A. Rocha
Sob o título «O caso (nos dois sentidos) da sra. Robinson», publicou o comentador Alberto Gonçalves no DN do passado dia 12 de Janeiro um nota que constitui uma defesa coxa da senhora. Coxa porque é liberal. Coxa porque é incoerente. Coxa porque é sectária.
Eis o texto integral.
«A consciência moral de meio mundo despertou para a história de Iris Robinson, a deputada e mulher do primeiro-ministro da Irlanda do Norte que, aos 59 anos, deu umas cambalhotas extraconjugais com um rapaz de 19 e, ao que consta, se serviu da posição (política, nada de segundas intenções) para financiar o bar do amante. A justiça local pegou no lado corrupto da questão. A justiça popular de toda a parte preferiu naturalmente o lado pícaro e, além de elaborar vistosos trocadilhos com a adúltera homónima do filme A Primeira Noite (e a canção de Paul Simon feita para o filme), desatou a condenar a sra. Robinson pela aventura sexual.
«A condenação merece um ou dois comentários. Há uma quantidade notável de políticos infiéis que se safaram sem mácula, ainda que as consequências da infidelidade fossem ligeiramente mais graves que a abertura de um bar. Um exemplo moderado é o de Bill Clinton. Um exemplo extremo é o de Edward Kennedy, que, em Julho de 1969, conduziu não demasiado sóbrio o seu carro para o fundo de um lago. No carro seguia, e lá ficou até morrer, uma "amiga" do senador. O senador fugiu. O escândalo não impediu que Kennedy sobrevivesse biológica e politicamente ao acidente e que, 40 anos decorridos, as elegias fúnebres de Agosto passado o pintassem como um santo. Já a carreira da sra. Robinson (e, talvez, a do marido) terminou dias após a divulgação do seu pecado. O que explica a diferença de tratamento?
«O problema, se bem percebo, passa pelas convicções, sinceras ou simuladas, da sra. Robinson. Antes do deslize amoroso, ela cometeu o deslize de confessar fé cristã e simpatia pelos "valores familiares". Pior ainda, em 2008 produzira umas afirmações desagradáveis acerca da homossexualidade. Isto, somado ao affaire, chega e sobra para transformar a senhora numa "hipócrita". Na América, embora obviamente não só na América, a detecção da "hipocrisia" em políticos conservadores é um dos desportos preferidos da esquerda, sob o argumento de que a vida privada deve corresponder escrupulosamente aos ideais professados na vida pública. Podia-se inferir daqui que, em nome da coerência, os ideais públicos de Clinton incluíam o abuso de funcionárias e os de "Ted'' Kennedy a embriaguez, o homicídio e a fuga. Mas é melhor dar um desconto, e apenas notar que atrás de imensos progressistas se esconde um inquisidor e uma fogueira acesa.»
Análise coxa porque liberal.
A crítica moral constituiria um acto de «justiça popular». E essa «justiça popular» cometeu a injustiça de «condenar a sra. Robinson pela aventura sexual» (gosto sobretudo do aventura sexual!). A infidelidade da senhora Robinson ter-se-ia resumido a qualquer coisa sem importância, a «umas cambalhotas extraconjugais» (gosto sobretudo do umas!). O facto de o ter feito com um miúdo com idade para ser neto dela deve ser encarado com naturalidade. Eis porque os cato-liberais aderem a análises como esta.
Análise coxa porque incoerente.
Diz o comentador: «A justiça local pegou no lado corrupto da questão.» Qual será então o lado honroso da questão? A infidelidade da senhora teria acontecido com «um rapaz». Ora, à data do comentário, já se sabia que os casos não ficavam por «um rapaz». Abundavam. Aliás, basta olhar para a falta de decoro no vestir desta cristã (na verdade, ninguém lhe pode negar a fé, lá por ser uma mulher de mau porte) para não ficar surpreso com o rol. Com tudo isto, o comentador pretende moldar as regras cristãs à prática cristã não conforme. À prática não conforme às leis chama-se pecado. Conciliar o pecado de cristãos com as regras cristãs chama-se incoerência.
Análise coxa porque sectária.
O comentador entende que não se poderia falar desta adúltera porque outros, do outro lado, também não estão inocentes, como, por exemplo, Bill Clinton e Edward Kennedy. E que todo este julgamento «popular» se deve à sujeitinha se ter declarado cristã, com simpatia pelos valores familiares e crítica em relação à maneira como é colocada a questão da homossexualidade. O comentador, em vez de encarar as questões segundo critérios éticos, está mais preocupado com a camisola. Com a seita.
Se Alberto Gonçalves pretendeu defender os valores familiares, cristãos, foi pior a emenda do que o soneto. Se pretendeu defender o campo cristão, então deu tiros nos pés.
Admiro-lhe o esforço de reagir contra o domínio mediático pela esquerda mas a sua análise não chega. E mais de admirar é que pessoas com obrigações intelectuais e religiosas se identifiquem com o que foi dito por Alberto Gonçalves e o reproduzam sem comentários.
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