João Miguel Tavares, Público, 01/04/2014
O keynogalambismo consiste em permanecer firmemente
keynesiano mesmo sem ter dinheiro para investir.
No sábado, João Galamba assinou um texto no PÚBLICO
intitulado A joão-miguel-tavarização da opinião?, em resposta a um artigo meu que apontava certas
incoerências na forma como os deputados Galamba 2010 e Galamba 2014 encaravam o
peso da dívida nas contas públicas. João Galamba, contudo, garantiu que os
deputados são um só, que não existe qualquer incoerência e que eu o
descontextualizei. Indignado, deixou uma mensagem no Twitter: «Fico à espera do
pedido de desculpas do escriba do PÚBLICO.»
E aqui estou eu, em atitude de humilde penitente, prontíssimo
para me arrepender, agora que João Galamba me introduziu a uma nova doutrina
económica, que me atrevo a chamar «keynogalambismo». Foi apenas por não estar
sensibilizado para o potencial desta nova área do pensamento económico que
acusei Galamba 2010 de achar que a dimensão da dívida não era um entrave para o
crescimento enquanto via Galamba 2014 assinar manifestos a pedir a
reestruturação da dívida para o País conseguir crescer. Mea culpa, mea maxima culpa.
Temendo que outros, tal como eu, desconheçam as virtudes
do keynogalambismo, permitam-me então explicar esse notável pensamento. Todos
nós sabemos aquilo que o keynesianismo é: uma teoria que aconselha a combater
as crises com investimento público, adoptando políticas anticíclicas como forma
de estimular a economia, e que teve inegável sucesso no debelar da Grande
Depressão. Infelizmente, John Maynard Keynes faleceu em 1946, mais de meio
século antes de ser introduzida na Europa a moeda única, que nos levou as
máquinas de imprimir dinheiro e, com elas, esse instrumento tão apreciado pelos
políticos chamado «inflação». Ora, é aqui que entra o keynogalambismo.
O keynogalambismo consiste em
permanecer firmemente keynesiano mesmo sem ter dinheiro para investir. Como?
Utilizando um poderoso instrumento económico para combater a crise, que Keynes,
por manifesta desatenção, se esqueceu de citar na Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda: gritar imenso com os outros por estarem
a ser maus para nós. Através de numerosas queixas, esgares e
manifestos, o keynogalambismo propõe continuar a investir à bruta, mesmo que em caixa
só já restem 300 milhões de euros (números de
Durão Barroso).
O João Galamba em pose de inteligente, sem, contudo, se ver o brinquinho. |
A lógica interna do keynogalambismo é
esta: 1) pedimos dinheiro, porque precisamos de nos endividar; 2) não
pagamos esse dinheiro, porque nos endividámos; 3) protestamos,
por não nos deixarem endividar mais. Vale a pena dar a palavra ao
autor, que explica isto admiravelmente: «O problema da nossa dívida não é o
facto de ser elevada, mas sim o facto de que, no contexto do Tratado
Orçamental, e quando pagamos cerca de 4,5% do PIB em juros, a única maneira de
cumprir as nossas obrigações europeias sem voltar a cortar salários, pensões,
saúde, educação e investimento público é reestruturar a dívida.» Ou seja, o
problema da nossa dívida não é o facto de ser elevada, mas o facto de não a
conseguirmos pagar. Brilhante.
Em
resumo: Galamba 2010 acha que a dívida não é o cerne da questão; Galamba 2012
vota favoravelmente (embora contrariado) um Tratado Orçamental onde o pagamento
da dívida é o cerne da questão; Galamba 2014 acha que não pagar a dívida é o
cerne da questão. Confesso que isto, à primeira vista, me pareceu incoerente.
Mas agora, que finalmente penetrei no keynogalambismo, vejo o quanto estava
errado. As minhas desculpas aos
três Galambas.
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