domingo, 29 de setembro de 2019

Jacques Chirac e a nossa classe política: o nível e o desnível...


Jacques Chirac com Jérôme Monod
Heduíno Gomes

Não vou aqui referir-me às opções políticas e práticas de Jacques Chirac. Apenas compará-lo, em termos de preparação técnica, cultura geral e cultura política, com a nossa classe política.

Conheci Jacques Chirac em 1985 no contexto do RPR, partido a que presidia, sendo igualmente Presidente do município de Paris. Do que havia a tratar, encaminhou-me para o Secretário-Geral do RPR, o seu próximo colaborador Jérôme Monod, que na altura era também Presidente da Lyonnaise des Eaux, primo do biólogo Jacques Monod, autor do ensaio filosófico Acaso e Necessidade (que, quando foi publicado, deu que falar e que aqui também me abstenho de comentar).

Jacques Chirac, como aliás grande parte dos políticos franceses, quer da esquerda, quer da direita, incluindo Jérôme Monod, eram énarques, isto é, tinham feito o curso da ENA (École nationale d'administration). Esta escola era e é uma das «grandes écoles» de elite francesas, de grande exigência na admissão de alunos, logo à partida uma licenciatura (Chirac já tinha feito o curso noutra escola de elite, o Institut d'études politiques, o famoso, na gíria, Sciences Po, onde regressará mais tarde como professor). E, para entrar na ENA, teve de passar por um exigente exame de admissão, que incluía direito público, economia, finanças públicas, política internacional e cultura geral, com provas escritas de 5 horas... No ano passado, apenas cerca de 5% dos candidatos foram admitidos.

Por essa altura, vi numa sua biografia que era coronel de blindados na reserva. E também a descrição da sua prova oral de admissão à ENA sobre cultura geral. Contava ele que foi interrogado sobre um pintor francês cujo nome não me recordo, para aí do século XV ou XVI, um desconhecido da maior parte das pessoas, talvez como, na generalidade, são os nossos Nuno Gonçalves ou Francisco de Olanda. E ele lá teve de dissertar sobre o pintor...

Posteriormente, já Chirac era Primeiro-Ministro, conheci o seu adjunto para a cultura e comunicação no município de Paris, José Freches, que por acaso havia vivido em Portugal, onde o pai esteve no Liceu Francês. Outro énarque, número 1 do seu curso, com classificação que destronou Giscard d’Estaing, número 1 de outro curso.

Como disse, não aprecio aqui a primordial questão das orientações políticas ou dos valores civilizacionais dos énarques, sejam eles Chirac ou Giscard, Rocard ou Fabius. Apenas, dentro de cada opção política, a instrução dos actores. E, claro que, perante o que lia na sua biografia, não poderia deixar de comparar o nível de preparação de um Chirac e seus colaboradores com o da nossa classe política. Ou seja, o desnível.

E daí a diferença de horizontes e capacidade de servir, mesmo entre a esquerda — a questão importante para o pobre português. Até quando, por cá, as intenções são boas, o que nem sempre acontece.

Desculpem a franqueza.





segunda-feira, 15 de julho de 2019

Revolução Francesa – 230 anos depois

Tomada do Palácio das Tulherias.Jean Duplessis-Bertaux (1818). Palácio de Versailles

O ódio a todas as desigualdades levou uma minoria revolucionária
ao terror sanguinário da Revolução Francesa.
O mesmo processo revolucionário prossegue hoje
em todo o mundo,
e o conhecimento dessa revolução paradigmática
ajuda-nos a combatê-lo com eficácia.


Renato William Murta de Vasconcelos

Depois da revolução protestante (1517), uma segunda grande explosão do processo revolucionário,[1] preparada com longa antecedência, desencadeou a partir de 1789 em França uma série de transformações políticas, sociais e religiosas que inauguraram a era contemporânea. No conjunto das suas vertentes moderadas e radicais, difundiu ideias republicanas pelo mundo inteiro, derrubou monarquias milenares na Europa e abriu o caminho para a Revolução Comunista de 1917.

Os elementos mais radicais da Revolução Francesa estavam concentrados na facção jacobina. Segundo a utopia que os guiava, havia sobre os franceses dois jugos insuportáveis: o da superstição, representada pela Religião Católica; e o da tirania, constituída pelo governo monárquico. Com fervor «humanitário», levantaram-se os «amigos do povo» para dissipar as trevas da «superstição» eclesiástica e quebrar os grilhões da «tirania» real. A intenção aparente seria, no final do processo, devolver o poder ao povo, tornando-o seu único detentor. Se algum ingénuo imagina que era essa a intenção, o mínimo que esse mesmo ingénuo pode constatar é que o objectivo real era a evidente tirania que se implantou em todo o mundo.

Catedral de Estrasburgo convertida em «Templo da razão» durante a Revolução Francesa
(Revolutions-Almanach de 1795. Göttingen 1794, p. 327).

A Revolução Francesa, cheia do espírito igualitário que não admite qualquer forma de desigualdade, e encharcada de sensualidade que recusa qualquer freio às paixões, levantou-se contra o Ancien Régime (Antigo Regime), uma ordem social hierárquica e austera em muitos dos seus aspectos. Deixando atrás de si uma montanha de ruínas e um mar de sangue,[2] os revolucionários moderados e radicais derrubaram instituições e costumes milenares, que haviam feito da antiga França o país de todas as perfeições, objecto da admiração do mundo inteiro.

Minoria revolucionária impôs a ideologia anticristã

No Ancien Régime brilhavam ainda, e com muito fulgor, os melhores traços da cultura e do espírito francês: um esplendor na vida social, que bem se exprimia pela tríplice locução verbal «savoir dire, savoir plaire, savoir faire» (saber dizer, saber agradar, saber fazer). Bem vivos e dinâmicos eram também os princípios básicos da civilização cristã — a tradição, a família e a propriedade — dando consistência e elevação ao corpo social. Mas a inveja revolucionária via nessa consistência e nessa elevação uma forma de exploração das classes modestas. Para libertá-las, a solução seria derrubar o altar e o trono: Ni Dieu, ni maître (Nem Deus, nem senhor), segundo a formulação que servirá de base às agitações de Maio de 1968 da Sorbonne.

A democracia instaurada na sequência da Revolução Francesa — o governo do povo pelo povo — contaminou praticamente todas as nações. Mas o resultado evidente é que as transformou em tremendas tiranias das minorias (auto-qualificadas como esclarecidas, avançadas e progressistas) sobre a maioria (pejorativamente rotulada de obtusa, retrógrada e conservadora). E não precisamos ir longe para coleccionar exemplos. Já foi assim na própria fonte dessa revolução, que Augustin Cochin[3] descreve como um movimento realizado por cerca de 200 mil agentes para mudar radicalmente o modo de vida de 25 milhões de franceses. Os revolucionários constituíam 0,8% da população francesa, mas impuseram a sua ideologia anticristã à imensa maioria dos seus compatriotas.

Inauguração dos Estados Gerais – Auguste Couder (1789–1873).
Musée National du Château et des Trianons, Versailles.

O rei reina, mas não governa

Após décadas de preparação tendencial e ideológica, a Revolução Francesa entrou em 1789 na sua fase mais conhecida: a dos factos. Vários factores — um deles, a participação na guerra da independência dos Estados Unidos — haviam contribuído para que o Estado francês se encontrasse deficitário. A Assembleia dos Notáveis do Reino, convocada em 1787, mostrara-se incapaz de oferecer uma proposta adequada para solucionar a crise financeira. O rei Luís XVI convocou então os Estados Gerais, compostos de representantes do clero, da nobreza e do povo. A última vez em que estiveram reunidos fora em 1622, no reinado de Luís XIII. Tinham carácter meramente consultivo, e o Rei nutria a esperança de receber sugestões idóneas que concorressem para sanear a bancarrota do Estado.

Inaugurados nos primeiros dias de Maio de 1789, os Estados Gerais adjudicaram para si um poder que não possuíam, transformando-se logo num corpo único: a Assembleia Nacional; e semanas depois, em Assembleia Nacional Constituinte, numa clara usurpação do poder real. Luís XVI não tinha a personalidade de Luís XIV nem a energia de seu avô Luís XV, e chancelou a redacção de uma Constituição para o Reino, ao invés de dissolver a Assembleia. Ficava posto de lado o objectivo primordial da convocação dos Estados Gerais, e caminhava-se para uma mudança na forma da monarquia francesa: de absoluta para constitucional, onde «o rei reina, mas não governa». Era um primeiro passo rumo à República.

Queda da Bastilha e prisão do governador M. de Launay, 14 de Julho de 1789
– Anónimo. Museu de História da França, Versailles.

Tomada da Bastilha, um marco do horror

Começaram então em Paris os distúrbios e agitações promovidos por hordas de arruaceiros.[4] Em 14 de Julho, há 230 anos, ocorreu a tomada da Bastilha, transformada em símbolo da antiga ordem que devia desaparecer. Nas semanas subsequentes, hordas de bandidos percorreram o interior da França, incendiaram castelos, espalharam medo e terror por toda a parte.

No dia 5 de Outubro, uma turbamulta composta na sua maioria por mulheres saiu de Paris rumo a Versailles, aonde chegou ao cair da noite, enlameada, feroz e armada. Na madrugada seguinte, uma porta aberta na grade do castelo deu-lhes acesso a Versailles. Os guardas foram barbaramente assassinados, e a própria Rainha por pouco não foi executada. Num cortejo macabro, cabeças de soldados foram espetadas em lanças, e a família real foi arrastada para Paris e alojada no Palácio das Tulherias.

Chamada das últimas vítimas do terror na prisão Saint Lazare
– Charles L. Müller (1815–1892).
Museu da Revolução Francesa, Vizille (França).

Beneficiados pela efervescência geral, os deputados mais radicais tomaram a direcção na Assembleia. Primeiramente os monarquistas tradicionais foram suplantados pelos monarquistas constitucionais; estes, por sua vez, foram superados pelos republicanos moderados quando da promulgação da Constituição. Pari passu foi mudando a fisionomia da estrutura social: os privilégios do clero e da nobreza foram abolidos; os bens da Igreja foram nacionalizados; uma Constituição Civil, cismática e herética, foi imposta ao clero.

Clima de terror e radicalização rumo à esquerda

A Assembleia Legislativa sucedeu à Constituinte em 1791. Nela os republicanos radicais — os girondinos, assim chamados porque provinham na sua maioria da região de Gironda, cuja cidade principal era Bordeaux — passaram a dar o tom e exigir a supressão da monarquia.

O ataque ao Palácio das Tulherias no dia 20 de Junho de 1792 preparou o grande assalto de 10 de Agosto. Por ordem do Rei, desejoso de evitar derramamento de sangue, os guardas suíços não reagiram ao ataque de milhares de bandidos, e foram massacrados juntamente com centenas de nobres fiéis.

Indefesa, a família real refugiou-se durante três dias no recinto da Assembleia, de onde foi levada para o Palácio do Templo, pertencente ao Conde de Artois. Luís XVI, Maria Antonieta, os dois filhos — o Delfim (sete anos)[5] e Mme. Royale (14 anos)[6] — e Mme. Elisabeth não foram encarcerados no palácio, como esperavam, mas de início na pequena torre, depois na grande torre adjunta ao palácio.

Nos dias 2 e 3 de Setembro, magotes de jacobinos, com a complacência de Danton, ministro da Justiça, atacaram as prisões e massacraram centenas de nobres encarcerados desde o dia 10 de Agosto. A matança voltou-se também contra membros do clero. Só no Convento do Carmo foram mortos dois bispos e mais de 100 sacerdotes. A Princesa de Lamballe, grande amiga de Maria Antonieta, foi assassinada a golpes de sabres e lanças. Despedaçada cruelmente, o seu coração foi arrancado do peito e comido, ainda palpitante, por um dos assassinos. Depois espetaram a sua cabeça na ponta de um chuço e levaram-na, no meio de um berreiro e com uma farândola infernal, até à janela da prisão do Templo, para que fosse vista pela Rainha.

A populaça aprisiona o rei nas Tulherias em 20 de Junho de 1792

O clima de terror dominava Paris, e justamente no dia da eleição para a Convenção Nacional um elemento psicológico tremendo favoreceu a entrada de grande número de jacobinos radicais na nova câmara. A Convenção Nacional, sucessora da Assembleia Legislativa, abriu as suas sessões no dia 21 de Setembro, aboliu a monarquia e proclamou a república. Foi dirigida nos primeiros meses pelos girondinos, que assumiram os seus assentos à direita (na Legislativa, estavam no lado esquerdo). Em meados do ano seguinte, os jacobinos derrubaram e eliminaram a facção girondina, instalaram-se no poder e inauguraram o assim chamado período do terror. Era o processo de radicalização rumo à esquerda, por meio do qual os radicais de ontem se tornaram os moderados.

Condenação da família real em julgamento ilegal

Deposto o Rei, o que fazer dele? A ala radical jacobina não pretendia enviá-lo para o exílio, mas sim matá-lo com a cumplicidade do centrão formado pelos girondinos. Já no dia 11 de Dezembro, a Convenção dispôs que Luís XVI fosse separado da sua família. O desfecho do processo — um verdadeiro escárnio da justiça — é por demais conhecido. Na madrugada de 18 de Janeiro, 361 dos 720 deputados (a metade mais 1) votaram pela condenação à morte, sem apelo nem sursis. Detalhe horripilante dessa tragédia: o voto decisivo pela morte do Rei foi do Duque de Orleães, seu primo. Bastava ele abster-se, e o Rei estaria salvo.[7] Dois dias depois, ao rufar ensurdecedor dos tambores, a cabeça do Rei rolou no cadafalso, cercado por 15 mil soldados.

A populaça aprisiona a rainha nas Tulherias em 20 de Junho de 1792

Na prisão do Templo permaneceram juntos, durante alguns meses, Maria Antonieta, os seus dois filhos e Mme. Elisabeth. Em fins de Setembro, levaram Maria Antonieta para a prisão da Conciergerie, que era por assim dizer a antecâmara da guilhotina. Após um julgamento infame e infamante,[8] Maria Antonieta foi condenada à morte e guilhotinada no dia 16 de Outubro de 1793.

Enclausurados na torre do Templo, restavam ainda o jovem rei Luís XVII, sua irmã Mme. Royale e Mme. Elisabeth. No meio a todas as incertezas, esta foi para os filhos do Rei uma segunda mãe, executada em 10 de Maio do ano seguinte. Por outro lado, contavam-se vinte anos da morte do seu avô Luís XV.

O martírio de Luís XVI, Maria Antonieta e Mme. Elisabeth era uma verdadeira «queima dos navios» para tornar a Revolução Francesa irreversível, mas atraiu sobre a cabeça dos seus responsáveis imediatos o castigo divino: a máquina revolucionária começou a devorar os seus filhos. Mal decorreram três semanas da execução de Maria Antonieta, subiu ao cadafalso no dia 6 de Novembro de 1793 o regicida Filipe Égalité; em fins de Março de 1794 foi a vez de Hébert, panfletista obsceno e porta-voz dos sans-culottes. Danton seguiu-lhe os passos no dia 5 de Abril. E três meses depois, em 10 de Thermidor (28 de Julho), perderam a cabeça na guilhotina Robespierre, Saint-Just, Dumas e mais uma vintena de seguidores.

A queda de Robespierre sinalizou o término do regime do Terror, pois a opinião pública francesa estava cansada de tantos excessos. Era um retrocesso necessário para a revolução progredir. Outras fases se sucederam: Directório, Consulado, Império. A obra revolucionária prosseguiu inexoravelmente sob outras formas, e continua a avançar. Mas esta já é matéria para outro artigo.

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Notas:

[1] Cfr. Plinio Corrêa de Oliveira, Revolução e Contra-Revolução, Artpress, São Paulo, 1982, pp. 19-20.

[2] Joseph de Maistre, no seu livro Considérations sur la France, J. B. Pelagaud, Lyon, 1880, calcula que a Revolução Francesa ceifou quatro milhões de vidas humanas, incluindo nesta cifra as vítimas das guerras napoleónicas, que exportaram para toda a Europa os princípios revolucionários de 1789. Só na campanha da Rússia morreram quase um milhão de soldados da Grande Armée.

[3] Augustin Cochin, Les sociétés de pensée et la Démocratie: Études d´Histoire Révolutionnaire, Plon-Nourrit et Cie.,1921.

[4] Esses arruaceiros, segundo Goncourt, eram cerca de seis mil indivíduos da pior espécie, não apenas de Paris, mas provenientes do interior da França e do estrangeiro. Haverá entre eles holandeses, prussianos, espanhóis e até americanos.

[5] Louis-Charles de France (1785-1795) foi o segundo Delfim. Morreu prisioneiro na Torre do Templo, em condições deploráveis. O primeiro, Louis-Joseph, morreu em Junho de 1789.

[6] Mme. Royale, assim era chamada Marie Thérèse Charlotte de Bourbon (1778-1851), filha primogénita de Luís XVI e Maria Antonieta. Sobreviveu à prisão do Templo, casou-se com o seu primo o Duque d´Angoulême e não teve descendência.

[7] Robespierre murmurou espantado, ao ouvir o voto do regicida: «Que infeliz! Era o único que poderia abster-se, e não ousou fazê-lo!» (G. Lenotre, Les grandes heures de la Révolution Française, Perrin, Paris, 1962, p. 278).

[8] Infame sob todos os pontos de vista: da ilegalidade do processo, da competência dos seus juízes, da inexistência de razões e provas suficientes para a condenação. Acusaram-na, à falta de melhor, de haver pervertido sexualmente o seu filho, o Delfim, criança de tenra idade.





quarta-feira, 26 de junho de 2019

sábado, 23 de março de 2019

Filipe VI ou a hipócrita realeza dita «católica» mas maçónica...


A MAÇONARIA ESPANHOLA QUER QUE O REI FILIPE VI SE CONFESSE!

ESPANHA ENTRE INFLUÊNCIA CATÓLICA E MAÇÓNICA

António Justo

A Grande Assembleia da Maçonaria da Grande Loja de Espanha (com a presença dos Grandes Mestres e Grandes Oficiais do Brasil, Estados Unidos, França e Índia) atribuiu, grandemente, ao rei de Espanha Felipe VI, a sua máxima distinção: a medalha da Ordem Maçónica do Fundador com o distintivo vermelho, ou seja, de Cavaleiro da Ordem Maçónica do Fundador. Fê-lo a pretexto de agradecer o 40.º aniversário da legalização que relegalizava a Maçonaria na Espanha.

A Casa Real ainda não respondeu se o monarca aceita ou não a insígnia talvez para não acirrar os ânimos entre uma luta clandestina entre uma mentalidade católica espanhola e a mentalidade maçónica; dado, depois da revolução francesa, a maçonaria, pouco a pouco, ir assumindo o lugar da influência católica no poder.

Em certos meios da sociedade espanhola pensa-se que se trata de uma jogada astuta dos homens do avental. Muitos espanhóis consideram a proposta como uma «oferta envenenada». Acham, por um lado, que o Rei não deveria aceitar mas, reconhecem, por outro, que se o rei não aceitar publicamente, aumentará o terror em Espanha e a figura do rei e da Monarquia serão desestabilizadas na opinião pública, devido ao poder da maçonaria nas infraestruturas da sociedade e do Estado. A fomentar este receio está o talvez preconceito popular: «quem se mete com a maçonaria ou com o socialismo apanha».

Facto é que, no Ocidente o factor religioso nos meios do poder político estava sempre condicionado aos interesses mais fortes vigentes.

É estranho como uma ONG universal empenhada na globalização financeira, comercial e ideológica que, se distingue por apoiar republicanos e separatistas, venha fazer tal proposta numa hora em que a Espanha se debate com problemas de separatismo.

O que em geral se desconhece e que não foi tornado público é que Filipe VI  é maçónico e faz parte do Royal Alpha Masonic Lodge, que depende da Grande Loja da Inglaterra.[1]

Não é tão fácil rejeitar uma oferta de Maçonaria, porque a rejeição tem consequências muito graves do ponto de vista social, especialmente quando se trata de uma personagem relevante. O rei terá que posicionar-se publicamente e aceitar a condecoração devido ao poder da maçonaria que actua nos bastidores de muitos Estados e de agendas tendentes a marxizar a cultura ocidental.

Já o seu bisavô Alfonso XIII, teve de renunciar ao trono e ir para o exílio, em grande parte por não ter feito nem assinado o que a maçonaria queria [2]!

Na tradição britânica, desde o século XVIII todos os príncipes do País de Gales, sem excepção, foram membros da Maçonaria; há pessoas que atribuem, ao facto do príncipe Charles ter renunciado a tal filiação, a causa dos maus-tratos da imprensa que o tornou propriamente numa figura marginalizada.

Anglicanismo e Maçonaria têm andado juntos: também 14 presidentes[3] dos EUA foram maçons e todos os presidentes foram protestantes, com excepção de Kennedy.

Embora a Maçonaria actue geralmente discretamente em questões de política e de religião, torna-se sintomático da divisão da sociedade espanhola o facto da maçonaria também se ter intrometido na discussão da Catalunha, tendo quatro lojas espanholas declarado aceitar a Catalunha independente[4], o que implicaria para a região o aumento da influência francesa.

Em questões de poder é natural que haja um interesse em criar uma sociedade a viver da dúvida para melhor se poderem impor interesses de ONG se no sentido de se criar um império global.[5]

As pessoas individualmente serão boas; os problemas acentuam-se a partir do momento em que escolhem fazer parte de uma instituição mais virada para a defesa dos próprios interesses do que para os da sociedade. A maçonaria tem muito de comum com o Islão. Estes são peritos no exercício do poder e ninguém os pode contestar porque poder e ordenar parece ser o apelo intrínseco a toda a natureza. O busílis da sociedade parece vir do facto de o que socialmente consideramos bom ser contradito pela realidade que favorece o poder onde o bem e o belo passam a bens subsidiários.


[1] Iniciação maçónica do rei Filipe VI: https://somatemps.me/2017/07/21/en-que-orden-masonica-ha-sido-iniciado-felipe-de-borbon-en-inglaterra/

[2] «Neste mesmo salão fui obrigado a receber uma delegação da Maçonaria internacional. Cerca de doze cavalheiros. Eis o que me disseram: Temos a honra de lhe fazer certas proposições e de garantir com elas que Vossa Majestade preservará a Coroa e que a Espanha servirá fielmente a Monarquia, apesar das tremendas crises que a ameaçam, e reinará num clima de paz. E quando perguntei quais eram essas proposições, este senhor apresentou-me um rico pergaminho dizendo-me: Com a sua assinatura pedimos a Vossa Majestade que dê a sua adesão às seguintes proposições:

1.º, a sua adesão à Maçonaria; 

2.º, decretar que a Espanha será um Estado secular;

3.º, para a reforma da família, decretar o divórcio;

4.º, instrução pública secular.

Sem hesitar por um momento, respondi: Isto nunca! Não posso fazê-lo como crente… Ao partir, o mesmo cavalheiro disse-me: «Lamentamos, porque V. M. acaba de assinar a sua abdicação como rei da Espanha e o seu exílio» (https://www.religionenlibertad.com/noticias/2741/la-masoneria-amenazo-a-alfonso-xiii-tras-consagrar-a-espana-al.html).

[3] 14 presidentes dos EUA Maçónicos: https://freimaurer-wiki.de/index.php/USA:_Bis_2018_waren_14_Pr%C3%A4sidenten_Freimaurer

[4] Imiscuição de lojas maçónicas: https://somatemps.me/2017/10/30/cuatro-logias-masonicas-aseguran-que-aceptaran-una-catalunya-independiente/

[5] Maçons portugueses: https://pt.wikipedia.org/wiki/Categoria:Ma%C3%A7ons_de_Portugal