terça-feira, 7 de julho de 2015


Patriotas & parasitas


Alberto GonçalvesDiário de Notícias, 5 de Julho de 2015

Na sexta-feira, os deputados do Bloco de Esquerda levantaram cartazes em que se lia «Solidariedade com a Grécia». Como se o gesto não fosse suficientemente engraçado, submeteram em simultâneo à Assembleia da República um voto com pedido semelhante. Dado que alguns parlamentares têm vergonha na cara, o voto acabou rejeitado. Mas ficou a divertidíssima intenção de condenar as «pressões indevidas que tentam condicionar a escolha livre e democrática do povo». Em português, isto significa que os gregos são livres de escolher a maneira de outros os sustentarem. Quanto à liberdade dos outros, o BE foi omisso. Para cúmulo, que se saiba nenhum dos deputados contribuiu para a campanha iniciada pelo britânico que, através de crowdfunding, procura ajudar a pagar os 1,6 mil milhões da dívida grega. Da última vez que vi, a recolha ia nos 1,6 milhões. Faltava um bocadinho, um bocadinho que, desconfio, não se alcança com cartazes e votos solidários. Nem com lirismo.

O lirismo dominou o encontro «A crise europeia à luz da Grécia», debate também realizado na sexta-feira e abrilhantado pela ausência de divergências. O calibre dos nomes envolvidos explica o estilo e o consenso: Louçã, Pacheco Pereira, Manuel Alegre, o Prof. Freitas, um economista da CGTP e, claro, os imparáveis deputados do BE. A bem da síntese, eis o tom geral: a Europa é uma ditadura (valha-nos Deus); a Grécia simboliza a democracia (desde tempos imemoriais, para não falar do velho esclavagismo e da pedofilia clássica); os gregos resistem ao poder do dinheiro (excepto quando é dado); os gregos, à imagem dos jogadores da bola, levantam a cabeça (excepto para pedir); os gregos são dignos (na medida em que o parasitismo é um critério de dignidade); os gregos, em suma, são patriotas – já os alemães que preferem a Alemanha ou os portugueses que preferem Portugal são traidores. Seja em que país for, patriota é o sujeito que dá a vida ou, vá lá, levanta um cartaz pela Grécia.

A Grécia ou, diga-se em nome da exactidão, o Syriza, o que não é exactamente o mesmo. Há dias, o ministro Varoufakis disse preferir perder um braço a prejudicar a Grécia. Ora o homem não é maneta e, com uma perna às costas, nos intervalos das poses para retratos ao piano já transformou a situação que os gregos viviam há seis meses numa saudade. O pedaço que falta aos senhores do Syriza é uma cabeça em que caiba coisa diferente de ideologia, infantilidade, ressentimento, fanatismo e todos os ingredientes da toleima de que nos lembrarmos.

E é isso, não os «gregos» ou a «Grécia», que move os apoiantes do Syriza. Nos plenários excitados de Lisboa, Caracas ou Moscovo, é o currículo marxista e maoista do bando que seduz (por pudor, não menciono os neonazis da coligação). A retórica da «democracia» é, naturalmente, cosmética, quase irónica: gosta-se do Syriza porque o Syriza representa a enésima esperança de derrubar o «capitalismo», ou o «sistema», ou a «Europa», ou o que quer que defina o Ocidente que, afinal, se abomina. Os «gregos» são os «trabalhadores» ou o «povo» do costume: cobaias mais ou menos voluntárias de uma experiência que invariavelmente corre mal. O referendo, e a reacção dos «democratas» ao referendo, decidirá se corre ainda pior.





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