segunda-feira, 30 de junho de 2014


Ainda o 10 de Junho


Comentários breves a um discurso impróprio


Luís Lemos

No 10 de Junho, nas comemorações junto ao monumento aos combatentes do Ultramar, contrastando com o excelente discurso do tenente-general Sousa Rodrigues (texto já reproduzido em http://responderachamada.blogspot.pt/2014/06/palavras-do-tenente-general-sousa.html ), foi a intervenção de Henrique Leitão, professor universitário da Faculdade de Ciências de Lisboa. Assistimos ao pior discurso que já alguma vez se ouviu nesta circunstância. Para termos uma ideia, transcrevemos algumas partes com as nossas anotações.

...
Henrique Leitão num oceano de sabedoria.

«Ao começar estas breves palavras vale sempre a pena relembrar algo que é para todos nós uma evidência: não viemos aqui para celebrar nem uma ideologia nem uma política».

(Que quererá Henrique Leitão dizer? Que a defesa do Ocidente e dos seus valores, que Portugal protagonizou no Ultramar, não assenta em nenhuma ideologia nem era política (e, nesta hipótese, tratar-se-á de ignorância filosófica e geo-estratégica de Henrique Leitão)? Ou, pior ainda, que Henrique Leitão se quer demarcar da ideologia e da defesa militar dos valores do Ocidente (e tratar-se-á de «progressismo» politicamente correcto)?

Então, se não se trata de ideologia nem de política, será que os traidores abrilistas que entregaram de bandeja o Ultramar à influência soviética também poderiam aqui estar a comemorar o 10 de Junho?)

«Não viemos nem para comemorar vitórias nem para lamentar derrotas».

(Viemos aqui para comer umas febras e beber uns copos?)

«Não viemos para julgar.»

(Afinal, para que servirão a história e as comemorações senão para lembrar e valorizar as  políticas correctas, os valores correctos e os actos de patriotismo e condenar os erros e as traições, proporcionando assim ensinamentos e bons exemplos para o futuro? Parece estar na moda «não julgar»... Mas, como se verá , afinal ele, como todos, já vai julgar... mal!)

«Também não viemos apenas para relembrar o passado, como algo frio e distante que se examina com interesse vago ou apenas com saudade.»

(Passado frio e distante? Interesse vago? Apenas com saudade? Sem ser fonte de lições? Pois, já tínhamos percebido para que serve a reflexão histórica!)

«Aprendi convosco que os verdadeiros soldados lutam não porque odeiam o que têm diante» (...)

(Para o cientista politicamente correcto da Faculdade de Ciências de Lisboa, o que os soldados portugueses teriam diante de si – o inimigo soviético na forma de guerrilha – não deveria ser odiado. Deveria ser quê? Tolerado? Amado? Observado com frieza? Deveria o soldado português puxar o gatilho, matar? Talvez, mas com amor... A guerra que Portugal travou em África por si próprio, pelo Ocidente e pela Civilização deveria ser uma espécie de guerra do Solnado?... Olhe, da parte do inimigo não era assim! Claro que para todas estas interrogações há uma resposta moralmente certa. Mas não é a resposta implícita na consideração beata de Henrique Leitão.)

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Coisas simples que Henrique Leitão devia estudar.

«A história do nosso país enche de surpresa e admiração a quem a estuda: Uma nação pequena, de escassa população e recursos limitados, veio a desempenhar um papel singular na história da Europa e do Mundo. Não foi uma história perfeita de gente irrepreensível» (...)

(Que quer o cientista dizer com isto? Que os Portugueses se comportaram mal com o inimigo? Que trataram mal o inimigo em armas? Que Portugal cometeu erros de política ultramarina?... Conhecemos bem, da parte dos opinadores bem comportadinhos, politicamente correctos, as alternativas de capitulação perante o inimigo soviético.

E afinal, pasme-se, quem disse «Não viemos para julgar» já está a julgar o comportamento dos Portugueses... à maneira dele...)

...

«Os historiadores discutem há décadas como explicar estes factos surpreendentes [os Descobrimentos]. Razões económicas, políticas, sociais, religiosas têm sido avançadas como explicação, e todas elas são certamente necessárias.»

(E eis que ele vai descobrir-nos as verdadeiras razões!)

«Mas talvez a resposta esteja em olharmos para nós próprios: Arrojados, às vezes imprudentes, sempre prontos para partir, voluntariosos e um pouco desorganizados, fascinados com o novo, com o diferente, sonhadores, assim foram portugueses de todos os tempos.»

(Isto é, Henrique Leitão, no seu discurso, cita o cientista dos Descobrimentos Pedro Nunes – poderia até citar outros cientistas anteriores, como, por exemplo, os da Escola de Sagres e Abraão Zacuto. Mas depois vem explicar o êxito dos Descobrimentos pelo «voluntarismo», pela «imprudência», pela «desorganização» dos Portugueses... Os Portugueses, uma espécie de povo fandango, de marinheiros fandangos – gente não irrepreensível, como disse.

Então o cientista ignora que por detrás da grande empresa dos Descobrimentos estava uma verdadeira elite, a Ordem de Cristo, exemplo de valores, de organização, de planificação, de visão estratégica? Mas que grande lição de história e de história da ciência!).



Em resumo, Henrique Leitão ofereceu-nos um discurso pretensamente cheio de originalidades poéticas mas caindo na ideologia primária da não-ideologia, na política primária da não-política, no relativismo moral ou amoralismo do não julgar e na desconstrução da grandiosa epopeia dos Descobrimentos. Não, obrigado.

Curiosamente, Henrique Leitão é co-autor de um artigo, com o professor americano Walter Alvarez, defendendo precisamente o contrário sobre o papel da ciência nos descobrimentos. Nesse artigo, os autores avançam mesmo a hipótese de a ciência moderna ter nascido em  Portugal, com os Descobrimentos, «e não com Copérnico ou Galileu, como geralmente se aceita» (Segundo Alvarez em entrevista ao Público, em 22.5.2014).

Não possuindo elementos para irmos tão longe, é-nos no entanto legítimo perguntar: – Então, em que ficamos? Os Descobrimentos foram obra de organização e ciência ou de voluntarismo, desorganização e imprudência?

Ou seja, nos fóruns académicos, a propósito dos Descobrimentos, Henrique Leitão fala de ciência. Como grande especialista, que sabe da poda, o que lhe proporciona cachet. E depois, neste acto solene, prefere destacar a vulgaridade dos Portugueses.

Com toda esta narrativa terá pretendido demarcar-se da reaccionarada?

Erro de casting da Comissão Executiva do evento. As aparências iludem e errar é humano. Para o próximo ano será certamente melhor.





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