sábado, 19 de dezembro de 2009

A vida voltou a sorrir a Aníbal Cavaco Silva

João Miguel Tavares, DN
Só mesmo o pandemónio em que está transformada a actual legislatura conseguiria fazer Cavaco Silva regressar tão rapidamente do reino dos mortos. Há três meses, ele estava enfiado até ao pescoço na maior trapalhada envolvendo um Presidente da República desde os tempos do PREC. Há dois meses, teve uma intervenção pública que bateu todos os recordes de atabalhoamento e infelicidade semântica. Há um mês, a sua popularidade caía a pique em todos os barómetros e metade da pátria jurava que a sua reeleição estava em risco. Actualmente, Cavaco até se dá ao luxo de renomear Fernando Lima para a sua Casa Civil sem que o País lhe desabe em cima - como, efectivamente, ele merecia.

Nada como uma boa crise, um défice galopante, um primeiro-ministro a braços com mais um «caso» e um Parlamento em delírio para Cavaco recuperar a sua pose professoral e o papel de guardião de um mínimo de sanidade política. A sua estratégia pós-Lima parecia óbvia: fechar as portas e as janelas do Palácio de Belém e aparecer apenas a picar o ponto em ocasiões protocolares e prestigiantes (tipo assinatura do Tratado de Lisboa). Dentro da boa tradição portuguesa, boca calada, popularidade assegurada, e Cavaco deixaria assim que a passagem do tempo tratasse de sarar as feridas abertas pelos encontros de Fernando Lima com a comunicação social nos cafés da Avenida de Roma. Mas a minoria do PS e tudo o que se lhe seguiu foram uma espécie de banho de mercurocromo sobre um corpo em chagas, do qual o Presidente da República está a sair milagrosamente cicatrizado.
Agora, até se chega à suprema ironia de ser o PS, que tanto apreciava o seu silêncio, vir a terreiro exigir que Cavaco desça da «torre de marfim» (palavras de António Vitorino) e faça ouvir a sua voz, para pôr ordem na Assembleia da República. Percebe--se o desespero: o único truque que Sócrates e o PS poderiam ter na manga - provocar eleições antecipadas na esperança de uma segunda maioria absoluta - esfumou-se por completo com o caso «Face Oculta» e os terríveis números do défice. Ainda que toda a oposição se unisse malvadamente para derrubar o Governo, ninguém hoje acredita que Sócrates conseguisse melhor resultado do que o de Setembro.
Donde, Cavaco passou subitamente a ser o único homem capaz de impor um mínimo de respeito, por mais fragilizada que fosse a sua anterior posição. É como ter uma pequena lanterna no bolso durante um apagão -- pode alumiar pouco, mas ainda assim é a única coisa que consegue apontar caminho. Não admira que Manuel Alegre tenha voltado a marcar jantares com os seus amigos. O papel reforçado de Cavaco é uma péssima notícia para si e uma machadada nos seus sonhos presidenciais.


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