Inês Teotónio Pereira, ionline, 11 de Julho de 2015
A mulher do primeiro-ministro deixou-se fotografar
numa visita oficial sem peruca ou lenço para esconder os efeitos da
quimioterapia a que tem sido sujeita, e a esquerda indignou-se, pasme-se!
A tolerância da esquerda com a diferença e a doença
é comovente. Já sabíamos que são incontestável património da esquerda temas
como pobreza, ambiente, cultura e grupos que tenham em comum serem minorias
(desde que exóticas). Ser de esquerda, nos dias de hoje, é estar sentado num
sofá, numa sala decorada ao estilo minimalista, a assistir ao «Borgen», a beber
um gin tónico cheio de folhas e bolinhas lá dentro e, no intervalo da série,
discursar com a companheira ou companheiro sobre cultura, ambiente,
desigualdades sociais e minorias (exóticas). É assim desde que a esquerda é
esquerda chique e, numa época mais recente, desde que o PSR inovou o espaço
público – vulgo muros – com desenhos giros de carneiros para ilustrar o inimigo
comum – vulgo os outros.
Têm sido tempos penosos, mas todos sobrevivemos ao
crescimento desta esquerda mordaz, folclórica e vazia sem grandes indigestões.
Até que a moda alastrou ao centro e hoje o PS, encalhado numa espécie de
complexo social, se rendeu aos encantos desta forma de fazer política. Os
comediantes e os espectáculos podem agora ser vistos em vários palcos que vão
desde a blogosfera ao plenário da Assembleia da República. Sim, temos
estoicamente sobrevivido a tudo isto sem grandes sobressaltos.
A indigestão deu-se esta semana. Esta semana, Laura
Ferreira, mulher do primeiro-ministro da maioria de direita – o tal que vai
todos os dias para casa magicar planos sádicos para roubar dinheiro às pessoas,
tornar os pobres mais pobres, vender o país ao estrangeiro, expulsar
portugueses e que, ainda por cima não tem ar de gostar de gin com folhas e
bolinhas –, dizia eu que a mulher do primeiro-ministro se deixou fotografar
numa visita oficial sem uma peruca ou um lenço para esconder os efeitos da
quimioterapia a que tem sido sujeita. E, pasme-se, a esquerda indignou-se. Sim,
a esquerda das minorias (exóticas, é verdade), dos desprotegidos, dos mais
frágeis, acha – aliás, tem a convicção profunda – que Laura Ferreira só pode
aparecer em público disfarçada, escondendo o cancro e sem aparentar qualquer
vestígio de que está a fazer um tratamento doloroso. Porquê? Porque não
escondendo está a provocar uma onda de sensibilização e isso não é mais do que
um instrumento político para ajudar o marido a ganhar votos. Logo, o
primeiro--ministro está a usar o cancro da mulher para ganhar votos. Sim, chegou o dia da
indigestão. Do vómito, mesmo.
A esquerda tem o problema de achar que o mundo
pensa como ela: através de um copo de gin. Esta esquerda gosta de falar das
minorias (exóticas, é certo), da pobreza e da doença, mas na medida em que a
pobreza, a doença e as minorias sejam conceitos e não pessoas. E Laura
Ferreira, por ter casado com quem casou, está automaticamente excluída do
conceito e não pode fazer parte do grupo de pessoas que comovem a nossa
esquerda. Assim como o ministro das Finanças alemão, que por ser alemão, ser
das Finanças e de direita, também não faz parte do grupo de pessoas com
deficiência que comovem a esquerda e até pode ser satirizado com a sua cadeira
de rodas, como fez António no «Expresso» da semana passada.
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