta entre 1640 e 1652, revolta esta que permitiu aos portugueses sacudirem o jugo Filipino e voltar a terem uma dinastia nacional, a partir do 1.º dia de Dezembro de 1640 – data que o actual governo, parceiros sociais e PR querem, estupidamente, anular da lista dos feriados nacionais, quiçá da memória colectiva.
As feridas voltaram a abrir-se durante a Guerra Civil de Espanha (1936-1939), entretanto suturadas à força, pela Falange de Franco, mas não saradas.[1]
Os fantasmas da independência voltaram a surgir nos últimos anos e a crise financeira só os agudizou.
Vai ser um problema bicudo que os povos da Espanha vão ter que resolver, de preferência sem derramamento de sangue.
Sendo um problema interno espanhol, o mesmo pode internacionalizar-se num ápice, como acontece quando qualquer problema possa ferir interesses de outras potências, independentemente dos «belos» princípios do Direito Internacional, entretanto proclamados ao ímpeto dos «ventos da História», sempre soprados por quem goza do poder real, à época.
O que fere os sentidos, no caso vertente, é a impudicícia e o tom leviano e displicente como é tratado pela comunicação social e nos meios políticos, um tema dos mais relevantes, como é o caso da soberania das nações.
Dito de outro modo, discute-se, na praça pública, temas fundamentais da nossa existência como se estivéssemos a combinar uma ida ao cinema…
Outra coisa que impressiona é ver que a maioria da argumentação pró e contra a independência ter a ver com a solução política que garanta um melhor nível de bens materiais.
Então uma Nação e uma Pátria esgotam-se nisso? Tudo se resume a uma página de um (mau) contabilista, do «deve e do haver»? E se a situação reverter, muda-se outra vez de camisola?
Tem sido baseado nisto, aliás, que muitas parvoíces têm sido ditas e feitas, entre nós, sobretudo relativamente à «Região Autónoma da Madeira», e à argumentação idiota de muitos compatriotas, ao exalarem da boca para fora que «não se importarem de serem espanhóis, pois lá vive-se melhor».
Já se esqueceram, certamente, que nos anos 40 e 50 do século XX, os «Manolos» andavam de alpergatas e com um cordel a fazer de cinto, e que o escudo valia duas pesetas até perto de 1974… Já deviam ter aprendido que os «fumos da Índia» são efémeros!
De facto as sociedades andam profundamente doentes e desequilibradas.
Substituir Cristo na Cruz, pelo cifrão da Wall Street, dá nisto. Como já tinha dado o deserto frio e árido do «Materialismo Dialético», e como continua a dar a tentativa de substituir todos os Deuses pelo «Supremo Arquiteto»…
Não estando em causa o princípio da «Autodeterminação dos Povos» (que, recorda-se, nenhum governo português, até hoje, pôs em causa) não se pode, também, negar à restante Espanha o direito de se opor aos desígnios catalães.
A situação está longe de ser simples e pacífica, e para qualquer lado para onde nos viremos só se vislumbra um enormíssimo «saco de gatos».
Em primeiro lugar a Espanha corre o risco de se partir toda, o que não é nada despiciendo de considerar. Depois temos que a Constituição Espanhola, naturalmente, proíbe separatismos. O Rei e os militares juraram a Constituição (presume-se que as cabeças dos restantes órgãos de soberania, idem).
O Rei «comanda» os militares (não é bem como cá); apesar de ser uma história (ainda) mal contada, foi Juan Carlos quem meteu os blindados de Milan del Bosch de novo nos quarteis.
É claro, que nos tempos que correm, já quase ninguém arrisca morrer por causas, mas estas coisas vão e voltam. Fiquemos por aqui.
Internacionalmente é igualmente complicada a situação. Em primeiro lugar a nível da NATO e da UE. A confusão seria mais que muita e, certamente, que a Espanha vetaria a entrada da «nova» Catalunha, nestas organizações.
A UE, por seu lado, tem muitas responsabilidades neste estado de coisas, por via do esbatimento de fronteiras, da tentativa de amalgamento das gentes, da «Europa das Regiões», das negociações directas com Bruxelas, etc.. A partir do Tratado de Maastricht e do «Euro», o «Politburo» europeu lançou os países aderentes num movimento uniformemente acelerado rumo ao desastre e á implosão!
E até pode acontecer que a Catalunha se transforme numa espécie de Covadonga ao contrário, isto é, local de início da reconquista muçulmana do «Al Andaluz».
De facto a Catalunha tem a 3.ª maior percentagem de emigrantes muçulmanos da Europa, depois da França e da Bélgica. E tem localidades onde essa percentagem sobe aos 40%. São já cerca de 450 000, ou seja 6% do total. E a maioria deles pertence ao ramo fundamentalista «Salafita» que defende essa reconquista, e apoia a independência…
Numa perspectiva mais alargada, convém lembrarmo-nos que o antigo Reino de Aragão não se confinava à Península Ibérica, entrava pelo sul de França (Aquitânia e Midi Pirenéus). Ora não estamos a ver a França, que já tem o problema do País Basco e da Córsega, teve três guerras com a Alemanha, com a questão da Alsácia Lorena sempre presente e tem outras potenciais zonas de fractura, a olhar para uma eventual independência da Catalunha de ânimo leve.
Do Reino de Aragão fizeram parte ainda as Baleares e a Comunidade Valenciana, hoje regiões autónomas (são 19…). Estas manter-se-ão assim ou quererão integrar um novo país?
Já agora, os antigos Reinos de Nápoles e das Duas Sicílias também foram Aragão durante muito tempo. Ficarão imunes? Aqui a questão será mais pacífica, mas o Estado Italiano, em pré bancarrota e com potenciais acções de secessão nas fronteiras do Norte, ficará tranquilo?
Quem aparenta estar tranquilo é o Estado Português, «no passa nada»!
Só tem olhos, ouvidos e narizes para a «Troika». Anda de trela curta.
A esmagadora maioria da população tem dificuldade em se aperceber o que se passa, habituada (e anestesiada) que está a espreitar a «casa dos segredos» e empenhada nos eventos futebolísticos, que de nacional já quase não têm nada a não ser as dívidas.
Começou agora a vir para a rua, em desespero, gritar que lhe estão a ir ao bolso, depois de três décadas em que lhes calaram a consciência com «subsídios» emprestados, férias e eletrodomésticos a cartão de plástico e muita demagogia, a troco de votos…
O Governo continua, alegremente, a desmantelar os pilares da Soberania, sobretudo o mais importante de todos que é a Instituição Militar (parou um pouco nas polícias pois tem as barbas a arder).
E o Senhor Ministro para a tropa, perdão, da Defesa, anda empolgado em fazer acordos de defesa com a Espanha (com ou sem a Catalunha?)…
Para além dos problemas económicos que daí advirão, existem dois grandes perigos para o nosso país resultantes de um conflito na Catalunha: evitar que os «cacos» venham parar ao lado de cá da fronteira (recorde-se novamente a Guerra Civil de Espanha); e precaver-nos contra uma eventual tentativa de cobrança compensatória, relativamente a Portugal, como já aconteceu noutras crises do passado – Olivença também foi vítima disso – nomeadamente na sequela da Guerra de 1898, já citada.
A questão do contágio do exemplo para o nosso país não parece crível – apesar de tudo, a atitude do Dr. Jardim e dos seus sequazes, não passa de uma chantagem barata e de mau gosto, mesmo assim, inadmissível.
Portugal é o Estado–Nação mais coeso e perfeito, em todo o mundo e sempre exportou o seu modo de ser para todo o mundo onde arribou e só se foi desintegrando por acções externas.
Mas, cuidados e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém.
O Mundo foi sempre um local perigoso.
E tem dias piores 
[1] Outros marcos que merecem referência são a perda completa da autonomia da Catalunha, em 1714, na sequência da Guerra da Sucessão de Espanha e o renascimento moderno da autonomia política, no final do século XIX através do «Movimento Renaixença», onde pontificou Francesc Cambó.
 

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