domingo, 31 de janeiro de 2010

A desonestidade da comemoração republicana
com Antero do Quental



Nuno Castelo-Branco
Nesta azáfama propagandística das capitosas delícias da implantação da república, tem sido frequente o recurso aos grandes nomes do pensamento e da literatura do Portugal oitocentista. Se o descaramento não atinge Camilo, Herculano e Garrett, a ostensiva manipulação de outros como Oliveira Martins -- ministro de um governo de D. Carlos I --, Eça -- representante diplomático da Monarquia --, Ortigão -- abnegado amigo do rei --, ou Fialho, procura amalgamar estas personalidades na massa informe onde pontificaram Bernardino, Teófilo [Braga], Almeida, Junqueiro, Leão e uma infinidade de Costas, uns mais conhecidos que outros.

De uma total e deliberada desonestidade é a persistente usura de Antero de Quental, alternando o aproveitamento em benefício de uma certa ideia de «socialismo», com a da república. (...)

A uma Comissão que pretende fazer História, recomendar-se-ia, no mínimo, um pouco de discernimento, honestidade e, sobretudo, de pesquisa desapaixonada dos factos.

Aqui ficam em breves linhas, alguns desbafos de Antero:
I - in Carta a João Lobo de Moura, possivelmente de finais de 1873.
«Creio que teremos a república em Portugal, mais ano menos ano: mas, francamente, não a desejo, a não ser num ponto de vista pessoal, como espectáculo e ensino. Então é que havemos de ver o que é atufar-se uma nação em lama e asneira. Falam da Espanha com desdém -- e há de quê -- mas eles, os briosos portugueses, estão destinados a dar ao mundo um espectáculo republicano ainda mais curioso; se a república espanhola [a efémera, caótica e desastrada I república espanhola, de Fev. de 1873 a Dez. de 1874] é de doidos, a nossa será de garotos. A grande revolução, meu caro, só pode ser uma revolução moral, e essa não se faz de um dia para o outro, nem se decreta nas espeluncas fumosas das conspirações, e sobretudo não se prepara com publicações rancorosas, de espírito estreitíssimo e ermas da menor ideia prática.»
II- In Carta a João Lobo de Moura, Lisboa 18 de Março de 1875.
«Há já república em França. Isto não altera muito sensivelmente o estado das coisas: entretanto os nossos jacobinos criaram com isso grande ânimo, e andam alvoroçados. Querem também uma República. Talvez a tenham; mas, se assim for, duvido que gostem dela. Imagine uma República em Portugal! Entretanto pensam nisso com grande confiança, e é certo que o partido republicano engrossa a olhos vistos. Quando os republicanos forem maioria, tratarei de me fazer anti-republicano, porque fui sempre amigo de me achar em minoria».
III - In Carta a Oliveira Martins, Lisboa 10 de Outubro de 1878.
«Aqui pretendem uns centros republicanos, soi-disant socialistas, apresentar a minha candidatura por Alcântara. Respondi que achava equívoca a expressão republicano-socialista e como este equívoco praticamente me parece perigoso, só aceitaria a dita candidatura com o carácter exclusivamente socialista, com toda a reserva de questão política e em completa isenção do movimento republicano actual».



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