sexta-feira, 18 de novembro de 2016


O cardeal Burke adverte

que se Bergoglio não clarifica a confusão

vários cardeais farão «uma declaração formal

de correcção de um erro grave»




Edward Pentin, National Catholic Register, 16 de Novembre de 2016

Cardeal Burke sobre Dubia acerca de Amoris Laetitia: «Tremenda divisão» justifica acção. Numa entrevista exclusiva ao Register, ele discorre sobre porque quatro cardeais foram impelidos a procurar clareza acerca dos elementos controversos da exortação papal.

Quatro cardeais fizeram ao Papa Francisco cinco dubia, ou «dúvidas», quanto à exortação apostólica Amoris Laetitia (A Alegria do Amor), numa tentativa de esclarecer ambiguidades e confusão em torno do texto. Em 14 de Novembro, eles vieram a público com o seu pedido, após tomarem ciência de que o Santo Padre decidiu não responder às suas questões.

Nesta entrevista exclusiva ao Register, o cardeal Raymond Burke, patrono da Soberana Ordem Militar de Matal, explica detalhadamente os objectivos dos cardeais; porque a publicação da sua carta deve ser vista como um acto de caridade, unidade e preocupação pastoral, ao invés de uma acção política; e quais serão os próximos passos se o Santo Padre continuar a negar-se a responder.

Eminência, o que os senhores pretendem com essa iniciativa?

A iniciativa tem um único objectivo, a saber, o bem da Igreja, que, neste exacto momento, passa por uma enorme confusão ao menos quanto a esses cinco pontos. Há, também, diversas outras questões, mas esses cinco pontos críticos estão relacionados com princípios morais irreformáveis. Então, nós, como cardeais, julgamos ser nossa responsabilidade pedir um esclarecimento a respeito dessas questões, com o objectivo de colocar fim à propagação da confusão que, de facto, está a levar o povo ao erro.

O senhor tem ouvido muito essa preocupação com a confusão?

Por toda a parte onde passo. Os padres estão divididos, os padres separados dos bispos, e os próprios bispos entre si. Há uma tremenda divisão que se estabeleceu na Igreja, e essa não é a maneira da Igreja. É por isso que chegámos a um acordo sobre essas questões morais fundamentais que nos une.

Porque é que o capítulo 8 de Amoris Laetitia é de especial preocupação?

Porque tem sido a fonte de todas essas discussões confusas. Mesmo as directrizes diocesanas estão confusas e em erro. Temos uma espécie de directriz numa diocese; por exemplo, afirmando que os padres são livres no confessionário, se julgarem necessário, para permitir a uma pessoa que vive numa união adúltera, e permanece nessa condição, ter acesso aos sacramentos — enquanto noutra diocese, de acordo com o que sempre foi a prática da Igreja, o padre pode conceder tal permissão àqueles que fazem um firme propósito de emenda, para viver castamente dentro do matrimónio, isto é, como irmão e irmã, e para apenas receber os sacramentos num local onde não haja risco de escândalo. Isso realmente tem que ser tratado. Mas, depois, há outras questões no dubia além desse ponto particular dos divorciados recasados, que diz respeito ao termo «intrinsecamente mau», com o estado de pecado e com a correcta noção de consciência.

Sem o esclarecimento que estão a procurar, os senhores estão a dizer, portanto, que um ou outro ensinamento em Amoris Laetitia vai contra o princípio da não-contradição (que afirma que algo não pode ser verdadeiro e falso ao mesmo tempo quanto se trata do mesmo contexto)?

É claro, porque, por exemplo, se tomarmos a questão do matrimónio, a Igreja ensina que o matrimónio é indissolúvel, segundo a palavra de Cristo, «Aquele que se divorciar da sua mulher e se casar novamente comete adultério». Portanto, se você é divorciado, não pode entrar numa relação marital com outra pessoa a menos que o vínculo indissolúvel ao qual está ligado seja declarado nulo, isto é, não existente. Porém, se você diz, bem, em certos casos, uma pessoa vivendo numa união matrimonial irregular pode receber a Sagrada Comunhão, então, só pode restar das duas uma: ou o matrimónio realmente não é indissolúvel — como, por exemplo, na espécie da «teoria da iluminação» do cardeal [Walter] Kasper, que sustenta que o matrimónio é um ideal ao qual não podemos, realisticamente, manter as pessoas. Nesse caso, perdemos o senso da graça do sacramento, que permite aos casados viverem a verdade da sua aliança matrimonial — ou a Sagrada Comunhão não é a comunhão com o Corpo e Sangue de Cristo. É claro, nenhuma das duas é possível. Elas contradizem o ensino constante da Igreja desde o início e, logo, não podem ser verdadeiras.

Alguns verão essa iniciativa pelas lentes da política e a criticarão como um movimento «conservadores vs. liberais», algo que o senhor e os outros signatários rejeitam. Qual é a sua resposta a esse tipo de acusação?

A nossa resposta é simplesmente esta: não estamos a tomar qualquer espécie de posição dentro da Igreja, como uma decisão política, por exemplo. Os fariseus acusavam Jesus de tomar posição num dos lados do debate entre os especialistas na lei judaica, mas Jesus absolutamente não fez isso. Ele apelou à ordem que Deus colocou na natureza desde o momento da criação. Ele afirmou que Moisés permitiu o divórcio por causa da dureza de coração, mas não era assim desde o início. Então, estamos apenas apresentando o que a Igreja sempre ensinou e praticou ao fazer essas cinco questões, que abordam o ensino e prática constantes da Igreja. As respostas a essas perguntas fornecem uma ferramenta interpretativa essencial à Amoris Laetitia. Elas devem ser expostas publicamente, pois muitas pessoas dizem: «Estamos confusos, e não compreendemos porque os cardeais ou alguém com autoridade não falam e nos ajudam».

É um dever pastoral?

É isso, e posso assegurar que conheço todos os cardeais envolvidos, e trata-se de algo que empreendemos com o maior sentido de resposabilidade enquanto bispos e cardeais. Porém, empreendemos também com o maior respeito pelo Múnus Petrino, porque se ele não defende esses princípios fundamentais da doutrina e disciplina, então, praticamente falando, a divisão entrou na Igreja, o que é contrário à sua própria natureza.

E também o Múnus Petrino, cujo propósito primeiro é a unidade?

Sim, como diz o Concílio Vaticano II, o Papa é o fundamento da unidade dos bispos e de todos os fiéis. Essa ideia, por exemplo, de que o Papa deva ser algum tipo de inovador, que está conduzindo uma revolução na Igreja ou algo do tipo, é completamente alheia ao Múnus Petrino. O Papa é um grande servo das Verdades da Fé, como elas foram transmitidas de modo ininterrupto desde o tempo dos apóstolos.

É por isso que o senhor enfatiza que se trata de um acto de caridade e justiça?

Absolutamente. Temos essa responsabilidade perante o povo para quem somos bispos, e uma responsabilidade ainda maior como cardeais, que são os principais conselheiros do Papa. Para nós, permanecer em silêncio sobre essas dúvidas fundamentais, que surgiram como resultado do texto de Amoris Laetitia, seria, da nossa parte, uma grave falta de caridade para com o Papa e uma grande falta no cumprimento dos nossos deveres do nosso próprio ofício na Igreja.

Alguns podem argumentar que os senhores são apenas 4 cardeais, dentre os quais o senhor é o único que não está aposentado, e que isso não é muito representativo em relação a toda a Igreja. Neste caso, poderiam perguntar: porque é que o Papa deveria ouvir e responder aos senhores?

Bem, a questão não são os números. A questão é a Verdade. No julgamento de Santo Tomás More, alguém lhe disse que a maioria dos bispos da Inglaterra aceitaram a ordem do rei, mas ele disse que isso poderia ser verdade, mas que os santos no céu não a aceitaram. Esse é o ponto. Creio que, mesmo que outros cardeais não tenham assinado, eles compartilham a mesma preocupação. Mas isso não me incomoda. Mesmo que fôssemos apenas um, dois ou três, se se trata de algo que é verdadeiro e é essencial à salvação das almas, então, deve ser abordado.

O que acontecerá se o Santo Padre não responder ao seu acto de justiça e caridade e deixar de dar o esclarecimento quanto ao ensinamento da Igreja que os senhores esperam?

Então, teríamos que tratar dessa situação. Há, na Tradição da Igreja, a prática da correcção ao Sumo Pontífice. Obviamente, é algo muito raro. Porém, se não houver resposta a essas questões, então, diria que seria o caso de realizar um acto formal de correcção de um grave erro.

Num conflito entre a autoridade eclesial e a Sagrada Tradição da Igreja, qual delas é vinculante ao fiel e quem tem autoridade para determinar a respeito?

O que é vinculante é a Tradição. A autoridade eclesial existe apenas a serviço da Tradição. Penso na passagem de São Paulo na carta aos Gálatas (1:8): «Mesmo se um anjo vos pregar qualquer Evangelho diferente do qual eu vos preguei, seja ele anátema».

Se o Papa ensinar um grave erro ou uma heresia, qual é a autoridade legítima que pode declará-lo e quais seriam as consequências?

É dever, em tais casos, e historicamente já aconteceu, que cardeais e bispos deixem claro que o Papa está ensinando o erro e peçam a ele que o corrija.


Tradução: FratresInUnum.com





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