João J. Brandão Ferreira
“Os ibéricos continuam a trabalhar:
os nossos são em menor número
do que os hespanhois, mas decidi-
damente mais malvados e estúpidos”
Desabafo do Conde de Lavradio,
1860 (Memórias….VIII. P.305)
Finalmente uma boa noticia: não se vai realizar nenhum campeonato do mundo de futebol, de organização conjunta entre Portugal e Espanha!
Admirados? Às vezes o bom Deus dá-nos uma ajuda apesar “dos ibéricos continuarem a trabalhar…” Podemos considerar que o Iberismo tem duas vertentes, uma espanhola, melhor dizendo, castelhana, e outra portuguesa. A primeira pode ser condensada na célebre frase de José de Carvalhal y Lencastre, ministro de Estado ao tempo do rei D. Fernando IV, “A perda de Portugal foi de puro sangue e, por isso, o ministro espanhol que não pense constantemente na reunião, ou não obedece à lei ou não sabe do seu ofício”.
É, sem dúvida, uma posição constante, adaptada às circunstâncias e, no mais das vezes, dissimulada.
O iberismo português, por seu lado, é errático, disperso e sazonal. Desperta, normalmente, em épocas de crise e tem vários matizes e motivações. Chega a ser ingénuo, idealista e roça algumas vezes a traição. Em todos os casos é, porém, ilusório e irrealista e estará, enquanto houver uma mão cheia de portugueses determinados, votado ao fracasso.
O iberismo acarreta, portanto, para o povo português e para as suas elites – quando estas estão ao lado daquele – duas frentes de combate: uma externa, para fazer face às investidas castelhanas; outra interna, a fim de neutralizar os ingénuos úteis e os “cavalos de Tróia”, que sempre os vai havendo.
O Iberismo não é coisa do passado, mas sim actualíssima e hoje em dia muito mais perigoso, por três razões principais:
Primeiro porque o “poder nacional”português foi catastroficamente reduzido após a calamidade daquilo a que chamaram de “descolonização”, o que levou o jornal “ABC” a escrever, na altura, “Adeus ao Portugal das grandezas. E agora nada mais resta a Portugal que se acolher a Castela”; e o ministro dos negócios estrangeiros espanhol, Fernando Móran, não se coibiu de fazer a seguinte declaração logo na primeira reunião de chefes de governo de ambos os países, a seguir ao 25 de Abril de 1974: “A reconversão histórica de Portugal, passa pela continentalidade e, sem dúvida, pela Europa, salvo se, como faz desde Aljubarrota aos Tratados de Windsor, procurar converter-se na base de desembarque de uma potencia ultramarina e salvo se enfeude aos EUA e à Nato”.
A segunda razão prende-se com a adesão de Portugal e Espanha à CEE, em 1986. Ora esta adesão potencia, ao máximo, o iberismo, dado facilitar amplamente a “invasão espanhola do todo português: económica, financeira, cultural e psicológica, ainda por cima sem ter a maçada de grandes manobras diplomáticas ou enviar um qualquer derivativo do Duque de Alba…
As defesas caíram todas uma a uma e sem ninguém se preocupar com as implicações. Chegámos ao cúmulo dos portugueses irem abastecer-se, estudar, tratar-se e parir a Espanha. Só falta fecharem os cemitérios, para termos de ir lá morrer também!
Além da débacle atrás apontada, passou a verificar-se uma nova realidade geopolítica: a de nós termos passado a estar nas mesmas alianças politico-militares internacionais em que a Espanha está, o que é a primeira vez que se verifica em toda a nossa História. Existe uma excepção, porém, de que ninguém fala: a Aliança Inglesa, muito apropriadamente esquecida nos actuais conceitos estratégicos de defesa nacional e militar!
Finalmente, que dizer da actuação politica? Toda a gente trata a Espanha como se ela tivesse sido sempre nossa amiga e aliada, e que essa é a situação que vai perdurar no futuro. Isto não é ingenuidade esperançosa, é inconsciência dolosa!
Ministros de governos socialistas têm afirmado, publicamente, as suas convicções iberistas; empresários e financeiros “vendem-se” ao mercado espanhol; primeiros ministros cobrem-se de ridículo a falarem “portunhol”, em ambos os lados da fronteira e em actos oficiais, e até ao mais alto nível se permite que as cimeiras semestrais entre os governos dos dois países se chamem “ibéricas” em vez do correcto “luso – espanholas.
O baixar de guardas foi longe de mais para se transformar numa leviandade, e isto não tem nada a ver com as boas relações que se pretende se mantenham e reforcem.
Mas tal não deve impedir que se levante, por ex., a questão de Olivença, que está cativa da Espanha, desde 1807, uma situação ilegal e vergonhosa; se permitisse, há anos atrás, que a volta a Espanha em bicicleta, tivesse tido inicio em Lisboa – com a presença de guardas-civis armados! -; ou se insista em construir o TGV, que já se provou ser económico – financeiramente ruinoso, mas nunca se falou ser um aborto estratégico, não só pela finalidade como pelo traçado!
Os exemplos podiam continuar pelas centenas.
Por isso jamais devia passar pela cabeça de qualquer português, digno desse nome, e muito menos pelo bestunto de um político minimamente responsável, organizar um campeonato de futebol (ou outro qualquer), com os nossos vizinhos. Tal destinar-se-á apenas a permitir que os inquilinos do palácio da Zarzuela e da Moncloa, continuem (entre muitas outras coisas), a tentar confundir a opinião pública dos dois países e a da comunidade internacional, fazendo crer que a realidade geográfica chamada Península Ibérica, representa apenas uma única entidade politica.
Não por acaso, cada ano que passa se esfuma cada vez mais as comemorações dessa aurora luminosa, que representou o 1º de Dezembro de 1640, em que os portugueses ganharam novamente as suas liberdades como nação. Este ano nem uma linha se pôde ler na comunicação social, ou uma referência de um qualquer detentor de cargo político, sobre a efeméride…No dia seguinte lá veio a notícia da nega da FIFA.
Resta lembrar Frei Heitor Pinto, patriota sem mácula, que morreu miseravelmente, numa masmorra de Madrid e que afirmou: “El Rei Filipe bem poderá meter-me em Castela, mas Castela em mim, é impossível”.